quarta-feira, 24 de junho de 2009

Precaução ambiental

Iolmar Alves Baltazar*

Em meio às divergências surgidas após sua aprovação, faz-se necessária uma reflexão acerca do Código Ambiental catarinense, sobretudo em relação à redução da mata ciliar. A preocupação consiste no fato de os produtores estarem em verdadeiro fogo cruzado no debate que perpassa pelas necessidades agropecuárias locais e pela defesa da autonomia do Estado. Ocorre que a discussão, ainda que válida, precisa se conformar com o Estado de Direito. Frente à insegurança jurídica, com a regência de duas normas distintas, a prudência recomenda que os produtores catarinenses se pautem rigorosamente pela precaução, abstendo-se de seguir dispositivos menos restritivos do Código Ambiental em relação ao Código Florestal, até decisão final da jurisdição constitucional, sendo esta a única medida segura para se evitar prejuízos. O alerta procede em razão do entendimento de que ao causador de dano ambiental descabe invocar a licitude da atividade ensejada pela autorização de autoridade.

Sem embargo de o direito de propriedade ser garantido constitucionalmente, o seu uso deve obedecer à função social, compreendido o equilíbrio ambiental (desenvolvimento sustentável), não mais se admitindo a prática da economia de rapina que nos acompanha desde o período colonial. A degradação da qualidade ambiental é fato, ao ponto de morrerem 315 mil pessoas ao ano em razão da mudança climática, conforme relatório do Fórum Humanitário Global. De sorte que, se antes recorríamos a valores da natureza para dar uma base estável ao Direito, porque, no fundo, essa é a razão do Direito Natural, assistimos, hoje, a uma trágica inversão, sendo o homem obrigado a recorrer ao Direito para salvar a natureza que morre, como advertiu o jurista Miguel Reale.

* Membro da Associação Juízes para a Democracia

Artigo publicado no Diário Catarinense de 24/06/2009

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Atos Secretos e Violências Explícitas

Jorge Luiz Souto Maior*

Escrevo o presente texto entre uma audiência e outra e o momento não poderia ser mais oportuno para a presente reflexão. É que, em todas as audiências realizadas, instaura-se um diálogo franco e aberto entre os presentes, pondo-se em avaliação as possíveis irregularidades jurídicas cometidas, com a consequente fixação da forma de sua regularização. De forma rígida, em respeito à ordem jurídica trabalhista, que envolve várias questões de ordem pública, e também em respeito a todos os demais cidadãos brasileiros que não estão presentes à audiência, as soluções preconizadas em acordos e sentenças nas audiências que presido são sempre baseadas no resgate da autoridade do direito, a que todos devem respeito. O conhecimento prévio desse pressuposto tem feito com que as manifestações e os atos se desenvolvam a partir do reconhecimento implícito de que se deve agir em conformidade com o direito. Não fosse assim não haveria parâmetro para medir as condutas no sentido de saber se foram regulares ou irregulares. Não haveria o próprio direito e, por consequência, também o ilícito.

As audiências constituem um momento explícito de atuação do direito, no qual todos, indistintamente, mesmo o juiz, em função dos limites jurídicos de sua atuação, medidos pelos fundamentos de suas decisões, se vêem constrangidos a agir em conformidade com o ordenamento jurídico, sendo certo que se este fixa obrigações também confere direitos.

De forma um pouco mais poética é possível identificar a audiência como um dos momentos em que o Direito, abstratamente consignado em textos legais, ganha vida, valendo destacar que esse parto não é sempre um momento tranquilo. Ele envolve conflitos, tensões, manifestações às vezes mais calorosas, defesas de pontos de vista, decisões, protestos, recursos etc. O parâmetro, de todo modo, é sempre o mesmo: o da atuação em conformidade com a ordem jurídica, o que confere a todos a sensação da plena eficácia do Estado Democrático de Direito, que se faz presente tanto no aspecto processual, da atuação no processo, quanto no que se refere à avaliação da correção dos atos praticados na vida em sociedade, no caso do Direito do Trabalho, nas relações de trabalho subordinado.

Pois bem, em meio a esse autêntico exercício de cidadania, somos todos, presentes a uma audiência, pegos de surpresa, pela notícia, posta na internet, de que o presidente Lula teria dito que o senador Sarney não pode ser tratado como uma “pessoa comum”, deixando transparecer que a ordem jurídica só se aplica a nós, as pessoas comuns. O presidente Lula, mesmo sem intenção de fazê-lo — no que se acredita plenamente — acabou agredindo a sociedade brasileira, que procura agir com respeito às instituições jurídicas.

Talvez tenha tentado dizer que somente as pessoas comuns cometem deslizes éticos ou praticam atos ilícitos, do que estão isentos os “não-comuns”. Mas aí então sua fala seria uma agressão ainda maior.

E o ex-presidente, senador José Sarney, por sua vez, agrediu a todos, não pela manifestação de sua defesa, até porque ninguém pode ser incriminado antes do devido processo legal. O senador tem amplo direito de negar as acusações, e até de dizer que pode estar sendo vítima de uma conspiração. Mas não pode, de jeito algum, sugerir que os erros do passado fiquem sem a devida punição, cabendo a cada um atribuir-lhe o próprio julgamento, até porque, como se sabe, as “pessoas comuns” não estão inseridas em sua fala, e estas, por certo, estão submetidas ao julgamento das instituições jurídicas.

Ambos falaram em preservar as instituições democráticas, destacando a importância delas para a sociedade. Disso não se discorda. Mas as instituições não se preservam a partir dos pressupostos que ambos estabeleceram. É importante, ademais, que tenham a consciência de que as instituições democráticas não lhes pertencem. Os homens do poder costumam confundir suas pessoas com as próprias instituições e é essa, ademais, a origem do malsinado nepotismo. A confusão é tanta que consideram que os “erros” cometidos se constituem, no máximo, em uma opção equivocada. Mas não: os homens do poder, em um Estado de Direito, exercem o poder em nome do povo, seguindo os padrões do Direito. Seus atos, que não respeitam esse pressuposto, são uma ilegalidade — a mais grave de todas, porque gera a descrença em toda a sociedade quanto à validade da ordem jurídica, e causa desânimo em todos que, diariamente, postam-se na defesa estrita da autoridade do Direito.

É por isso que, na qualidade de um cidadão brasileiro, consciente de que não existem gradações meritórias na condição humana, venho, publicamente, exigir uma retratação dos referidos senhores, pois se há alguma discussão no que tange à existência de atos secretos no Senado e quanto às responsabilidades daí decorrentes, dúvida não há de que as falas que proferiram, conforme acima destacado, constituíram uma agressão explícita aos conceitos fundamentais de cidadania e de Estado Democrático de Direito.

* Juiz do trabalho, titular da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí (SP), livre-docente em Direito do Trabalho pela USP e membro da Associação Juízes para a Democracia.

sexta-feira, 5 de junho de 2009





terça-feira, 2 de junho de 2009

Resultado da eleição para o novo Conselho de Administração da AJD para o biênio 2009/2011


No dia 28 de maio foi realizada assembléia geral na sede da Associação Juízes para a Democracia em São Paulo, na qual foi apurado o resultado da eleição para o conselho administrativo no próximo biênio.
A chapa Ação Coletiva e Compromisso Social, única concorrente, foi eleita com 108 dos 115 votos computados. Desse modo, no biênio 2009/2011 o conselho de adminstração terá a seguinte composição:

Presidente: Luis Fernando de Barros Vidal (SP)
Secretária: Kenarik Boujikian Felippe (SP)
Tesoureira: Dora Aparecida Martins de Morais (SP)
Alessandro da Silva (SC)
Celso Luiz Limongi (SP)
Eudes dos Prazeres França (PE)
Rubens Roberto Rebello Casara (RJ)

Suplentes:

Marcos Pimentel Tamassia (SP)
Maurício Andrade de Salles Brasil (BA)
Rafael Gonçalves de Paula (TO)

Abaixo pode ser verificado o programa de atuação da chapa Ação Coletiva e Compromisso Social para os próximos dois anos:


Em 1991, alguns juízes de São Paulo deram início ao projeto de criação de uma associação que agregasse juízes que tinham um sonho comum: a construção de um outro Brasil, verdadeiramente democrático. Seus princípios revelavam que o compromisso da entidade era com a população conhecida como excluídos, minorias, pobres. Tinham ciência que miséria e democracia eram palavras excludentes, o que exige que a função judicante seja de proteção efetiva dos direitos humanos. Acreditavam que era indispensável que a democracia chegasse ao Poder Judiciário e requisito obrigatório era a defesa da independência judicial, não só perante os demais poderes como também perante grupos de qualquer natureza, internos ou externos à Magistratura.
Passaram-se alguns anos e hoje a Associação tem juízes em vários estados da federação, das várias justiças, que no fundo são uma só, assim como uma só é nossa entidade.
Acreditamos que estes objetivos devem fazer parte do dia-a-dia da Associação e de todos os associados. Temos ciência que precisamos estar voltados para a grandeza do que representou a AJD desde o dia 13.5.1991 e que concretizar os princípios estatutários significa tornar o sonho, realidade. Apresentamos as nossas propostas de trabalho e registramos que esta aberto a outras ações, pois estamos em movimento. O importante é construirmos juntos.
Pretendemos:
1) Atuar para garantia da independência judicial e preservação do princípio do juiz natural em todos os tribunais. Rechaçar a perpetuação, Brasil afora, de cargos de Juízes Auxiliares ou Substitutos ou designados.
2) Refletir sobre caminhos possíveis para superação do choque entre a súmula vinculante e seu
potencial de destruição da independência judicial, no âmbito associativo.
3) Fomentar o CNJ para que atuação na garantia da independência judicial e aprimoramento da prestação jurisdicional e quando houver interferência na independência judicial. Denunciar quando o Órgão interferir em questões jurisdicionais. Refletir sobre a possibilidade de aprimoramento do órgão e apresentar sugestões (para a Loman), notadamente no que diz respeito a forma pouco democrática e transparente como vem sendo feito o preenchimento de seus cargos.
4) Aprofundar os debates sobre a LOMAN para que no segundo semestre de 2009 possamos apresentar algumas propostas e sugestões ao Supremo Tribunal Federal, que neste ano encaminhará projeto de lei e atuar no poder Legislativo, quando da remessa do projeto para que sejam fortalecidos os princípios relativos à independência judicial.
5) Selecionar alguns projetos de lei que dizem respeito ao âmbito da atuação da Associação para
que seja possível o acompanhamento e intervenção.
6) Realizar o II Encontro Nacional de Juízes para a Democracia, em 2010.
7) Estimular a criação de Núcleos de Representação Regional.
8) Fortalecer os Núcleos de Representação Regional nos Estados, para revigorar a atuação da Associação, o que será possível com:
a) o aprofundamento das relações da AJD com a sociedade civil das respectivas regiões
b) detectar problemas atinentes ao Poder Judiciário, particularmente no que diz respeito
ao acesso à Justiça e independência judicial.
9) Manter o “Espaço Diálogo e Alteridade”.
10) Realizar duas reuniões anuais do Conselho em outros Estados coincidindo com a realização do
espaço diálogo e alteridade ou de outros momentos, para que haja maior integração e aproximação e assim intensificar o exercício do caráter nacional da entidade.
11) O jornal Justiça e Democracia sempre foi o nosso grande e eficiente meio de comunicação e
por meio do qual nos apresentamos. É necessário: buscar patrocínio para que seja auto-sustentável e para manter a trimestralidade e a tiragem de 20.000 exemplares, de modo que todos os juízes possam recebê-lo, assim como outros grupos, como deputados, senadores, ONGs, defensores, colaboradores, professores.
11) Ampliar a agenda eletrônica da AJD para envio do jornal por via eletrônica.
12)Publicar quatro livros:
a) com o material do I Encontro da AJD, realizado em Pernambuco, que teve palestras do Eugenio Raul Zaffaroni, Paulo Bonavides, César Benjamim, Fábio Konder Comparato e contou com homenagens de ícones da nossa história;
b) com o material do seminário realizado pela Federação de Juizes para a Democracia da America Latina e do Caribe;
c) livro de direitos humanos e decisões trabalhistas, com a colaboração de todos os associados que atuam na área;
d) breve história de 20 anos da AJD, a ser lançado em maio de 2011.
13) Remeter os boletins de informações das atividades, de forma semanal ou quinzenal pela via
eletrônica.
14) Atualizar o site da AJD, com maior freqüência, com notícias, documentos, manifestos e artigos de associados, associadas, colaboradoras e colaboradores comprometidos com os nossos princípios e luta, expondo ao público nossas atividades, projetos e manifestos.
15) Abrir uma nova composição do Conselho Editorial, a cada ano ( 2009/2010 e 2010/2011).
16) Realizar pesquisa com os associados (as) para que indiquem temas que têm interesse em atuar e as formas possíveis de participação, inclusive para que possam estar presentes em eventos representando a Associação em assuntos que tenham particular interesse.
17) Fomentar a participação dos associados(as) para que a ação individual seja agregadora e fortalecida institucionalmente.
18) Estimular a participação de juizas na Associação. O percentual de mulheres na magistratura
é pequeno e temos um reflexo disto na Associação.
19) Trazer juízes que têm compromisso com os nossos estatutos para a Associação. Não há que se ter a preocupação em aumentar o número de associados, mas temos que agregar pessoas que têm os mesmos sonhos e estão dispostos a participar de alguma forma desta mesma luta. Neste sentido, é preciso que a AJD seja um espaço solidário, não nas questões individuais, mas nos nossos princípios.
20) Continuar a participação em redes como: “Mulheres Encarceradas”, “Voto do Presos”, “Educação nas Prisões”, “Criação da Defensoria em SC”. Avaliamos que a participação em redes é
positiva, pois reúne esforços e há intercâmbio efetivo de ideais. Enriquece a atuação e permite uma ação sem amarras. Difere da participação em outras entidades, pois para esta hipótese indispensável que a AJD possa estar efetivamente presente para que as deliberações não conflitem com as posições da entidade.
21) Contribuir em projetos de capacitação em direitos humanos, como o das promotoras legais populares.
22) Apoiar os movimentos sociais na luta pelos direitos fundamentais, como os movimentos por moradia, função social da propriedade, etc...
23) Proceder os encaminhamentos necessários para o registro da AJD como organização da sociedadecivil junto à OEA.
24) No âmbito internacional, manter a participação na FJD (Federação de Associações de Juízes para a Democracia da América Latina e Caribe) e aprofundar os laços com a MEDEL, o que fortalecerá nossas lutas e ideais, na medida em que são entidades do bloco regional e europeu, que congregam do mesmo ideário.
25) Indispensável que a AJD procure contribuir para melhorar a prestação jurisdicional. Atuar como formador de opinião junto à sociedade civil e aos demais Poderes do Estado, participando de debates, cursos, seminários e ocupando espaços em que possa haver alguma repercussão.
26) Realizar reuniões temáticas no Conselho da AJD, permitindo a ampliação de participação dos associados, para que as conversas ( ou outra forma de manifestação) possam trazer elementos sobre questões, de modo a municiar as deliberações do Conselho.
27) Divulgar a matéria referente à ADPF 153 (anistia) em nossos jornais, até o seu julgamento, como forma de fortalecimento da democracia, bem como participar de atividades que digam respeito a este tema.