segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Ofício da AJD encaminhado aos deputados estaduais requer a designação de Audiência Pública

EXCELENTÍSSIMO SENHOR GERSON MERISIO, DEPUTADO DO ESTADO DE SANTA CATARINA.

A Associação Juízes para a Democracia, entidade não governamental, sem fins lucrativos ou corporativos, de âmbito nacional, criada em 13/05/1991, que possui dentre outros propósitos o respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito, a atuação na defesa dos direitos na perspectiva da emancipação social dos desfavorecidos, a promoção da conscientização crescente da função judicante como proteção efetiva dos direitos do Homem, individual e coletivamente considerado e a consequente realização substancial dos valores, direitos e liberdades do Estado Democrático de Direito e que faz parte do Movimento pela Criação da Defensoria Pública em Santa Catarina, vem à presença de Vossa Excelência para requerer que seja designada data para realização de AUDIÊNCIA PÚBLICA no Anteprojeto de Lei Orgânica da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina, de iniciativa popular, que tramita sob o nº OF./0286.3/2010,como aprovado em 02/09/2010 na Comissão de Constituição e Justiça desta Casa.

A Constituição Federal de 1988 instituiu a obrigatoriedade de criação da Defensoria Pública, instituição essencial à Justiça, para que a população mais carente possa ter acesso à Justiça, em seu sentido mais amplo.

Decorrido mais de duas décadas, o povo catarinense ainda não conta com este órgão e é o único estado da federação que não tomou qualquer iniciativa para concretizar o ordenamento constitucional.

A ausência do órgão é um dos grandes desafios a serem superados para viabilizar o acesso à justiça, consagrado na Constituição Federal como direito fundamental. Estamos certos que a audiência pública terá enorme relevância, pois permitirá o debate do tema, de forma ampla e fornecerá elementos que contribuam para o fortalecimento da democracia.

Aproveito a oportunidade para apresentar a Vossa Excelência, protestos de elevada estima e distinta consideração.

Colocamo-nos à disposição através dos membros do Conselho da Associação: Alessandro da Silva, juiz do trabalho substituto do Tribunal Regional da 12ª Região/SC e Kenarik Boujikian Felippe, juíza de direito da 16ª Vara Criminal de São Paulo.

Atenciosamente.

São Paulo, 14 de fevereiro de 2011.

Luís Fernando de Camargo Barros Vidal

Presidente do Conselho Executivo

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A violência oficial, por Alessandro da Silva *

Florianópolis é comparada, frequentemente, ao Rio de Janeiro em matéria de segurança pública. As semelhanças decorreriam da sinuosidade do relevo, da concentração da violência em áreas faveladas, da crueldade do confronto entre gangues rivais e do expressivo número de vítimas jovens. Crentes nessas similitudes, alguns integrantes de nossas polícias resolveram defender e praticar métodos repressivos e abusivos de policiamento, habituais em grandes cidades, particularmente no Rio. Como sintomas desse processo de institucionalização da violência, crescem, em SC, os relatos de abuso de autoridade, tortura e até execuções sumárias cometidas por policiais.

Recentemente, moradores do Morro do Mocotó fizeram protesto, que fechou uma avenida, em decorrência da morte de um jovem de 23 anos. Afirmam que o rapaz foi executado por PMs após estar rendido e ajoelhado. Não bastasse isso, no dia seguinte ao protesto, surgiram denúncias de que esses mesmos moradores estavam sendo alvo de represália por meio de intimidações, revistas arbitrárias e uso excessivo da força.

Uma segurança pública efetiva se constrói com uma polícia cidadã, que respeita as regras do Estado Democrático de Direito, no qual nenhuma forma de violência é permitida, sobretudo por parte dos agentes públicos, salvo quando no estrito cumprimento do dever legal ou em legítima defesa. Na contramão dessa constatação, a violência policial no Rio é apontada pela Anistia Internacional como uma das principais fontes de violação de direitos humanos em nosso país, sem que isso tenha resultado em redução ou controle da criminalidade. Ao contrário, as distorções deram origem às milícias, que assumiram boa parte das atividades ilícitas e espalham o terror.

Nesse contexto, podemos nos espelhar no Rio, mas para identificarmos os equívocos que não devemos cometer.

* Membro da Associação Juízes para a Democracia

Fonte: Diário Catarinense de 23/02/2011

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Democracia e direitos sociais na América Latina

Os países latino-americanos carregam uma história comum de dominação colonialista. Inicialmente pelas metrópoles que lideraram a expansão mercantilista, Portugal e Espanha, e mais recentemente pelos países centrais do sistema capitalista, com destaque para os Estados Unidos.

Profunda desigualdade e baixa mobilidade social, elites mesquinhas e subservientes aos interesses estrangeiros, grande parcela da população vivendo na miséria absoluta, são características que, com diferentes matizes, marcam as sociedades latino-americanas.

O extrativismo vegetal e mineral, em regra levado a cabo por multinacionais e a monocultura agrária, destinados à exportação, predominaram por longo período e ainda amarram a economia de muitos desses países.

No campo político, sucessivos regimes autoritários se revezaram no poder, com escassas e efêmeras tentativas de implantar a democracia. Nesse quesito, não eram garantidos os direitos individuais e as liberdades públicas, nem se permitia a participação da sociedade no manejo do Estado ou na escolha dos governantes.

Sequer no aspecto formal a democracia nos era permitida.

Apesar de tantas semelhanças, durante séculos esses países viveram de costas uns para os outros, em uma espécie de competição para revelar quem estava menos mal.

O caso brasileiro é ainda mais acentuado, já que a diferença da língua contribuiu para nos isolássemos ainda mais dos vizinhos, mas não impediu de buscarmos nos assemelhar à metrópole. Do ponto de vista deles, nunca deixamos de ser exóticos, a ponto de seu senso comum indicar Buenos Aires como a capital do Brasil.

Contudo, como disse o poeta, o tempo não para, e os ventos de mudança também chegaram até nuestra Latino-América.

Há tempos que são percebidos sinais de decadência na economia dos países centrais, com o deslocamento de atividades para outras regiões do globo, em particular para China.

A crise financeira de 2008 deu a noção mais clara da gravidade do problema, a ponto de levar alguns países à falência. Não custa relembrar que os mais afetados foram justamente aqueles que cumpriram à risca as determinações neoliberais ditadas pelo FMI e Banco Mundial, como Islândia, Grécia e Irlanda.

Nem mesmo a maior economia do planeta conseguiu superar os efeitos dessa crise, apesar dos bilhões de dólares injetados pelo governo estadunidense nos bancos, para garantir o funcionamento do sistema financeiro.

Esse também foi o caminho adotado na Europa, onde muitas conquistas de sessenta anos de estado de bem-estar social foram suprimidas sem receio nem hesitação por governos subordinados aos interesses do mercado.

Aqueles que admiram e se dedicam à implantação do arcabouço institucional dos modernos estados democráticos de direito, assistiram atônitos ao esfacelamento do sistema de solidariedade social que até então servia de modelo para os países que, como nós, buscam construir sociedades menos injustas.

Em meio a constatações tão pouco animadoras, o mundo cada vez mais passou a perceber que na América Latina surgem alternativas de desenvolvimento econômico e social que responderam bem à crise e permitiram que fosse mantida a trajetória de crescimento, que nos últimos anos tem sido mais um elemento de similitude desses países.

Em vários deles o povo demonstra que está cansado da manipulação, da apropriação privadas dos recursos naturais, da opressão, das desigualdades de classe, de gênero e de etnia. O discurso falacioso de que redução de direitos acarreta crescimento econômico agoniza, após várias iniciativas que somente fizeram aumentar a miséria de milhões em prol da apropriação do lucro por poucos.

De se destacar que essa mudança se dá pelo caminho mais longo, porém que oferece mais segurança: a democracia.

Somente com instituições fortes, respeito às liberdades, garantia dos direitos sociais e das regras do jogo democrático, com participação política ampla, o governo da maioria e a alternância de poder, é que superaremos séculos de atraso e servilismo.

Nesse momento, no qual se nos defronta esse imenso desafio, são alvissareiras as iniciativas de aumentar a integração regional, por meio da troca de experiência institucional e do pensamento crítico acerca dos inúmeros problemas que são comuns à América Latina.

Com esse espírito, saudamos vivamente a criação do Grupo de Estudos Direitos Sociais na América Latina – GEDIS – (http://www.grupogedis.blogspot.com), que “se dispõe a compartilhar com a comunidade suas ideias, quase sempre na contramão do pensamento majoritário”, com o objetivo de construir “um mundo melhor, e não apenas para alguns”.

Para tanto, nos colocamos a disposição, como parceiros nas iniciativas do GEDIS e contamos com o seu apoio nas batalhas que temos abraçado.

Alessandro da Silva, juiz do trabalho, membro do conselho executivo da Associação Juízes para a Democracia

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Quantos devem morrer?, por Vanessa Almeida Barossi*

A situação dos internos da penitenciária de segurança máxima de São Pedro de Alcântara é calamitosa. O número ultrapassa a lotação máxima do estabelecimento, de 1,3 mil reeducandos. Mais grave é o fato de que pelo menos 90 apenados têm direito a progredir para o semiaberto e são mantidos no regime mais gravoso (fechado) sob argumento de que não há vagas. Porém, a falta de vagas ocorre por descaso do Poder Executivo de Santa Catarina. Outro fato que os mantém em São Pedro de Alcântara envolve o Judiciário catarinense, que não determina que esperem as referidas vagas em prisão domiciliar. Destaco que o STJ já decidiu que o agraciado com regime semiaberto deve esperar pela vaga cumprindo pena em prisão domiciliar.

Há mais internos que não deveriam estar lá, seja pela progressão de regime, pedidos de transferência, com pena cumprida ou pelo indulto natalino de 2009 e 2010. No meio do caos da execução penal, mais uma morte ocorre na penitenciária. O interno Edson do Nascimento Onofre foi encontrado morto, na manhã de terça-feira (08/02), seis meses após pedir transferência. A garantia constitucional de um processo célere e efetivo não está sendo cumprida.

O Estado precisa criar novos estabelecimentos de regime aberto e semiaberto. Precisa, ainda, encontrar meios de reeducar apenados, com cursos profissionalizantes ou trabalho. Se continuarem sendo tratados como escória, suas atitudes serão reflexo desse tratamento. A questão do abandono dos reeducandos em São Pedro de Alcântara é um problema social que se agrava por não haver em Santa Catarina a Defensoria Pública Estadual. Aqueles que já possuem o direito fundamental à liberdade e à progressão de regime continuam num presídio de segurança máxima, sem ninguém para defendê-los. Uma afronta aos direitos humanos.

*Defensora Pública Federal

Fonte: Diário Catarinense

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Juiz relaxa prisão por falta de vaga em presídio

O juiz João Marcos Buch, da 2ª Vara Criminal de Joinville (SC), relaxou a prisão em flagrante de um preso para garantir sua dignidade e integridade física e moral. Como a transferência ao Presídio Regional de Joinville foi negada diante da lotação do estabelecimento, o juiz entendeu que a Central de Polícia de Joinville não tem as mínimas condições sanitárias e de segurança para manter pessoas detidas e o libertou.

Na sentença, concedida na última quinta-feira (10/2), Buch considerou que se o preso em flagrante por roubo continuasse na Central de Polícia, sua dignidade seria violada. Assim, declarou que “este Juízo, que mantém a custódia, sob sua responsabilidade, não compactuará com violações desta natureza, jamais. Mesmo porque trata-se de prisão provisória, ou seja, sem julgamento e sentença condenatória transitada em julgado e delito em tese imputado que, muito embora cometido com grave ameaça contra pessoa, não extravasou a mera tipicidade legal”.

A decisão foi baseada nos artigos 1º, inciso III, 5º inciso XLIV e 144 parágrafo 4º, todos da Constituição Federal, que dizem, respectivamente, o seguinte: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humana”; “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” e “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.

O juiz mencionou, ainda, o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade ao dizer que numa sociedade que tem como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana e o objetivo de ser livre, justa e solidária “não é razoável e muito menos proporcional manter um indivíduo preso numa Central de Polícia desprovida legal e factualmente de capacidade de encarceramento”.

Buch levou em conta que a autoridade policial informou que em contato com o diretor do presídio de Joinville, foi relatado que não há vagas, “razão pela qual não pode receber o preso, permanecendo este na precária carceragem da Central de Polícia de Joinville". No próprio relato, é mencionada a condição do estabelecimento, que, segundo o juiz é notória.

Leia aqui a íntegra da sentença.

Fonte: http://www.conjur.com.br/2011-fev-15/juiz-relaxa-prisao-acusado-roubo-falta-vaga-presidio#autores