sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Discurso proferido pelo Ministro Celso de Mello, do STF, em Homenagem ao Dia Nacional da Defensoria Pública

Celebra-se, nesta terça-feira, dia 19 de maio, uma data particularmente expressiva. A Lei nº 10.448, de 09/5/2002, ao instituir o Dia Nacional da Defensoria Pública, prescreveu que será ele comemorado, anualmente, em 19 de maio.
O dia dezenove de maio registra a data em que faleceu, na França, no ano de 1303, Santo Ivo, Doutor em Teologia, Direito, Letras e Filosofia, que atuou perante os tribunais franceses na defesa dos pobres e dos necessitados. Por isso, comemora-se, muito justamente, nessa data, o Dia Nacional da Defensoria Pública.
Essa data permite-nos algumas reflexões, especialmente em face do que determina a Constituição da República, que, de um lado, assegura, aos necessitados, o direito à orientação jurídica e à defesa em todos os graus de jurisdição e, de outro, impõe, ao Poder Público, a obrigação de promover a organização e o aparelhamento da Defensoria Pública, quer no plano da União, quer no âmbito do Distrito Federal e dos Estados-membros.
Torna-se irrecusável reconhecer a essencialidade da Defensoria Pública como instrumento de concretização dos direitos e das liberdades de que também são titulares as pessoas carentes e necessitadas. É por esse motivo que a Defensoria Pública foi qualificada pela própria Constituição da República como instituição essencial ao desempenho da atividade jurisdicional.
Não se pode perder de perspectiva que a frustração do acesso ao aparelho judiciário do Estado, motivada pela injusta omissão do Poder Público - que, sem razão, deixa de adimplir o dever de conferir expressão concreta à norma constitucional que assegura aos necessitados o direito à orientação jurídica e à assistência judiciária -, culmina por gerar situação socialmente intolerável e juridicamente inaceitável.
É preciso dar passos mais positivos no sentido de atender à justa reivindicação da sociedade civil, que exige, do Estado, nada mais senão o simples e puro cumprimento integral do dever que lhe impôs o art. 134 da Constituição da República.
Cumpre dotar, desse modo, o Poder Público de uma organização formal e material que lhe permita realizar, na expressão concreta de sua atuação, a obrigação constitucional mencionada, proporcionando, efetivamente, aos necessitados, orientação jurídica e assistência judiciária, para que os direitos e as liberdades das pessoas atingidas pelo injusto estigma da exclusão social não se convertam em proclamações inúteis nem se transformem em expectativas vãs.
A questão da Defensoria Pública, portanto, não pode (e não deve) ser tratada de maneira inconseqüente, porque, de sua adequada organização e efetiva institucionalização, depende a proteção jurisdicional de milhões de pessoas carentes e desassistidas, que sofrem inaceitável processo de exclusão que as coloca, injustamente, à margem das grandes conquistas jurídicas e sociais.
Convém relembrar, neste ponto, dada a íntima correlação entre os fins institucionais da Defensoria Pública e a razão de ser que justifica a própria existência do Poder Judiciário, que este constitui o instrumento concretizador das liberdades civis e das franquias constitucionais. Essa alta missão - que foi confiada aos juízes e Tribunais pela Assembléia Nacional Constituinte - qualifica-se como uma das mais expressivas funções políticas do Poder Judiciário.
É que de nada valerão os direitos e de nada significarão as liberdades, se os fundamentos em que eles se apóiam – além de desrespeitados pelo Poder Público – também deixarem de contar com o suporte da ação conseqüente e responsável do Poder Judiciário.
Daí a necessidade de enfatizar, a cada momento, que o Poder Judiciário tem um compromisso histórico e moral com a luta pelas liberdades e, também, com a preservação dos valores fundamentais que protegem a essencial dignidade da pessoa humana.
Sem que se reconheça a toda e qualquer pessoa o direito que ela tem de possuir e de titularizar outros direitos, frustrar-se-á – como proclamação verdadeiramente inútil – o acesso ao regime das liberdades públicas.
É preciso construir a cidadania a partir do reconhecimento de que assiste, a toda e qualquer pessoa, uma prerrogativa básica que se qualifica como fator de viabilização dos demais direitos e liberdades. Torna-se imperioso reconhecer que toda pessoa tem direito a ter direitos.
É preciso, portanto, dar efetividade às regras da Constituição que determinam, ao Poder Público, o aparelhamento adequado da Defensoria Pública e a adoção de medidas que tornem reais os direitos abstratamente proclamados pela ordem normativa em nosso País, dispensando-se, em conseqüência, às pessoas legalmente necessitadas, a irrecusável proteção jurisdicional a que elas têm direito.
Com estas palavras, Senhores Ministros, quero ressaltar, uma vez mais, a importância jurídico-institucional e político-social da Defensoria Pública, que se projeta como expressiva instituição da República, garante dos cidadãos desamparados que anseiam por acesso à Justiça e que postulam a efetiva realização dos seus direitos.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Manifesto

As entidades abaixo nomeadas vêm a público repudiar veementemente os atos de tortura cometidos contra detentos no Complexo Prisional de São Pedro de Alcântara/SC, noticiados pela Imprensa no último domingo, dia 01 de novembro.

As denúncias de reiterado desrespeito aos mais elementares direitos dos presos revela que não se trata de um mero desvio de conduta de agentes prisionais, mas de verdadeira política penitenciária instituída no Estado de Santa Catarina, na mesma linha de outras unidades da Federação.

Lamentável que esses bárbaros crimes venham sendo cometidos justamente no interior de órgãos que são responsáveis pela ressocialização dos detentos, o que demonstra a falta de compromisso institucional com a observação das normas legais.

O combate à criminalidade não pode ser feito por meio da violência, brutalidade e truculência, pois dessa maneira o Estado reproduz o modo de agir que deveria sancionar.

O art. 5º, inc. XLIII da Constituição Federal determina que a prática de tortura é crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, “por ele respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.

A sociedade catarinense não admite que em nossas prisões ainda seja cometida tortura e exige que sejam tomadas as medidas cabíveis das autoridades competentes quanto a esse episódio, assim como ficará atenta à política de segurança pública, pois o respeito aos direitos humanos se faz com a participação de todos os cidadãos.


Entidades:

Associação Juízes para a Democracia – Núcleo Catarinense
Pastoral Carcerária
Pastoral da Criança
ASBEDIM – Associação Beneficente São Dimas
Projeto Universidade Sem Muros - UFSC/CPGD/CNPq
Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Florianópolis
Justiça Global
Sindicato dos Peritos Oficiais de Santa Catarina
Comissão de Direitos Humanos da OAB/SC
Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH
Movimento Estadual de Direitos Humanos – MNDH/SC
Centro dos Direitos Humanos Maria da Graça Bráz – Joinville – SC
Conselho Carcerário de Joinville –SC
Pastoral Carcerária de Santa Catarina - CNBB Regional Sul IV
Defensoria Pública da União em SC
Assistência Social Diocesana Leão XIII

Cidadãos:

Professora Doutora Vera Regina Pereira de Andrade - UFSC
Daniela Felix Teixeira – Advogada/Vice-Presidente da Advogados Sem Fronteiras Brasil (ASF-BR)
Ana Carolina Ceriotti – Estudante de Direito/UFSC
Marília Denardin Budó – Advogada
Tácio Piacentini - Estudante de Direito/UFSC
Jullian Coelho Wasielewsky - Estudante de Direito/UFSC
Cristina Lanzini – Advogada
Ana Catarina Barbosa - Direito-UFSC
Mário Davi Barbosa – Estudante de Direito/CESUSC
Gilnei José Oliveira da Silva – Advogado
Elói Oliveira da Silva
Beatriz Bertelli – Assistente Social
Cynthia Maria Pinto da Luz – Conselheira do Conselho Nacional de Segurança Pública - CONASP
Arnaldo Xavier - Estudante de Serviço Social/UFSC
Bruna Maria Maresch - Estudante de Direito/UFSC
Gabriela Jacino
Marilia Montenegro Pessoa de Mello - Professora de Direito Penal e Criminologia da Universidade Católica de Pernambuco, Mestre em Direito pela UFPE e Doutora em Direito pela UFSC
Marcos Tamassia - Juiz de Direito/SP
Maurício Brasil - Juiz de Direito/BA
Paola Lorena Pinto dos Santos - Estudante de Direito/UnC
Ronaldo Sindermann - Advogado
André Dias Pereira - Defensor Público
Kenarik Boujikian Felippe, juiza de direito da 16ª Vara Criminal, SP, co-fundadora da Associação Juizes para a Democracia
Jorge Luiz Souto Maior – Professor da Faculdade de Direito da USP
José de Alencar - Juiz do Trabalho/PA
José Eduardo R Chaves Jr – Juiz do Trabalho/MG
Milton Lamenha de Siqueira - Juiz de Direita da Vara Criminal de Pedro Afonso-TO
Rubens R. R. Casara - Juiz de Direito/RJ
João Batista Damasceno - Juiz de Direito/RJ
Márcia Novaes Guedes - Juíza do Trabalho/BA
Dora Martins - Juíza de Direito/SP
Sônia das Dores Dionísio – Juíza do Trabalho do ES

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Qual notório saber jurídico?

Alessandro da Silva*

A Constituição Federal é conhecida como Carta Política, porque organiza o Estado Brasileiro, faz a distribuição do poder e estabelece as diretrizes que nortearão a produção das leis e demais regras de conduta. Por conseqüência, o controle de constitucionalidade dos atos normativos é uma atividade eminentemente política, conquanto exercida pelo Poder Judiciário, em especial pelo Supremo Tribunal Federal.

Percebe-se que ao STF foi atribuída uma parcela de poder decisiva na organização das relações sociais, de modo que suas decisões têm repercussão direta na vida dos cidadãos, como ocorreu, por exemplo, no caso das pesquisas com células tronco.

Nesse quadro, é de se concluir que a nomeação dos ministros que comporão essa Corte é ato do maior interesse de toda a sociedade. O art. 101 de nossa Constituição determina que a nomeação cabe ao Presidente da República, depois de aprovada pela maioria absoluta do Senado, e estabelece três requisitos ao indicado: ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade, notório saber jurídico e reputação ilibada.

Conquanto seja fato consumado, a nomeação do Advogado Geral da União José Antônio Dias Toffoli para ocupar a vaga do Ministro Carlos Alberto Direito reascendeu o debate acerca dos requisitos para integrar o STF.

Todavia, antes de discutir as várias propostas de alteração dos critérios, é importante questionar se os requisitos atualmente vigentes foram respeitados, pois não adiantaria estabelecer novas regras que também não serão cumpridas.

Dentre outras objeções, afirma-se que o novo Ministro não teria notório saber jurídico.

É senso comum que esse requisito consistiria no domínio da técnica jurídica, ou seja, o profundo conhecimento dos institutos dos vários ramos do direito, em especial, o constitucional. Observe-se que o saber jurídico deve ser notório, portanto, não basta que o Presidente da República ou seu grupo político tenham conhecimento desse domínio. Toda a sociedade deve ter provas de que o saber jurídico do indicado é notório, de modo que seus entendimentos sejam os mais explícitos possíveis.

Isso porque as decisões judiciais não são somente técnica, mas também envolvem um grau controlado de discricionariedade, ou seja, dentre várias hipóteses apresentadas, o juiz deve escolher uma e fundamentar, por meio da técnica, os motivos que determinaram sua escolha.

Assim, é perfeitamente possível, e até frequente, que dois indivíduos com profundo conhecimento da técnica jurídica profiram decisões em sentido totalmente opostos. Exemplos nesse sentido são colhidos diariamente nas sessões do próprio STF.

O fato é que o domínio da técnica é acessível a todos aqueles que se dedicarem com afinco ao estudo e à prática dos institutos jurídicos. Todavia, por si só, essa condição não é suficiente para indicação a uma vaga na mais alta Corte do país.

É fundamental que a sociedade conheça a postura ideológica dos indicados. O perfil conservador ou progressista de um Ministro influenciará o destino de todo o país, com consequências que serão sentidas por anos ou mesmo décadas.

Foi com o objetivo de possibilitar à sociedade o controle sobre essa postura ideológica que a Constituição exigiu do indicado notório saber jurídico.

A verificação desse perfil, por sua vez, é aferida pelo histórico profissional e pela produção doutrinária do candidato. A atuação profissional vai revelar os interesses aos quais ele esteve vinculado durante sua carreira, que certamente influenciarão na formação de suas convicções. A produção doutrinária explicita tendências e permite identificar os valores que norteiam sua conduta.

Nessas circunstâncias, será possível exigir coerência nas decisões do indicado. O que não se pode admitir é que seus posicionamentos não sejam conhecidos pela sociedade e pelo próprio meio jurídico, pois sua postura será uma verdadeira incógnita.

Infelizmente, esse foi o caso do Ministro Dias Toffoli.

Pela carreira meteórica, é provável que ele seja profundo conhecedor da técnica jurídica, entretanto, não tem produção doutrinária e sua atuação profissional esteve restrita a âmbitos que não permitiram publicizar seu pensamento. Assim, não é possível averiguar seu perfil ideológico.

Torcer para que o novo Ministro não seja vetor de retrocessos é o que resta à sociedade brasileira, papel pouco relevante em um Estado que se pretende Democrático de Direito.

O mais grave é que essa torcida se estenderá por longos 28 anos, constatação que revela quão urgente é a discussão acerca da PEC 342/09, que estabelece mandato de 11 anos para os Ministros do STF.

* Alessandro da Silva, juiz do trabalho em Santa Catarina, membro do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Defensoria Pública

* Iolmar Alves Baltazar

Audiência Pública realizada em Blumenau no dia 23 tratou da organização da Defensoria Pública em nosso Estado, único que ainda não a instituiu nos moldes constitucionais, preferindo o estabelecimento de um convênio com a Ordem dos Advogados para a remuneração de profissionais dativos.

Acontece que a Defensoria é função essencial à Justiça, assim como é o Ministério Público e a Procuradoria do Estado. Logo, enquanto função estatal essencial, não pode haver delegação de seus serviços. A Defensoria possui autonomia funcional, administrativa e iniciativa própria para a elaboração de sua proposta orçamentária, participando, ainda, através da formação de lista tríplice, da escolha de seu dirigente, o que lhe dá contornos de verdadeiro Poder no sistema de freios e contrapesos.

À Defensoria Pública cumpre prestar assistência jurídica integral, inclusive extrajudicial e com atendimento multidisciplinar, e não só assistência judiciária. A sua importância reside no fato de que a pobreza existente em nosso Estado não é só econômica, mas também de informação jurídica para a realização da cidadania. O termo necessitados, então, não abrange exclusivamente os pobres economicamente, mas também os socialmente vulneráveis, a exemplo dos consumidores, sendo atribuição da Defensoria o ingresso de ação civil pública.

A organização da Defensoria nos moldes constitucionais e da legislação complementar não se trata de uma conveniência do Governo, mas de uma imposição constitucional, sendo a sua ausência verdadeira sonegação de direitos fundamentais. Só um Estado que fortalece uma instituição responsável por possibilitar o acesso do povo à Justiça pode ser tido como Democrático de Direito.

* Membro da Associação Juízes para a Democracia

segunda-feira, 20 de julho de 2009

CNJ: um inimigo íntimo?

Sala sem mobília
Goteira na vasilha
Problema na família
Quem não tem
(A ciranda da bailarina. Edu Lobo e Chico Buarque)

Alessandro da Silva[1]

Toda pessoa traz consigo a própria história, com êxitos e alegrias, mas também com fracassos, tristezas e desgraças. Nessa parte menos gloriosa são muitos os assuntos que podem gerar constrangimento – como violência, drogas, traição, doenças – seja envolvendo o próprio indivíduo ou pessoas de seu relacionamento mais próximo. Quantos serão os assuntos considerados tabu em nossa sociedade. Quantos segredos carrega uma existência.

Em grande medida a resposta está condicionada ao momento histórico e cultural de uma dado grupo social. Os padrões de comportamento mudam com o tempo e ainda dependem do lugar. Também variam de pessoa para pessoa, pois o que para uns é vergonhoso, para outros é insignificante.

O fato é que existe uma esfera de atos, comportamentos, valores, crenças, que diz respeito exclusivamente ao indivíduo e a que se costuma denominar intimidade e vida privada. Tratam-se de conceitos abertos, aptos a serem preenchidos conforme se dá a evolução das relações humanas.

A relevância desse conjunto de relações foi reconhecida por nossa Constituição, quando estabeleceu no art. 5º, inc. X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”.

Segundo Alexandre de Moraes, “a intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo, etc”[2].

Seria de se supor que também aos magistrados esses direitos fossem garantidos. Contudo, para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), essa constatação não é tão óbvia.

Isso porque em 9 de junho de 2009 o CNJ publicou a Resolução n° 82, segundo a qual ao declarar sua suspeição por foro íntimo, o magistrado deve expor os motivos à Corregedoria local ou a outro órgão designado pelo Tribunal. Os magistrados de segundo grau deverão expor as razões da suspeição à Corregedoria Nacional de Justiça.

O disciplinamento legal das hipóteses de impedimento (art. 134 do CPC) ou suspeição (art. 135 do CPC) do juiz tem por objetivo resguardar o dever de imparcialidade, característica essencial da jurisdição, pois garante que a solução do conflito será determinada por um agente público sem vinculação com nenhuma das partes ou com a causa. Segundo Cândido Rangel Dinamarco:

O juiz é impedido por lei de atuar no processo, ou será havido por suspeito e também é melhor que não participe, quando se encontrar em relação ao caso ou aos sujeitos que dele participam, em alguma daquelas situações nas quais não é razoável exigir ou esperar do homo medius um comportamento superior e eqüidistante[3].

A diferença principal entre os casos de impedimento e suspeição é que no primeiro as hipóteses são objetivas e determinam a presunção absoluta de parcialidade com obrigação de afastamento, enquanto que no segundo as situações têm conotação mais subjetiva e sua apreciação, em princípio, fica a cargo do juiz[4].

Retomando a lição de Dinamarco, na ideia de suspeição o que prevalece:

[...] é a perda da serenidade e eqüidistância – seja porque ao juiz é aconselhável que se dê por suspeito por motivo de foro íntimo, seja porque as alegações de suspeição fundam-se mais na própria perda da serenidade que no enquadramento típico em hipóteses legais[5].

Percebe-se que a suspeição por motivo de foro íntimo pode ser fundada em um sem número de causas, que dizem respeito exclusivamente à esfera individual do magistrado, e que podem, na sua avaliação, determinar o comprometimento da equidistância imprescindível ao julgamento da lide. Como dito, essa apreciação é subjetiva e está sujeita à variação do padrão de comportamento.

Ao exigir a exposição de tais motivos à Corregedoria, a Resolução 82 invade essa esfera da intimidade do magistrado e colide frontalmente com o direito constitucional[6] estabelecido no art. 5º, inc. X.

Além desse insuperável vício de conteúdo, a Resolução se revela infeliz pelo mote que determinou sua elaboração. A intenção é controlar e, por conseqüência reduzir, o que é considerado um grande número de declarações de suspeição por motivo íntimo.

É fato notório que alguns juízes se utilizam desse expediente para diminuir a carga de trabalho ou recusar causas mais complexas. Não menos notório é que em todas as áreas há bons e maus profissionais e na magistratura não é diferente. Tais casos devem ser objeto da ação disciplinar das corregedorias, visto que em função dessa relevância não pode haver espaço para falta de compromisso e descaso.

A Resolução 82, contudo, impôs providência disciplinar a todos os juízes no intuito de frear o abuso de poucos. O expediente é duplamente equivocado, pois abala a garantia de imparcialidade, prerrogativa essencial do Poder Judiciário, e ofende o direito fundamental do magistrado de ver resguardada sua intimidade.

De causar estupefação ainda a previsão de que somente os juízes de primeiro e segundo graus é que devem prestar informações acerca dos motivos que determinaram a declaração de suspeição por foro íntimo. Quanto aos magistrados dos Tribunais Superiores nenhuma palavra.

Percebe-se que o Conselho manteve a atuação equivocada de somente concentrar sua atenção nas ações da base e fazer vistas grossas à cúpula, conforme já denunciado por Marcelo Semer ao término da primeira gestão do CNJ:

Mas é certo que manteve o mesmo olhar caolho sobre a disciplina interna, dirigido às bases e não às cúpulas, onde o controle sempre foi mais frágil. O CNJ não se preocupou em corrigir antigas distorções, como o fato de que as corregedorias dos tribunais alcançam apenas juízes de primeira instância e não desembargadores. Compactuou com a reprodução da regra do foro privilegiado interna corporis: quanto mais alto o status do servidor, mais difícil a fiscalização, o controle e a punição.

Ao invés de se debruçar sobre estes assuntos, que envolvem questões de fundo quanto a um sistema permissivo de irregularidades e a anomalia de uma rede de proteção das autoridades, o CNJ vem se dedicando a disciplinar atos que podem contribuir ainda mais para comprimir a independência e a cidadania do juiz[7].

São regras essenciais da democracia que a concentração de poder deve ser combatida e que o poder deve ser controlado, sob pena de instaurar-se o abuso. O projeto de retirar das atribuições do Supremo Tribunal Federal a função de governo do Judiciário e conferi-la a um órgão com representação democrática, vai ao encontro de tal diretriz. A Justiça é um serviço público e como tal deve estar sujeita ao controle da sociedade.

A criação do CNJ se pretendeu inspirada nesse ideal e deveria ser mais um passo na direção do aperfeiçoamento do Poder Judiciário Brasileiro. Todavia, conquanto tenha sido protagonista em alguns avanços, a atuação do Conselho tem oscilado entre a omissão em aspectos fundamentais para democratização da instituição e uma sanha regulamentadora da conduta individual dos juízes.

Uma das chaves para esse desempenho insuficiente está na falta de critérios transparentes para a indicação de seus membros, pois o Conselho é composto quase integralmente por integrantes ou indicados pelas cúpulas do próprio Judiciário[8]. Daí porque as bases continuem alijadas do governo da instituição, já que não tem representatividade no órgão, e sejam alvo de resoluções que lhes retiram os mais elementares direitos, como a preservação da própria intimidade.


[1] Juiz do trabalho da 12ª Região/Santa Catarina, membro da Associação Juízes para a Democracia

[2] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 53.

[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. II. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. pp. 223-4.

[4] Caso esteja presente um das hipóteses de suspeição e o juiz assim não se declare, a parte pode argüir a exceção de suspeição.

[5] Idem, p. 226.

[6] Nesse sentido vale observar que a Resolução 82 foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pela Anamatra, AMB e Ajufe.

[7] SEMER, Marcelo. “O CNJ tem namoro explícito com o corporativismo”. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2007-jun-04/cnj_namoro_explicito_corporativismo>. Acesso em 12/07/2009 às 22h.

[8] A indicação dos representantes de primeiro e segundo graus da Justiça do Trabalho para o CNJ, foi ilustrativa desse quadro , pois o TST ignorou solenemente a consulta realizada pela Anamatra a todos os associados. Cf. “ JT no CNJ: Anamatra afirma que escolha reflete apenas o pensamento da cúpula do Tribunal Superior do Trabalho”. Disponível em <http://ww1.anamatra.org.br>.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Abaixo segue manifesto encaminhado pela "Federação de Associações de Juízes para a Democracia da América Latina e Caribe", da qual a AJD faz parte, ao Secretário Geral da OEA, Sr. José Miguel Insulza, referente à situação em Honduras:

BUENOS AIRES Julio 1° de 2009

Al Señor Secretario General de la OEA Don José Miguel Insulza,

Tenemos el honor de dirigirnos a Usted en representación de la Federación de Asociaciones de Jueces para la Democracia de Latinoamérica y el Caribe (con Personería Jurídica reconocida por la Inspección General de Justicia de la República Argentina, por Resolución N° 000369/08, Expediente C N° 1778633/59007) en relación con el golpe de estado en la República de Honduras, para solidarizarnos con las presentaciones de compañeros jueces que integran la “Asociación de Jueces para la Democracia de San Pedro Sula”.

Las actuaciones a las que nos referimos, consisten:

PRIMERO: en la DENUNCIA POR LA COMISION DE DELITOS CONTRA LOS ALTOS FUNCIONARIOS DEL ESTADO, CONTRA LA FORMA DE GOBIERNO, TERRORISMO, DETENCIÓN ILEGAL, REBELIÓN, ABUSO DE AUTORIDAD, TRAICION A LA PATRIA, ante la Fiscalía General de la República Ministerio Público, que suscriben VÍCTOR ANTONIO FERNÁNDEZ GUZMÁN, GUILLERMO LÓPEZ LONE, OSMAN ANTONIO FAJARDO MOREL, JARI DIXON HERRERA, FOAD ALEJANDRO CASTILLO, MARCO TULIO PADILLA MENDOZA, TIRZA FLORES, CLAUDIA HERSMANDORFER, HERMES ANIBAL REYES NAVARETE, BERTHA OLIVA, MARÍA DEL ROSARIOS ROIZ ANDINO, MYRNA ISABEL MEJÍA FLORES, LIDIA CÁLIX, MARCELA GUZMÁN MELGHEM

SEGUNDO: ACCIÓN DE AMPARO. SE SOLICITA QUE COMO MEDIDA CAUTELAR SE ORDENE LA REPATRIACION INMEDIATA DE JOSE MANUEL ZELAYA ROSALES, ante la SALA CONSTITUCIONAL DE LA CORTE SUPREMA DE JUSTICIA de Honduras, promovida por los compañeros CLAUDIA HERRMANSDORFER, VICTOR FERNANDEZ GUZMAN, ADAN GUILLERMO LOPEZ LONE, BERTHA OLIVA, TIRZA DEL CARMEN FLORES LANZA, OSMAN FAJARDO MOREL, BEN HUR LOPEZ.

Nuestros países han padecido y todavía sufren las consecuencias de las alteraciones del orden constitucional, que ahora aparece en Honduras con la innovación chapucera de aparentar un cambio institucional, amparado por el derecho local. Las denuncia y acción de amparo respecto de las cuales manifestamos adhesión, por efectuarla magistrados judiciales, revela la gravedad de las violaciones consumadas por las autoridades de los poderes y las fuerzas armadas del país hermano.

Por lo expuesto, reiteramos nuestra solidaridad con los compañeros hondureños, y solicitamos que la Organización de Estados Americanos por vuestro intermedio tenga en cuenta las actuaciones referenciadas, y actúe en consecuencia.

Saludamos al Señor Secretario General de la Organización de Estados Americanos.


Marcela Pérez Pardo Gerónimo Sansó

Secretaria Presidente

Mail: info@justiciademocratica.org.ar

www.justiciademocratica.org.ar



domingo, 12 de julho de 2009

Em meio às discussões acerca da PEC 341/2009, que pretende reduzir a Constituição Federal para menos de 70 artigos, o artigo de Márcio Sotelo Felippe intitulado "Golpes de força e golpes constitucionais", publicado no Jornal da AJD de junho a agosto de 2005, mostra-se muito oportuno. Confira:

http://www.ajd.org.br/pub_pdf/democracia_n_34.pdf

sexta-feira, 10 de julho de 2009

DANOS AO SUPREMO: REPARAÇÃO PLENA E VERDADEIRA

Luiz Fernando Cabeda*


O último boletim da Associação Juízes para a Democracia informa que ela apóia campanha da OAB, no que diz respeito ao STF, sobre a reparação plena de ações repressivas ali havidas no Regime Militar.

No texto da OAB é mencionado que três ministros foram cassados e que outros dois renunciaram em protesto contra a cassação dos colegas.

Gostaria de, brevemente, esclarecer algo a respeito.

A agressão ao STF começou no Governo Castelo Branco, quando foram aumentadas as cadeiras de 11 para 16 (Carta outorgada de 1967), isso para diluir as opiniões que se mostravam contrárias aos excessos do Regime Militar. Essas opiniões formavam a maioria, a tal ponto que mantiveram Ribeiro da Costa na presidência do Supremo, para além do seu mandato (enquanto “durasse a sua jurisdição”, isto é, por todo o tempo restante de sua atividade). Quando do AI-5/1968, e com base nele, três ministros foram aposentados compulsoriamente e não cassados.

Como os termos ‘aposentadoria compulsória’, ‘expurgo’, ‘cassação’ de mandatos ou de direitos políticos, ‘exílio’, ‘confinamento’, ‘disponibilidade’, ‘liberdade vigiada’, ‘banimento’ e outros - usados profusamente nos textos da época - têm sentido jurídico específico (ainda que o fim ideológico guardasse a mesma fonte e força), é importante que os mantenhamos agora, quando tratamos de recuperar a memória histórica verdadeira, sem versões opinativas.

Os efeitos deletérios contra os ministros Victor Nunes Leal (nomeado por Juscelino) e Hermes Lima (nomeado por Jango) se concretizaram plenamente (o último já tinha sido preso em 1935, dividindo cela com Graciliano Ramos), e o grande trabalho jurídico-político que ambos fizeram praticamente ficou confinado ao tempo até então.

Já o ministro Evandro Lins e Silva praticou próspera e longa advocacia depois de aposentado, e ainda usufruiu da condição de ex-ministro com muita desenvoltura. Embora pareça mesquinharia, fazia questão de usar o estacionamento da Justiça Federal do Rio de Janeiro (no prédio histórico do STF) enquanto atuava no Foro com a performance bem acolhida de um status que manteve. Sem fazer censura alguma, de todo modo incabível, perceber diferenças de situação pessoais é obrigatório.

Não consigo ver identidade de efeitos danosos entre os dois primeiros e o último. Danos para o país, por certo houve, pela quebra das garantias e pelo retrocesso institucional. Houve também uma linha de continuidade repressiva, mais visível na cúpula, mas bem maior nos porões, ... não esqueçamos.

Por outro lado, os ministros Gonçalves de Oliveira (tão importante como Pedro Lessa na elaboração da doutrina brasileira do habeas corpus, pois foi ele quem inaugurou e persistiu na concessão das liminares pelo Supremo) e Lafaiete de Andrade se aposentaram e não renunciaram em protesto. A inconformidade dos últimos ficou manifesta, mas não da forma dita. Talvez se tivessem antecipado a uma pressentida nova medida de força, talvez não. Nunca saberemos. Na época eram passados muitos recados bastante indutivos de comportamentos públicos.

Lembremos que quando a “Banda de Música da UDN” (Bilac Pinto, Aliomar Baleeiro, Adaucto Lúcio Cardoso ...) veio a dominar o Supremo, também Adaucto afinal agiu da mesma maneira, aposentando-se ao romper com o Regime, lançando sua toga sobre a cadeira, quando percebeu que a inflexibilidade para com as iniciativas permitidas à oposição criava um círculo vicioso de autoritarismo (por aquele tempo, foi reconhecido que a arguição de inconstitucionalidade se constituía em atribuição privativa absoluta do procurador-geral da República – que era Moreira Alves, e que nunca a propunha para preservar direitos políticos).

Tancredo Neves, bem mais sábio do que todos eles (fiéis ao Regime ou arrependidos), já havia concluído: “a ‘Revolução de 64’ foi o Estado Novo da UDN”. Que talento de síntese ...

A partir das três aposentadorias compulsórias (e seus desdobramentos, com as duas voluntárias ), o Supremo passou de novo a contar com 11 ministros (AI-6/1969), pois já se havia criado nova maioria que apoiava o Regime Militar, primeiro sob a batuta de Luis Gallotti, depois a de outros tantos, até Moreira Alves, tornado ministro, num longo período só encerrado no Judiciário com a democratização pela Carta de 88.

Assim, a bem da verdade, houve intrepidez e heroísmo (nesse sentido, o nome saliente foi o de Ribeiro da Costa), mas também colaboracionismo bastante maior, depois das aposentadorias compulsórias (o seu auge foi com Antonio Neder na presidência).

Parece-me que o colaboracionismo também deva ser execrado – ao mesmo tempo – como aconteceu na Alemanha pós-nazista, na Espanha pós-franquista e na Argentina democratizada.

Dois remanescentes da época da edição do AI-5 ainda têm presença política e opinam desenvoltos: Jarbas Passarinho e Delfim Netto, sendo o último consultor informal do presidente da República. Nunca pareceu que, com a tinta das suas assinaturas naquele Ato, tenham admitido que sujaram também as mãos com sangue.

Meu temor é que eles desmintam os termos da boa proposta de reparar ao Supremo – mas mal redigida – levando-nos ao constrangimento, pois seria muito doloroso e contrário a belo intento admitir que tenham razão ...

Estaria, portanto, mais que chegada a hora de dar o nome certo a fatos e pessoas e não deixar que morram uns e outras sem a maldição que exatamente lhes corresponde. Para a glória dos que resistiram e penaram sob a gente surda e endurecida do desencanto camoniano, revivido no Brasil dos anos de chumbo.


* Magistrado de 2º. Grau egresso do TRT/12ªR-SC

Autor de “A Justiça Agoniza” e outros ensaios

Com estágio na Escola Nacional da Magistratura da França - Seção Internacional

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Precaução ambiental

Iolmar Alves Baltazar*

Em meio às divergências surgidas após sua aprovação, faz-se necessária uma reflexão acerca do Código Ambiental catarinense, sobretudo em relação à redução da mata ciliar. A preocupação consiste no fato de os produtores estarem em verdadeiro fogo cruzado no debate que perpassa pelas necessidades agropecuárias locais e pela defesa da autonomia do Estado. Ocorre que a discussão, ainda que válida, precisa se conformar com o Estado de Direito. Frente à insegurança jurídica, com a regência de duas normas distintas, a prudência recomenda que os produtores catarinenses se pautem rigorosamente pela precaução, abstendo-se de seguir dispositivos menos restritivos do Código Ambiental em relação ao Código Florestal, até decisão final da jurisdição constitucional, sendo esta a única medida segura para se evitar prejuízos. O alerta procede em razão do entendimento de que ao causador de dano ambiental descabe invocar a licitude da atividade ensejada pela autorização de autoridade.

Sem embargo de o direito de propriedade ser garantido constitucionalmente, o seu uso deve obedecer à função social, compreendido o equilíbrio ambiental (desenvolvimento sustentável), não mais se admitindo a prática da economia de rapina que nos acompanha desde o período colonial. A degradação da qualidade ambiental é fato, ao ponto de morrerem 315 mil pessoas ao ano em razão da mudança climática, conforme relatório do Fórum Humanitário Global. De sorte que, se antes recorríamos a valores da natureza para dar uma base estável ao Direito, porque, no fundo, essa é a razão do Direito Natural, assistimos, hoje, a uma trágica inversão, sendo o homem obrigado a recorrer ao Direito para salvar a natureza que morre, como advertiu o jurista Miguel Reale.

* Membro da Associação Juízes para a Democracia

Artigo publicado no Diário Catarinense de 24/06/2009

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Atos Secretos e Violências Explícitas

Jorge Luiz Souto Maior*

Escrevo o presente texto entre uma audiência e outra e o momento não poderia ser mais oportuno para a presente reflexão. É que, em todas as audiências realizadas, instaura-se um diálogo franco e aberto entre os presentes, pondo-se em avaliação as possíveis irregularidades jurídicas cometidas, com a consequente fixação da forma de sua regularização. De forma rígida, em respeito à ordem jurídica trabalhista, que envolve várias questões de ordem pública, e também em respeito a todos os demais cidadãos brasileiros que não estão presentes à audiência, as soluções preconizadas em acordos e sentenças nas audiências que presido são sempre baseadas no resgate da autoridade do direito, a que todos devem respeito. O conhecimento prévio desse pressuposto tem feito com que as manifestações e os atos se desenvolvam a partir do reconhecimento implícito de que se deve agir em conformidade com o direito. Não fosse assim não haveria parâmetro para medir as condutas no sentido de saber se foram regulares ou irregulares. Não haveria o próprio direito e, por consequência, também o ilícito.

As audiências constituem um momento explícito de atuação do direito, no qual todos, indistintamente, mesmo o juiz, em função dos limites jurídicos de sua atuação, medidos pelos fundamentos de suas decisões, se vêem constrangidos a agir em conformidade com o ordenamento jurídico, sendo certo que se este fixa obrigações também confere direitos.

De forma um pouco mais poética é possível identificar a audiência como um dos momentos em que o Direito, abstratamente consignado em textos legais, ganha vida, valendo destacar que esse parto não é sempre um momento tranquilo. Ele envolve conflitos, tensões, manifestações às vezes mais calorosas, defesas de pontos de vista, decisões, protestos, recursos etc. O parâmetro, de todo modo, é sempre o mesmo: o da atuação em conformidade com a ordem jurídica, o que confere a todos a sensação da plena eficácia do Estado Democrático de Direito, que se faz presente tanto no aspecto processual, da atuação no processo, quanto no que se refere à avaliação da correção dos atos praticados na vida em sociedade, no caso do Direito do Trabalho, nas relações de trabalho subordinado.

Pois bem, em meio a esse autêntico exercício de cidadania, somos todos, presentes a uma audiência, pegos de surpresa, pela notícia, posta na internet, de que o presidente Lula teria dito que o senador Sarney não pode ser tratado como uma “pessoa comum”, deixando transparecer que a ordem jurídica só se aplica a nós, as pessoas comuns. O presidente Lula, mesmo sem intenção de fazê-lo — no que se acredita plenamente — acabou agredindo a sociedade brasileira, que procura agir com respeito às instituições jurídicas.

Talvez tenha tentado dizer que somente as pessoas comuns cometem deslizes éticos ou praticam atos ilícitos, do que estão isentos os “não-comuns”. Mas aí então sua fala seria uma agressão ainda maior.

E o ex-presidente, senador José Sarney, por sua vez, agrediu a todos, não pela manifestação de sua defesa, até porque ninguém pode ser incriminado antes do devido processo legal. O senador tem amplo direito de negar as acusações, e até de dizer que pode estar sendo vítima de uma conspiração. Mas não pode, de jeito algum, sugerir que os erros do passado fiquem sem a devida punição, cabendo a cada um atribuir-lhe o próprio julgamento, até porque, como se sabe, as “pessoas comuns” não estão inseridas em sua fala, e estas, por certo, estão submetidas ao julgamento das instituições jurídicas.

Ambos falaram em preservar as instituições democráticas, destacando a importância delas para a sociedade. Disso não se discorda. Mas as instituições não se preservam a partir dos pressupostos que ambos estabeleceram. É importante, ademais, que tenham a consciência de que as instituições democráticas não lhes pertencem. Os homens do poder costumam confundir suas pessoas com as próprias instituições e é essa, ademais, a origem do malsinado nepotismo. A confusão é tanta que consideram que os “erros” cometidos se constituem, no máximo, em uma opção equivocada. Mas não: os homens do poder, em um Estado de Direito, exercem o poder em nome do povo, seguindo os padrões do Direito. Seus atos, que não respeitam esse pressuposto, são uma ilegalidade — a mais grave de todas, porque gera a descrença em toda a sociedade quanto à validade da ordem jurídica, e causa desânimo em todos que, diariamente, postam-se na defesa estrita da autoridade do Direito.

É por isso que, na qualidade de um cidadão brasileiro, consciente de que não existem gradações meritórias na condição humana, venho, publicamente, exigir uma retratação dos referidos senhores, pois se há alguma discussão no que tange à existência de atos secretos no Senado e quanto às responsabilidades daí decorrentes, dúvida não há de que as falas que proferiram, conforme acima destacado, constituíram uma agressão explícita aos conceitos fundamentais de cidadania e de Estado Democrático de Direito.

* Juiz do trabalho, titular da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí (SP), livre-docente em Direito do Trabalho pela USP e membro da Associação Juízes para a Democracia.

sexta-feira, 5 de junho de 2009





terça-feira, 2 de junho de 2009

Resultado da eleição para o novo Conselho de Administração da AJD para o biênio 2009/2011


No dia 28 de maio foi realizada assembléia geral na sede da Associação Juízes para a Democracia em São Paulo, na qual foi apurado o resultado da eleição para o conselho administrativo no próximo biênio.
A chapa Ação Coletiva e Compromisso Social, única concorrente, foi eleita com 108 dos 115 votos computados. Desse modo, no biênio 2009/2011 o conselho de adminstração terá a seguinte composição:

Presidente: Luis Fernando de Barros Vidal (SP)
Secretária: Kenarik Boujikian Felippe (SP)
Tesoureira: Dora Aparecida Martins de Morais (SP)
Alessandro da Silva (SC)
Celso Luiz Limongi (SP)
Eudes dos Prazeres França (PE)
Rubens Roberto Rebello Casara (RJ)

Suplentes:

Marcos Pimentel Tamassia (SP)
Maurício Andrade de Salles Brasil (BA)
Rafael Gonçalves de Paula (TO)

Abaixo pode ser verificado o programa de atuação da chapa Ação Coletiva e Compromisso Social para os próximos dois anos:


Em 1991, alguns juízes de São Paulo deram início ao projeto de criação de uma associação que agregasse juízes que tinham um sonho comum: a construção de um outro Brasil, verdadeiramente democrático. Seus princípios revelavam que o compromisso da entidade era com a população conhecida como excluídos, minorias, pobres. Tinham ciência que miséria e democracia eram palavras excludentes, o que exige que a função judicante seja de proteção efetiva dos direitos humanos. Acreditavam que era indispensável que a democracia chegasse ao Poder Judiciário e requisito obrigatório era a defesa da independência judicial, não só perante os demais poderes como também perante grupos de qualquer natureza, internos ou externos à Magistratura.
Passaram-se alguns anos e hoje a Associação tem juízes em vários estados da federação, das várias justiças, que no fundo são uma só, assim como uma só é nossa entidade.
Acreditamos que estes objetivos devem fazer parte do dia-a-dia da Associação e de todos os associados. Temos ciência que precisamos estar voltados para a grandeza do que representou a AJD desde o dia 13.5.1991 e que concretizar os princípios estatutários significa tornar o sonho, realidade. Apresentamos as nossas propostas de trabalho e registramos que esta aberto a outras ações, pois estamos em movimento. O importante é construirmos juntos.
Pretendemos:
1) Atuar para garantia da independência judicial e preservação do princípio do juiz natural em todos os tribunais. Rechaçar a perpetuação, Brasil afora, de cargos de Juízes Auxiliares ou Substitutos ou designados.
2) Refletir sobre caminhos possíveis para superação do choque entre a súmula vinculante e seu
potencial de destruição da independência judicial, no âmbito associativo.
3) Fomentar o CNJ para que atuação na garantia da independência judicial e aprimoramento da prestação jurisdicional e quando houver interferência na independência judicial. Denunciar quando o Órgão interferir em questões jurisdicionais. Refletir sobre a possibilidade de aprimoramento do órgão e apresentar sugestões (para a Loman), notadamente no que diz respeito a forma pouco democrática e transparente como vem sendo feito o preenchimento de seus cargos.
4) Aprofundar os debates sobre a LOMAN para que no segundo semestre de 2009 possamos apresentar algumas propostas e sugestões ao Supremo Tribunal Federal, que neste ano encaminhará projeto de lei e atuar no poder Legislativo, quando da remessa do projeto para que sejam fortalecidos os princípios relativos à independência judicial.
5) Selecionar alguns projetos de lei que dizem respeito ao âmbito da atuação da Associação para
que seja possível o acompanhamento e intervenção.
6) Realizar o II Encontro Nacional de Juízes para a Democracia, em 2010.
7) Estimular a criação de Núcleos de Representação Regional.
8) Fortalecer os Núcleos de Representação Regional nos Estados, para revigorar a atuação da Associação, o que será possível com:
a) o aprofundamento das relações da AJD com a sociedade civil das respectivas regiões
b) detectar problemas atinentes ao Poder Judiciário, particularmente no que diz respeito
ao acesso à Justiça e independência judicial.
9) Manter o “Espaço Diálogo e Alteridade”.
10) Realizar duas reuniões anuais do Conselho em outros Estados coincidindo com a realização do
espaço diálogo e alteridade ou de outros momentos, para que haja maior integração e aproximação e assim intensificar o exercício do caráter nacional da entidade.
11) O jornal Justiça e Democracia sempre foi o nosso grande e eficiente meio de comunicação e
por meio do qual nos apresentamos. É necessário: buscar patrocínio para que seja auto-sustentável e para manter a trimestralidade e a tiragem de 20.000 exemplares, de modo que todos os juízes possam recebê-lo, assim como outros grupos, como deputados, senadores, ONGs, defensores, colaboradores, professores.
11) Ampliar a agenda eletrônica da AJD para envio do jornal por via eletrônica.
12)Publicar quatro livros:
a) com o material do I Encontro da AJD, realizado em Pernambuco, que teve palestras do Eugenio Raul Zaffaroni, Paulo Bonavides, César Benjamim, Fábio Konder Comparato e contou com homenagens de ícones da nossa história;
b) com o material do seminário realizado pela Federação de Juizes para a Democracia da America Latina e do Caribe;
c) livro de direitos humanos e decisões trabalhistas, com a colaboração de todos os associados que atuam na área;
d) breve história de 20 anos da AJD, a ser lançado em maio de 2011.
13) Remeter os boletins de informações das atividades, de forma semanal ou quinzenal pela via
eletrônica.
14) Atualizar o site da AJD, com maior freqüência, com notícias, documentos, manifestos e artigos de associados, associadas, colaboradoras e colaboradores comprometidos com os nossos princípios e luta, expondo ao público nossas atividades, projetos e manifestos.
15) Abrir uma nova composição do Conselho Editorial, a cada ano ( 2009/2010 e 2010/2011).
16) Realizar pesquisa com os associados (as) para que indiquem temas que têm interesse em atuar e as formas possíveis de participação, inclusive para que possam estar presentes em eventos representando a Associação em assuntos que tenham particular interesse.
17) Fomentar a participação dos associados(as) para que a ação individual seja agregadora e fortalecida institucionalmente.
18) Estimular a participação de juizas na Associação. O percentual de mulheres na magistratura
é pequeno e temos um reflexo disto na Associação.
19) Trazer juízes que têm compromisso com os nossos estatutos para a Associação. Não há que se ter a preocupação em aumentar o número de associados, mas temos que agregar pessoas que têm os mesmos sonhos e estão dispostos a participar de alguma forma desta mesma luta. Neste sentido, é preciso que a AJD seja um espaço solidário, não nas questões individuais, mas nos nossos princípios.
20) Continuar a participação em redes como: “Mulheres Encarceradas”, “Voto do Presos”, “Educação nas Prisões”, “Criação da Defensoria em SC”. Avaliamos que a participação em redes é
positiva, pois reúne esforços e há intercâmbio efetivo de ideais. Enriquece a atuação e permite uma ação sem amarras. Difere da participação em outras entidades, pois para esta hipótese indispensável que a AJD possa estar efetivamente presente para que as deliberações não conflitem com as posições da entidade.
21) Contribuir em projetos de capacitação em direitos humanos, como o das promotoras legais populares.
22) Apoiar os movimentos sociais na luta pelos direitos fundamentais, como os movimentos por moradia, função social da propriedade, etc...
23) Proceder os encaminhamentos necessários para o registro da AJD como organização da sociedadecivil junto à OEA.
24) No âmbito internacional, manter a participação na FJD (Federação de Associações de Juízes para a Democracia da América Latina e Caribe) e aprofundar os laços com a MEDEL, o que fortalecerá nossas lutas e ideais, na medida em que são entidades do bloco regional e europeu, que congregam do mesmo ideário.
25) Indispensável que a AJD procure contribuir para melhorar a prestação jurisdicional. Atuar como formador de opinião junto à sociedade civil e aos demais Poderes do Estado, participando de debates, cursos, seminários e ocupando espaços em que possa haver alguma repercussão.
26) Realizar reuniões temáticas no Conselho da AJD, permitindo a ampliação de participação dos associados, para que as conversas ( ou outra forma de manifestação) possam trazer elementos sobre questões, de modo a municiar as deliberações do Conselho.
27) Divulgar a matéria referente à ADPF 153 (anistia) em nossos jornais, até o seu julgamento, como forma de fortalecimento da democracia, bem como participar de atividades que digam respeito a este tema.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Defensoria Pública em SC

Maria Aparecida Lucca Caovilla * André Luis Machado de Castro *

Vivenciamos em Santa Catarina obstáculos quanto à criação da Defensoria, que resistem às mudanças e ao cumprimento da lei, mantendo-se acomodados e vinculados a antigos padrões, esquecendo-se da necessária efetivação da dignidade humana e da justiça social. As movimentações da sociedade pela criação da Defensoria Pública no Estado decorrem da omissão e descaso do governo em relação à criação da Defensoria Pública. Diante da constatação da sonegação desse direito, a sociedade catarinense reivindica a efetivação de um direito fundamental, de um dos fundamentos da República a Defensoria Pública nos moldes determinados pela Constituição Cidadã.

É forçoso reconhecer que Santa Catarina é o único Estado da Federação que não cumpre a Constituição. Embora se reconheça o esforço da OAB em buscar assegurar o direito de acesso à Justiça, não podemos mais admitir que o Estado viole uma garantia fundamental sob alegação de que a não-efetivação desta traz economia aos cofres públicos. Queremos a criação da Defensoria Pública, organizada em carreira, com seus cargos providos por concurso público, com independência funcional e administrativa, instalada em cada comarca do Estado, dando efetividade aos artigos 5º, LXXIV e 134 da Constituição da Repúblical, bem como à Lei Complementar nº 80/94.

O debate na sociedade catarinense está instalado. As audiências públicas, a mobilização da sociedade e o abaixo-assinado para elaboração de um projeto de lei de iniciativa popular têm sacudido a opinião pública, que passa a entender a importância da Defensoria Pública como mecanismo de acesso integral à Justiça, diante da necessidade de resgatar a ordem e a justiça social, em respeito à Constituição e aos cidadãos.

* Mestre em Direito ** Presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Juiz não pode optar entre soberba e populismo

Marcelo Semer*

Em Tropa de Elite, o diretor José Padilha nos provoca com o dilema sobre a polícia: a opção entre ser corrupta ou assassina. Nos embates jurídico-penais-midiáticos que temos presenciado nos últimos meses, reacende-se um falso dilema do mesmo quilate: a escolha entre a corrupção e o arbítrio em combatê-la.

Toda e qualquer forma de coerção do Estado sobre o indivíduo, por mais justificada que possa parecer ou agradar, só é lícita se exercida dentro dos preceitos da lei. É a lei, e não a vontade de juízes ou das ruas, que determina os limites da ação do Estado.

A recente polêmica entre dois ministros do Supremo Tribunal Federal espantou a todos pela virulência e a sem-cerimônia dos diálogos. Mas ela não deve nos aturdir exclusivamente pela falta do respeito à “liturgia do cargo”. Ela é mais grave pelo que expõe de contradições com a missão constitucional do Judiciário.

Gilmar Mendes tem marcado sua gestão por declarações contundentes, inclusive sobre processos a serem ainda apreciados como juiz, mas não evita cair em suas próprias incoerências. Brada contra o “Estado Policial”, ao mesmo tempo em que instiga juízes, promotores e policiais a agirem fortemente contra ações de movimento social que reputa a priori como criminoso.

Embora nutra elogiável preocupação com o garantismo penal, fulmina em ações e declarações a idéia de independência judicial, responsável, em última instância, pela própria garantia que afirma defender. Afinal, que juiz sem independência pode defender o indivíduo dos excessos do Estado?

A gestão Gilmar tem assentado um poder sem precedentes ao STF. É certo que a Reforma do Judiciário aumentou sobremaneira a hierarquia jurisdicional, supostamente em nome da segurança jurídica e da celeridade dos feitos. Concentrou excessivos poderes no STF, para permitir uma rápida uniformização da jurisprudência. Mas, como se tem visto, os poderes têm sido usados para bem mais do que isso.

As súmulas vinculantes, que nasceram para diminuir litígios repetidos, se transformaram em oportunidades para criação de normas e imposição de valores. A Súmula das Algemas que o diga: não tem esteio em intensa discussão jurídica, não aliviou número de recursos, mas estampou a profilaxia judicial. Com o abuso deste instrumento, nossa Corte Suprema, que tem por competência dar a última palavra nos dissídios, vem se especializado em dar também a primeira.

Os parlamentares, desgastados pelos seguidos escândalos, e ainda mais pela contumaz omissão, não se mostram em condições de reagir à mutilação da sua própria competência.

O Conselho Nacional de Justiça, órgão criado para ser o controle externo do Poder, também presidido por Gilmar Mendes, transformou-se, ele mesmo, em outra instância normativa. Legisla por resoluções não raro invadindo assuntos de competência legal.

A lei vem se tornando, assim, cada vez menos necessária, o que não deixa de ser um risco para a democracia.

Joaquim Barbosa, a seu turno, desfralda outro lado das ameaças à jurisdição.

Quer impor-se como o juiz criminal popular, aquele que ouve a voz das ruas. Não se distancia daqueles que apregoam manter um olho na lei e outro na realidade. Para quem a Constituição e as leis devem ser interpretadas, seguindo a vontade do povo. Mas quem, enfim, seria o legítimo tradutor desta vontade? É possível julgar um réu com base na voz das ruas?

Por detrás do rude enfrentamento, estamos diante de uma falsa questão. Os excessos verbais são o de menos no caso. É preciso responder ao debate das funções do Judiciário pela via democrática.

O Judiciário não deve subtrair o poder popular do Legislativo de formular as leis. Mas jamais pode sucumbir ao apelo da opinião pública e legitimar julgamentos populares. Nem somos ditadores nem seremos justiceiros.

Não devemos nos sentir obrigados a optar entre a soberba e o populismo, duas formas transversas de autoritarismo. Tarefas mais importantes são esperadas do Judiciário brasileiro.

* Marcelo Semer é juiz de direito em SP e ex-presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia

Fonte: www.conjur.com.br

terça-feira, 5 de maio de 2009

Lançamento do Núcleo Catarinense da Associação Juízes para a Democracia




No dia 17 de abril foi lançado o Núcleo Catarinense da Associação Juízes para a Democracia (AJD-SC). O evento ocorreu no auditório do Cesusc, em Florianópolis, e contou com a presença da presidente da AJD, juíza Dora Martins, assim como de integrantes do conselho de administração da associação, vindos da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo.



Também estiveram presentes juízes catarinenses que formam o núcleo, provenientes de várias partes do nosso Estado.


Na oportunidade o Desembargador Lédio Rosa proferiu palestra com o título "A Responsabilidade Social do Poder Judiciário", na qual relatou o surgimento do movimento de juízes que culminou com a criação da Magistratura Democrática na Itália e Jueces para la Democracia na Espanha, que se espalhou por vários países, tendo chegado ao Brasil em 1991, ano da criação da AJD.



Com a criação de mais este núcleo a AJD pretende consolidar sua atuação em nosso Estado, objetivando a concretização de suas finalidades estatutárias, como a defesa intransigente dos valores próprios do Estado Democrático de Direito, a defesa abrangente da dignidade da pessoa humana, a democratização interna do Judiciário e o resgate do serviço público (como serviço ao público) inerente ao exercício do poder, que deve se pautar pela total transparência.


Outro objetivo estabelecido no Estatuto da AJD é a criação e o desenvolvimento de vínculos de cooperação e solidariedade mútuos entre operadores judiciais e associações afins, motivo pelo qual nos causou grande satisfação a constatação de que várias entidades, associações, movimentos sociais, acadêmicos e professores atenderam nosso chamado e se fizeram presentes no lançamento.


Como se tratava de uma ocasião de aprensentação da AJD, fizemos questão de ouvir qual a expectativa dos presentes em relação à nossa atuação e quais as demandas que a sociedade nos apresenta.
A constatação é que os desafios são muitos e queremos ser protagonistas na Revolução Democrática da Justiça!




segunda-feira, 4 de maio de 2009

Dia do Trabalho


Alessandro da Silva*

Inicialmente o 1º de Maio era considerado uma data de protesto, de manifestações e de reivindicação, na qual eram homenageados os trabalhadores que perderam suas vidas na luta por uma sociedade melhor. Era o Dia do Trabalhador.
Na década de 90 o novo sindicalismo acabou por transformá-lo em dia de festa, com shows, sorteios de carros e casas, o que esvaziou seu significado político.
Temos acompanhado nos últimos meses, com uma incômoda frequência, o anúncio de dispensas coletivas de centenas, milhares de trabalhadores. Seria, então, momento propício para comemorações?
Em um sistema fundado na livre iniciativa e na propriedade privada, a maior parte da população tem na venda de sua força de trabalho a única fonte de subsistência.
Daí a necessidade de garantir o direito ao trabalho, conforme estabelece o art. XXIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: “Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”.
Não se trata de direito a qualquer trabalho, mas daquele acompanhado do respeito aos direitos sociais consagrados na Constituição. Assim, diante de seus nefastos efeitos sociais, as dispensas coletivas devem ser objeto de negociação com os sindicatos profissionais, sob pena de serem consideradas abusivas, como já vêm decidindo alguns Tribunais do Trabalho. A superação dos efeitos econômicos e sociais advindos da crise financeira somente será alcançada se enfrentarmos os desafios que se apresentam com soluções que tragam benefícios para toda a coletividade. Nesse quadro, o reconhecimento do direito ao trabalho digno tem papel decisivo.

* Juiz do trabalho e membro da Associação Juízes para a Democracia

Fonte: Diário Catarinense de 1º de Maio de 2009

segunda-feira, 6 de abril de 2009

CONVITE

Detalhe: quadro de Mônica Colucci


A Associação Juízes para a Democracia convida para o

lançamento de seu Núcleo Catarinense – AJD-SC, oportunidade
na qual o Desembargador Lédio Rosa de Andrade proferirá
palestra com o tema:

“A Responsabilidade Social do Poder Judiciário”

Data: 17/04/2009 (sexta-feira)
Horário: 19h00
Local: Auditório do Complexo de Ensino Superior de Santa
Catarina (CESUSC) - Rod. SC 401, Km 10 - Santo Antônio de Lisboa -
Florianópolis/SC

terça-feira, 17 de março de 2009

Defensoria Pública em Santa Catarina: descumprimento contumaz da Constituição Federal

Alessandro da Silva*


Na última sexta-feira, dia 13 de março, o Movimento pela Criação da Defensoria Pública no Estado de Santa Catarina realizou uma reunião na sede da CNBB em Florianópolis, na qual estiveram presentes várias entidades que participam desse esforço, como Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina, Cáritas, Pastoral Carcerária, diretórios acadêmicos, Associação dos Defensores Públicos da União, Movimento Nacional de Direitos Humanos, Movimento de Mulheres e Associação Juízes para a Democracia.
O objetivo era expor o cronograma de atividades para o ano de 2009 e demonstrar aos presentes a necessidade urgente de instalação da Defensoria Pública e insuficiência do modelo de defensoria dativa adotado em nosso Estado
No dia anterior, em 12 de março, durante a cerimônia de abertura do Colégio Nacional de Presidentes de Seccionais da OAB na sede da Subseção de Blumenau, o Governador Luiz Henrique da Silveira condenou iniciativas de entidades no sentido de implantar uma Defensoria Pública que, além de isoladas, representariam um retrocesso. Destacou ainda que “advogados dedicados em todo o estado integram uma imensa, atomizada e disseminada rede de atendimento jurídico”, em clara referência à defensoria dativa.
Equivoca-se, contudo, o Governador, pois a Defensoria Pública é uma modelo totalmente distinto da defensoria dativa.
De imediato, observe-se que a instalação da Defensoria Pública não é uma opção atribuída aos Estados, mas uma obrigação imposta pelo art. 134 da Constituição Federal.
A Constituição de 1988 adotou um modelo de assistência jurídica aos que não podem pagar um advogado por meio da criação de uma instituição, a Defensoria Púbica, que tem por função a orientação, a informação e a defesa judicial. Não se trata de mera atuação em processo judicial, pois além disso também há o papel preventivo. Essa instituição goza de autonomia funcional e administrativa, o que lhe permite inclusive atuar em face do Poder Público.
Já a defensoria dativa, como observou o Governador, é uma atividade pulverizada, sem uma diretriz de atuação definida, que se limita à assistência judiciária, já que os advogados somente recebem seus honorários do Estado se ajuizarem um processo.
Uma vez instalada a Defensoria Pública, seus quadros devem ser preenchidos com servidores públicos concursados, os defensores públicos, organizados em carreira e titulares de garantias, como a inamovibilidade, que dedicarão todo seu tempo e sua vida profissional à missão de orientar e defender os necessitados.
A defensoria dativa, em regra, é prestada por advogados em início de carreira, muitas vezes inexperientes, e que abandonam a atividade assim que conseguem se estabelecer profissionalmente e se estabilizar financeiramente. Assim, a assistência serve como uma espécie de laboratório para os novos advogados, o que pode ser causa de déficit técnico nas defesas.
No que tange ao argumento de que a Defensoria Pública não atingiria toda a população que dela precisa, vale observar que é obrigação do Estado prover os meios necessários para que a instituição cumpra esse objetivo, sendo que, caso não alcançado, a responsabilidade será do Estado.
Por fim, no que concerne à alegação de que a instalação da Defensoria Pública teria um custo mais elevado que a defensoria dativa, é de se destacar que isso nunca foi efetivamente comprovado pelo Governo Estadual. De todo modo, a questão financeira não pode ser óbice ao cumprimento da Constituição Federal. Não se olvide ainda que vários outros Estados que têm arrecadação bem inferior já instalaram a Defensoria Pública, enquanto Santa Catarina permanece como o único que ainda não o fez.
Como se percebe, o Estado de Santa Catarina insiste em descumprir o mandamento constitucional, subtraindo dos indivíduos uma das garantias fundamentais para exercício pleno da cidadania. Diante de omissão tão grave, mais uma vez é hora de a sociedade catarinense se organizar para exigir a instalação da Defensoria Pública, único modo de assegurarmos o respeito ao Estado Democrático de Direito.

* Juiz do Trabalho e membro do conselho executivo da Associação Juízes para a Democracia

domingo, 15 de março de 2009

Chamando às falas

João B. Damasceno*

A capacidade de o Judiciário resolver conflitos do mundo político tem sido interpretada como geradora de tensão ou elemento das democracias. Trata-se da judicialização da política e sua origem remonta a 1803 quando a Suprema Corte dos Estados Unidos negou aplicação a lei que contrariava a Constituição.

As leis, embora elaboradas por representantes do povo, o são por um poder constituído e, se contrariarem a Constituição, não podem ser aplicadas, pois no conflito da lei com a Constituição esta há de prevalecer. No Brasil, somente viemos a conhecer tal possibilidade com a constituição republicana em 1891. Antes, a assinatura do imperador eliminava os vícios da lei.

Na República, Ruy Barbosa teve grande dificuldade de fazer com que o Judiciário compreendesse seu poder de declarar inconstitucionalidade de leis ou de resolver, com base nelas, conflitos políticos. E muitos ainda não compreenderam. O impedimento de análise, pelo Judiciário, de conflitos envolvendo interesses políticos sempre foi o bordão das ditaduras.

O fenômeno pelo qual o Judiciário passou a ser demandado para solução de conflitos políticos compreende o poder de intervir em políticas públicas implementando os direitos assegurados na Constituição que a arbitrariedade ou a omissão do Legislativo ou do Executivo insistam em negar.

Mas não se pode confundir o fenômeno da judicialização da política com a politização da justiça. Em passado recente, um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), em ato falho, disse ser o líder do governo do Supremo. Se no Judiciário há partidários ou opositores de governos, isso implica em violação ao princípio da separação dos poderes e não pode ser confundido com o poder de fazer prevalecer as leis.

* Cientista político e membro da Associação Juizes para a Democracia

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

O Supremo Tribunal de Federal e a "seletiva" vedação do nepotismo: Então quer dizer que na rede da Súmula Vinculante n. 13 só cai peixe pequeno?

Alexandre Morais da Rosa – Juiz de Direito/SC - Doutor em Direito (UFPR). Membro da Associação dos Juízes para Democracia - AJD

Márcio Soares Berclaz – Promotor de Justiça/PR – Membro do Ministério Público Democrático - MPD

Ao interpretar provisoriamente e de modo absolutamente equivocado a Súmula Vinculante n. 13, lamentavelmente está perdendo o Supremo Tribunal Federal a possibilidade de consolidar grande momento histórico de expressivo avanço do Estado Democrático de Direito no combate ao nepotismo no âmbito das contratações de cargos comissionados e distribuição de funções gratificadas na Administração Pública. Neste momento não se discutirá a (i) legimidade democrática das Súmulas.

Lamentavelmente, após ter afirmado acertadamente a força normativa dos princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade e igualdade do artigo 37 da Constituição da República em controle concentrado de constitucionalidade, a atual seletiva interpretação que a Corte Suprema está emprestando ao alcance da recém criada Súmula Vinculante 13 traz razões que a própria racionalidade jurídica desconhece.

Embora a redação da referida Súmula Vinculante diga que viola a Constituição a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente, em linha reta, colateral ou por afinidade, até terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal, vem teimando o STF em flexibilizar e atenuar o seu alcance, mediante o velho recurso da distinção.

A Súmula Vinculante n. 13, no seu texto normativo, sem fazer qualquer exceção ou diferença, foi, portanto, suficientemente expressa e rigorosa no sentido de proibir que parentes por qualquer meio e em até terceiro grau da autoridade nomeante (usualmente chefe de poder) ou mesmo de servidores ocupantes de cargos comissionados ou funções gratificadas possam usufruir de postos diretos no regime do serviço público. Essa a base da fonte do impedimento que deve (ria) prevalecer, salvo aprovação em concurso público, obviamente.

Qual a razão, então, de o Supremo Tribunal Federal, na apreciação liminar de recente Reclamação n. 6650[1], ter entendido que irmão (parente em segundo grau em linha reta) de Governador de Estado poderia ocupar cargo comissionado em Secretaria, simplesmente porque a Súmula não alcançaria cargos políticos, mas sim cargos administrativos? Onde reside a fonte jurídico-legal da distinção interpretativa feita pelo Supremo Tribunal em Juízo preliminar e até aqui absolutamente equivocado? Em lugar nenhum, tampouco na melhor doutrina e jurisprudência de direito constitucional e administrativo.

Paira absoluta indigência e inexistência de conceitos jurídicos sedimentados para estabelecer a diferenciação de cargos no serviço público entre políticos e administrativos. O que existe são cargos efetivos, cargos de provimento em comissão e funções gratificadas, qualquer outra categoria não passa de retórica.

Talvez a interpretação da Súmula esteja sendo feita com muito esmero, ao ponto de deixar o seu potencial de livrar o serviço público do nepotismo situado na rua dos bobos, número zero...Era uma casa muito engraçada, era uma vez que o STF pretendia banir o nepotismo do serviço público!

O discrímen realizado pela interpretação do Supremo, até aqui, mostra-se absolutamente seletivo e irrazoável. A curiosa escolha do STF estabelece perversa brecha jurídica para acentuar e agravar o clientelismo e o loteamento ilegal de cargos na Administração Pública, favorecendo o alojamento sectário e conservador de parentes por critérios nepotistas alheios ao profissionalismo e a estruturação da carreira pública justamente nos mais altos postos da Administração Pública.

Pronto: agora o administrador pode criar os cargos político que desejar para aboletar seus parentes preferidos nos melhores escalões e, ao mesmo tempo, usar o argumento da Súmula 13 para todo o resto da parentada que não quiser dar emprego! Não é uma fantástica solução? O que já parecia ser bom ficou ainda melhor...

Está dizendo até aqui o STF que o Secretário de Estado ou do Município pode ser irmão do Governador ou do Prefeito sem configurar nepotismo; o que não se pode é permitir que este mesmo irmão ocupe qualquer outro cargo subalterno da administração estadual ou municipal. Ora, ora...

Evidente que o Supremo Tribunal Federal precisa rever o seu posicionamento, sob pena de desacreditar e enfraquecer não só a concretude e efetivação real dos princípios constitucionais, como também o único sentido democrático da própria Súmula Vinculante n. 13 que acabou de editar.

De "seletividade" perversa e de punição sempre do lado mais fraco e débil, já basta à sociedade e comunidade jurídica o direito penal e o processo penal.

Ou será que o Supremo Tribunal Federal quer ver a rede da Súmula Vinculante n. 13 aplicada apenas ao peixe pequeno enquanto o tubarão continuará nadando para ocupar cargos no Poder Público na base do parentesco? Ah… íamos esquecendo que as primeiras-damas não teriam função numa secretaria social qualquer de fachada! Enfim, com uma maioria legislativa basta que se crie dezenas de Secretarias que, apesar do evidente desvio de finalidade, tudo estará em estrita conformidade com a carcaça da Súmula n.13 (ou o que sobrou dela). E os parentes prediletos, claro, devidamente empregados…