quinta-feira, 30 de outubro de 2008

SANTA CATARINA: menoscabo à cidadania dos desafortunados

João Alberto Franco. Defensor Público da União e Alexandre Morais da Rosa. Juiz de Direito (TJSC), membro da Associação Juízes para a Democracia.


1. No dia 11 de setembro foi publicada notícia no sítio do Superior Tribunal de Justiça dando conta que o Presidente daquela Corte, Ministro César Asfor Rocha, ao participar da XV Conferência Estadual de Advogados de Santa Catarina, “convocou a categoria para trabalhar conjuntamente com a magistratura e o Ministério Público na elaboração de uma agenda conjunta para melhorar os serviços prestados pelo Poder Judiciário”.
2. A iniciativa é salutar e merece todo o apoio da classe jurídica nacional e de toda a sociedade brasileira. Na ocasião, de acordo como noticiado, o Governador de Santa Catarina, Luiz Henrique da Silveira, “afirmou que apóia a expansão dos serviços judiciários no Estado, que cresceram em seu governo”. Ainda segundo a notícia, disse ele: “De 2003 a 2007, pagamos R$ 69 milhões aos advogados dativos pela assistência judiciária, que tem um custo mensal de R$ 1,7 milhão”.
3. Cabe ressaltar que se mostra lamentável que o Estado de Santa Catarina adote um modelo que vai de encontro ao disposto na Carta da República de 1988, mantido, em muito, por conveniências tópicas e sem fundamento democrático. A Constituição da República determinou que o cidadão carente de recursos para contratar um advogado particular e arcar com as custas judiciais tenha a assistência jurídica (e não só judiciária) prestada por uma Instituição mantida pelo Estado para esse fim: a Defensoria Pública.
4. Embora com muitas dificuldades orçamentárias, a maioria dos Estados-membros, exceto Paraná e Goiás, que fazem coro com Santa Catarina, cumpriu e implementou o mandamento constitucional. Santa Catarina ainda se furta a fazê-lo. O que há é uma espécie de sistema de terceirização nebulosa do serviço, que deveria ser essencialmente público, por escritórios de advocacia, absolutamente estranho ao desenho constitucional. Essa heresia se dá em virtude do que dispõe o artigo 114 da Constituição Estadual de SC, cuja (in) constitucionalidade é objeto de Ação Direta no Supremo Tribunal Federal (ADI 3892).
5. Um dos pífios argumentos é o da ausência de recursos. Entretanto, conforme noticiado, gasta-se no Estado quantia mais que suficiente à criação e manutenção de uma Defensoria Pública de excelência, nos moldes constitucionais (R$ 1.700.000,00 por mês!). Perceba-se que este valor seria mais do que suficiente para se implementar um serviço adequado.
6. A Defensoria Pública é uma Instituição nacional que se traduz numa carreira de Estado, e não pode ser substituída pela assistência judiciária dativa, sem autonomia (art. 134, § 2°, da Constituição), sem diretrizes de atuação, sem garantias e prerrogativas a seus membros, tudo isso em prol da defesa dos direitos dos necessitados. A sua ausência, além de claro descumprimento do Direito Fundamental assegurado pela Constituição da República (art. 5º, inciso LXXIV), é uma afronta inadmissível à cidadania dos seus destinatários.
7. Não se podem solapar os Direitos Fundamentais conquistados após séculos de lutas pela implantação de um verdadeiro Estado Democrático de Direito. A saída se dá por uma decisão do Governante de plantão ou pelo Supremo Tribunal Federal. Que o Estado de Santa Catarina não perpetue o desrespeito ao cidadão carente! Nem o STF…

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Vinte anos da Constituição

Defensoria ainda é a prima pobre das carreiras jurídicas

por Marcelo Semer

Dentre os significativos avanços da Constituição da República, que ora aniversaria 20 anos, seguramente poderíamos assinalar a relevância concedida aos direitos fundamentais, verdadeiro estandarte que abre a Carta Cidadã, e o amplo leque de direitos sociais que a partir dela foram incorporados em nosso ordenamento.

A ênfase nos direitos fundamentais não se dá apenas pela sua amplitude, isto é, pelo rol dos direitos assegurados, mas também pelas garantias às garantias, a consolidação através das cláusulas pétreas, que impedem sua redução ou supressão, e a incorporação contínua de novas normas de proteção aos direitos humanos. O sistema é uma porta aberta permanentemente para os novos direitos e fechada para o retrocesso.

A incorporação dos direitos sociais, a seu turno, segue a lógica do constitucionalismo do pós-guerra europeu, que agrega os direitos humanos de segunda geração, em um caminho típico de um Estado Social-Democrático em direção à igualdade, sem abrir mão das liberdades civis do Estado de Direito, conquistas de primeira geração dos direitos humanos.

Mas, se é verdade que além desta superestrutura de direitos, a Constituição Federal também desenhou uma estrutura jurídica compatível com seu exercício, em especial a formatação de um Judiciário independente e de um Ministério Público autônomo e prenhe de novas competências, também é inequívoco que um dos pilares desta estrutura ainda permanece bamba, duas décadas depois. Refiro-me à Defensoria Pública, instrumento indispensável para o efetivo gozo dos direitos fundamentais de muitos, e porta de entrada para os direitos sociais para aqueles que mais deles necessitam.

As omissões de governantes e dos legisladores têm transformado o Judiciário em órgão ativo na efetivação dos direitos explicitados na Constituição Federal. Cada vez mais, temos nos convencido de que os princípios constitucionais não são letras mortas de pura poesia. Vimos superando, de forma ainda hesitante, mas gradual, os obstáculos impostos pelo positivismo, inclusive a idéia de que a maioria das normas constitucionais não passam de programáticas, de mera intenção. O Judiciário engatinha no sentido de trazer para si a tarefa de tornar vivos os direitos consagrados, mesmo à custa de determinar ao Executivo a realização de políticas públicas, quando indispensáveis à fruição dos direitos.

No entanto, enquanto os direitos fundamentais foram agigantados pela Constituição Cidadã e os direitos sociais passam a ser matéria constante de ações judiciais, eis que a Defensoria Pública ainda é tratada de forma assistencialista, alijando uma plêiade gigantesca de carentes das questões mais emergenciais. Assim tem ocorrido como regra que os mais necessitados são aqueles que menos transformam suas carências (que não são poucas) em ações judiciais. É mais fácil encontrar nos nossos tribunais litígios que os abarrotam envolvendo os consumidores de classe média, como usuários de linhas telefônicas móveis, associados de planos de saúde, pagadores de mensalidades escolares, ou mesmo vítimas de atrasos aéreos, do que questões atinentes aos direitos sociais em sua essência, como à educação pública, atendimento integral na saúde ou acesso a um transporte coletivo em condições aceitáveis.

Tudo isso decorre do pouco caso que os governantes têm dado às Defensorias Públicas, veículos da população carente de acesso à justiça e, por conseqüência, à garantia de seus direitos fundamentais.

O exemplo de São Paulo talvez seja o mais impactante. Criada depois de 18 anos da determinação constitucional, a Defensoria Pública ainda é a prima pobre das carreiras jurídicas. É essencial à função jurisdicional do Estado, diz a Constituição Federal em seu artigo 134, mas, como se vê, não tão essencial assim, pois na maioria das comarcas e em grande parte dos juízos, a função jurisdicional se desenvolve mesmo sem a participação da Defensoria Pública. O número de defensores no estado não atinge 1/3 do de juízes ou promotores (estes estabelecidos em todas as comarcas e varas distritais), para uma população carente na casa de alguns milhões.

Depois de um biênio de funcionamento, a Defensoria ainda não agrega um corpo funcional que possibilite o trabalho, sem depender de comissionamentos de outras instituições. E a remuneração de seus defensores é incompatível com os similares em outras carreiras, inviabilizando o recrutamento de profissionais da mesma proficiência que juízes, promotores ou procuradores do Estado — a tendência será de um eterno esvaziar, transformando-se em mera etapa de passagem para outras instituições, sem criar em si mesmo e em seus servidores a noção perene de carreira. Como se não bastasse, é compelida, inclusive judicialmente, a manter convênio para contratar advogados terceirizados para cumprir justamente sua atividade-fim, ou seja, advogar para os carentes. Que carreira se sustentaria desta forma?

Não é possível que estejamos hoje comemorando 20 anos da Constituição que mais positivou direitos fundamentais, que mais incorporou direitos sociais, e ao mesmo tempo relegando para o assistencialismo e a improvisação, o descaso e o desprezo, a instituição fundamental para que tais direitos possam ser exigidos.

Diz o artigo 5, inciso XXXV, da Constituição Federal, que nenhuma lesão ou ameaça de lesão de direito pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário. Mas a inafastabilidade da jurisdição não pode funcionar apenas como norma retórica. A ausência de uma Defensoria Pública autônoma, ou seja não conduzida pelos interesses do Poder Executivo, e estruturada em compatibilidade com seus encargos, exclui da apreciação pelo Judiciário de lesões de direito de um incontável número de pessoas.

Fazer cumprir a Constituição e a ampla gama de direitos nela assegurada, 20 anos depois, também é criar, ou recriar, a Defensoria Pública como instituição que não seja tratada como de segunda divisão apenas porque cuida de pobres. Isso ofende o espírito do constituinte que hoje se homenageia.

Marcelo Semer: é juiz de direito em SP e ex-presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 8 de outubro de 2008

Estatuto da AJD

Artigo 1º
A "Associação Juízes para a Democracia" entidade não governamental, de tempo indeterminado, sem fins lucrativos ou corporativistas, fundada em 13 de maio de 1991, com sede na cidade de São Paulo.

Artigo 2º
A Associação tem por finalidade:
1) O respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito.
2) A promoção da conscientização crescente da função judicante como proteção efetiva dos direitos do Homem, individual e coletivamente considerado, e a conseqüente realização substancial, não apenas formal, dos valores, direitos e liberdades do Estado Democrático de Direito.
3) A defesa da independência do Poder Judiciário não só perante os demais poderes como também perante grupos de qualquer natureza, internos ou externos à Magistratura.
4) A democratização da Magistratura, assim no plano do ingresso, como no das condições do exercício profissional, com o fortalecimento dos direitos dos juízes à liberdade de expressão, reunião e associação.
5) A Justiça considerada como autêntico serviço público que, respondendo ao princípio da transparência, permita ao cidadão o controle de seu funcionamento.
6) A defesa dos direitos dos menores, dos pobres e das minorias, na perspectiva de emancipação social dos desfavorecidos.
7) A criação e o desenvolvimento de vínculos de cooperação e solidariedade mútuos entre operadores judiciais e associações afins.
8) A promoção e a defesa dos princípios da democracia pluralista, bem como a difusão da cultura jurídica democrática.

Artigo 3º
A Associação trabalhará para a consecução de seus propósitos, tanto no âmbito interno, como no internacional, podendo filiar-se a entidade estrangeiras congêneres.

Artigo 4º
São membros da associação:
1) Os Associados fundadores.
2) Os magistrados que se comprometam, por escrito, a atuar para a consecução dos fins estabelecidos no art. 2º , aprovada a solicitação pelo Conselho de Administração.

Artigo5º
Perde-se a qualidade de membro:
1) A pedido do associado.
2) Por decisão da Assembléia Geral, por maioria de 2/3 dos votos, em decorrência da prática de ato contrário às finalidades estatutárias ou que implique outro prejuízo moral para a Associação.
3) Por ato do Conselho de Administração, em decorrência do não pagamento de três contribuições mensais ordinárias, ou de contribuição extraordinária.

Artigo 6º
As contribuições serão fixadas pela Assembléia Geral.

Artigo 7º
As despesas da Associação serão suportadas coletivamente. Os recursos compõem-se de contribuições, ordinárias e extraordinárias, e liberalidade.
§ 1º As despesas serão autorizadas pelo Tesoureiro, de acordo com o orçamento e as decisões dos órgãos estatutários. O Tesoureiro pode delegar funções a outro membro do Conselho de Administração.
§ 2º Os associados não respondem pelas obrigações da entidade.

Artigo 8º
A Assembléia é o poder soberano da Associação, cabendo-lhe definir a política geral.
§ 1º Os associados em dia com as contribuições reunir-se-ão em assembléia geral ordinária uma vez ao ano.
§ 2º A Assembléia Geral ordinária ou extraordinária, será convocada pelo Conselho Executivo, pelo de Administração, ou ainda por um quarto dos associados, com antecedência mínima de dez dias, constando da convocação a ordem dos trabalhos.
§ 3º A Assembléia aprovará as contas do exercício findo, voltará o orçamento subseqüente e deliberará sobre as questões da ordem dos trabalhos, ressalvando o disposto no parágrafo seguinte.
§ 4º O artigo segundo do Estatuto só poderá ser modificado em Assembléia Geral Extraordinária, específica e exclusivamente convocada para essefim, instalada com a presença de pelo menos um quarto dos associados em dia com as contribuições, por maioria de dois terços.

Artigo 9º
A Associação é gerida por um Conselho de Administração, composto de sete membros eleitos pela Assembléia Geral, com mandato de dois anos, renovável por um período.
§ 1º Serão também eleitos 1º, 2º 3º suplentes, que substituirão, pela ordem, nos impedimentos, os membros efetivos do Conselho de Administração.
§ 2º As decisões do Conselho de Administração são tomadas por maioria absoluta, presentes pelo menos três de seus membros.
§ 3º O Conselho de Administração reunir-se-á sempre que necessário, mas no mínimo cada três meses.
§ 4º O Conselho de Administração elaborará e submeterá o orçamento à Assembléia Geral.

Artigo 10º
A cada dois anos, na segunda quinzena de maio dos anos ímpares, a Assembléia Geral elegerá os sete membros do Conselho de Administração e seus três suplentes, em dia e horários indicados pelo Conselho Executivo.

Artigo 11º
Até 60 (sessenta) dias antes da eleição, o Conselho de Administração designará Junta Eleitoral constituída por três associados que não sejam candidatos, não exerçam cargos na Associação e não sejam parentes ou afins de candidato, até o quarto grau.
§ 1º Compete à Junta expedir instruções, dirigir e fiscalizar a eleição, apurar votos e decidir sobre os casos omissos.
§ 2º Da decisão que indeferir registro de chapa, cabe recurso para a Assembléia.
§ 3º Podem votar e ser votados os associados em dia com suas mensalidades e que tenham ingressado na Associação com antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias da data da Assembléia.

Artigo 12º
As candidaturas são integradas em chapas, vedada a candidatura individual.

Artigo 13º
Até 30 (trinta) dias antes da eleição, os candidatos deverão registrar na Secretaria da Associação as respectivas chapas. Nenhum candidato poderá figurar em mais de uma chapa.

Artigo 14º
O voto é secreto e direto, vedado o voto por procuração.
§ 1º É permitido o voto por carta enviada pelo associado, inclusive pelos residentes na cidade de São Paulo, de forma tal que o envelope de encaminhamento sirva de prova de votação, utilizando-se envelope padrão fornecido pela AJD, postado pelo eleitor com antecedência mínima de 10 (dez) dias.
§ 2º Todos os votos recebidos até o início da Assembléia serão depositados na urna, durante o procedimento eleitoral, na presença dos associados que tiverem comparecido.
§ 3º A cédula de votação enviada aos associados deverá conter os nomes dos integrantes das chapas prévia e validamente inscritas.
§ 4º Não serão computados os votos recebidos a destempo.
§ 5º Serão colocados na urna tanto os votos depositados pelos eleitores presentes como os votos recebidos pelo correio, sendo pública a apuração, na presença de todos os que tiverem comparecido à Assembléia.
§ 6º Nos envelopes maiores enviados pelo correio estarão envelopes menores, sem identificação alguma, contendo os votos dos eleitores.

Artigo 15º
A apuração dos votos se fará imediatamente após o encerramento da votação. A posse dos eleitos se dará em seguida, dissolvendo-se automaticamente a Junta Eleitoral.

Artigo 16º
O Conselho de Administração designará, dentre seus membros, o Conselho Executivo, composto de presidente, secretário e tesoureiro.
§ 1º O Conselho Executivo encarregar-se- á de executar as decisões do Conselho de Administração, durante o período de seu mandato, e de convocar as eleições periódicas.
§ 2º Os membros do Conselho Executivo são os porta- vozes da Associação.

Artigo 17º
Em casos de impedimento, o membro da Associação poderá ser representado por um dos pares, que disporá de dois votos, incluído o seu.

Artigo 18º
O Presidente representará a Associação em Juízo e nos atos da vida civil, facultada a delegação de poderes a outro membro do Conselho de Administração.

Artigo 19º
A Associação poderá ter representações regionais, a critério do Conselho de Administração.

Artigo 20º
Assembléia Geral decidirá sobre a dissolução da entidade, mediante convocação específica do Conselho de Administração e será instalada com a presença mínima de metade dos associados. Se tal proporção não se verificar. Haverá nova convocação com quinze dias de intervalo, podendo então, ser decidida pelos presentes em qualquer número, mas pelo voto mínimo de dois terços.

Artigo 21º
Em caso de dissolução, a Assembléia designará liquidante, destinando o ativo a uma ou mais associações similares.