quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Comissão Estadual da Verdade

  Alessandro da Silva*


A Comissão Estadual da Verdade Paulo Stuart Wright foi instituída pelo Governo do Estado, com a finalidade de auxiliar a Comissão Nacional da Verdade, examinar e esclarecer as violações de direitos humanos praticadas no período de 18 de setembro de 1946 a 05 de outubro de 1988, no território do Estado de Santa Catarina.
Suas atividades iniciaram no último dia 03 de junho e as reuniões ocorrem na Assembleia Legislativa, onde estão sendo colhidos depoimentos de cidadãos que foram perseguidos, presos e torturados durante aquele período ditatorial, de familiares daqueles que foram executados, assim como de outras pessoas que tenham conhecimento dos fatos. O que se visa é identificar as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionados a essas práticas e suas ramificações nos diversos aparelhos estatais e na sociedade, de modo a revelar as cadeias de comando e as autoridades, civis e militares, que operaram o sistema repressivo.
Para que esses objetivos sejam atingidos é fundamental que os trabalhos sejam realizados com transparência e publicidade. Para tanto é necessário ir além das paredes da Assembleia e levar os fatos apurados ao conhecimento da sociedade através dos meios de comunicação tradicionais, como rádio, jornais e televisão, e sobretudo da internet.
Ocorre que a CEV ainda não tem sequer um site e se depara com outras dificuldades elementares para a execução dos trabalhos, como a disponibilização de veículos para transportar as testemunhas que, em regra, estão com idade avançada.
É difícil ainda imaginar que uma obra de tal magnitude poderá ser levada a cabo sem uma equipe de técnicos que possa catalogar e digitalizar os documentos que serão analisados e que permaneceram por 50 anos perdidos ou escondidos. Tanto é assim que os membros da Comissão envidam grandes esforços para conseguir digitalizar os inquéritos policiais militares que lhes foram disponibilizados, com cerca de vinte mil páginas.
Essas constatações revelam que CEV foi criada sem uma estrutura material mínima para a consecução de seus fins. Em estados nos quais os primeiros resultados já começam a ser divulgados, como São Paulo, as comissões contam com dotações orçamentárias próprias e quadro de servidores com dedicação exclusiva.
Por fim, não é despiciendo observar que aqueles que aceitaram a nomeação como membros da CEV assumiram um compromisso com a história do nosso Estado e sua participação efetiva nas atividades é uma obrigação que o povo catarinense deve exigir.

* Membro da Associação Juízes para a Democracia

Fonte: Jornal Notícias do Dia, de 23/08/2013

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Reunião da Comissão Estadual da Verdade e Justiça Paulo Stuart Wright

Rogério Queiroz, 73, advogado, ex-vereador de Florianópolis e ex-presidente da União Catarinense de Estudantes (UCE) de maio de 1963 a abril de 1964, preso duas vezes pela ditadura civil-militar, foi ouvido pela Comissão Estadual da Verdade na tarde desta segunda-feira (19) no Plenarinho Deputado Paulo Stuart Wright da Assembleia Legislativa. “A primeira prisão ocorreu em 17 de abril de 64 e a segunda em junho do mesmo ano. Na primeira vez fiquei 25 dias na penitenciária estadual, em um anexo, com mais de 100 presos políticos. Tenho uma relação com os nomes, fiz a lápis, está guardada em minha casa”, explicou.
Em junho de 64, Rogério foi preso novamente. “Fiquei seis, sete horas depondo no Dops. De lá fui transferido para o quartel da Polícia Militar, onde estavam presos Luiz Henrique da Silveira, Salim Miguel, Francisco Mastela, Adi ‘Macarrão’ Vieira Filho. Passei o meu aniversário, 9 de junho, na prisão”, contou. Rogério afirmou que não foi torturado fisicamente, nem lembrou o nome daqueles que o prenderam.
De acordo com o ex-preso político, “a comida no quartel da PM era servida direitinho”, mas havia comentários “sobre fulano que faleceu, outro que desapareceu”, uma espécie de tortura psicológica. “A pessoa não identifica como tortura, mas influencia a vida toda. Acho que não sofri tanto”, resumiu.
Ele revelou que na noite anterior à segunda prisão, apesar da recomendação expressa para não sair de casa (morava nas proximidades do Palácio Cruz e Sousa), teimou em ir ao Cine Roxy, localizado junto à Catedral. “Pensei, ninguém vai me ver, fui a quatro passos, mas no dia seguinte vieram me buscar para prestar depoimentos”, explicou.
O presidente da Comissão Estadual da Verdade, Naldi Otávio Teixeira, questionou Rogério acerca dos motivos que o levaram à prisão. O ex-preso respondeu que a motivação foi essencialmente política. “Fazíamos política, tudo certinho, tudo aberto. Fomos em passeata até a casa do prefeito de Florianópolis protestar contra o aumento das passagens. Naquela ocasião, depois me contaram, os agentes tinham recebido ordem de atirar em mim, mas na última hora mudaram a ordem”, relatou.
Jornal Reforma
Durante o período em que permaneceu à frente da UCE, Rogério e outros universitários editaram o jornal Reforma, de conteúdo político, distribuído gratuitamente entre estudantes e simpatizantes às reformas de base defendidas pelo presidente João Goulart. “Os estudantes lideravam o processo”, observou o ex-líder estudantil, acrescentando que o jornal combatia as oligarquias Konder-Bornhausen e Ramos.
Rogério doou uma coleção completa do jornal ao Poder Legislativo barriga-verde. Atualmente, os exemplares, amarelados e puídos, estão sob os cuidados do Centro de Memória, disponíveis à consulta pública.
Na edição de 15 de janeiro de 1964, menos de três meses antes do golpe civil-militar, “Reforma” destacou na contracapa e na página seis uma ameaça de morte contra o então deputado estadual Paulo Stuart Wright, do Partido Social Progressista (PSP), de Joaçaba. Segundo o registro, “o sargento Júlio D’Ávila, nos depoimentos que prestou nos inquéritos instalados pela DRP e pela Polícia Militar, declarou que fora convidado pelo suplente de deputado estadual Manoel Santos, conhecido marginal e bicheiro, para assassinar Paulo Wright. Em troca do assassínio receberia Cr$ 100.000,00 de entrada, um revolver e Cr$ 50.000,00 mensais até o fim do presente período parlamentar”.
A matéria continua com manifesto da União Operária Estudantil e termina mirando alto: “nem o governador, nem a mesa da Assembleia (ambos do PSD) demonstraram um interesse efetivo em esclarecer a questão, apurando devidamente as responsabilidades”.
Prisões de pai e filho
Questionado pelo representante da OAB/SC na Comissão Estadual da Verdade, Anselmo Machado, sobre a prisão de juízes nos primeiros dias do golpe, Rogério lembrou do desembargador José do Patrocínio Gallotti, “que não perdia uma reunião da UCE, sempre participando, ele, José Garcia e Laurita, para dar estímulo. Foram sempre bem-vindos”, lembrou.
Conforme apurou a Agência AL, José do Patrocínio também foi preso, assim como seu filho, Paulo Benjamin Fragoso Gallotti, hoje ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça.
A vida depois das prisões
Após as prisões, vida dos ex-presos mudava completamente. À época, Rogério era funcionário do DNER e foi demitido. “Não se conseguia  trabalho”, contou. Em 1966, com 26 anos, o ex-preso foi para Paris cursar administração pública. “Para me especializar”, comentou.
Quando retornou, abriu, com outro companheiro de desventuras, um escritório de assessoramento aos municípios. “Percorri o estado apresentando o escritório, mas aí veio general Rosinha e criou um departamento público para assessorar os municípios”.
Ele também contou que um dos tantos florianopolitanos que o visitaram na época em que morou na França disse-lhe, certa vez: “Rogério vou te confessar, teu nome foi cogitado para a Telesc, o ato estava pronto para ser assinado, mas não houve maneira de ser assinado”. Em outra oportunidade, a empresa Portobello recebeu um recado explícito: “não coloquem o Rogério Queiroz no setor de exportações”.
Depois da Anistia, em 1979, Rogério Queiroz elegeu-se vereador em Florianópolis e até hoje é conhecido com um lutador, que se mantém ativo à frente do Conselho Comunitário da Praia da Daniela, balneário situado na região oeste da Ilha de Santa Catarina.
A Comissão Estadual da Verdade
O objetivo da Comissão Estadual da Verdade é contribuir com a Comissão Nacional da Verdade e dispor aos catarinenses, através dos registros da TVAL e da Agência AL, o conhecimento de fatos decorridos de violações de direitos humanos praticados pelo estado brasileiro de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. (Vitor Santos)
Trechos do depoimento de Rogério Queiroz
Um retrato da época
“Foi um período difícil. Havia cerca de mil estudantes universitários na UFSC nos cursos de Direito, Filosofia, Farmácia Odontologia e Ciências Econômicas. A cidade era pequena, com 54 mil habitantes. Temos de retornar aos anos 1960 para nos situarmos. O centro nevrálgico era a UCE, na rua Álvaro de Carvalho. Os estudantes se metiam em tudo, se levantavam contra o status quo.
Era uma ebulição total, fazíamos reuniões abertas. Os agentes chegavam como polícia secreta portuguesa. Sabíamos quem eram. Volta e meia encontro um deles e cumprimento, como o policial civil Miranda Gomes, hoje com quase 90 anos. Me recordo também do Otacílio Schüller Sobrinho, nosso diretor financeiro da UCE. Sabíamos que ele informava a polícia, trabalhava ao lado do doutor Jade Magalhães, secretário de Segurança Pública e do delegado Jorge Pinheiro”.
O papel dos estudantes
“Hoje fico emocionado com o papel que os estudantes tiveram na criação da cidade universitária. O reitor Ferreira Lima não queria levar a universidade para a Trindade. Como seria Florianópolis se a universidade não tivesse sido transferida do centro? Graças à visão dos professores Henrique Fontes e Henrique Stodieck, mesmo com o reitor contra, os estudantes conseguiram que a universidade fosse para a Trindade”.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

PORTARIA n.22/2013 - Instituição do projeto “CINEMA NA EXECUÇÃO PENAL”.

O Dr. João Marcos Buch, Juiz de Direito titular da 3ª Vara Criminal e Corregedor do Sistema Prisional da Comarca de Joinville, conforme disposto no art. 2º da Lei de Execuções Penais, art. 1º, do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina e art. 93, § 1º, do Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina, no exercício de suas atribuições legais etc.
CONSIDERANDO o objetivo da execução penal de proporcionar condições para a harmônica integração social do reeducando, conforme artigo 1º da Lei de Execução Penal, bem como o direito à assistência educacional, nos termos do artigo 41, VII, da Lei de Execução Penal;
CONSIDERANDO a necessidade de se trocar momentos carcerários ociosos por cultura, proporcionando o resgate da autoestima e o direito ao conhecimento e desenvolvimento da capacidade crítica;
CONSIDERANDO que o Cinema é reconhecido como arte e por isso está contido na educação, direito de todos e dever do Estado e que visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art.205, da CF);
CONSIDERANDO que o Cinema, como ocorre na literatura dos livros, é um eficaz meio para contar histórias, cujo mérito é possibilitar diálogo imediato através da linguagem que ele proporciona;
CONSIDERANDO que “Os filmes permitem dezenas de possibilidades, basta explorá-las: as de interpretação de suas imagens, a própria fotografia, os diálogos, a reconstrução de períodos históricos, a ficcionalização, as marcas enunciativas, as relações pessoais, interpessoais e sociais e ainda os possíveis valores morais, éticos, educacionais e didáticos” (Salve o Cinema: Leitura e Critica da Linguagem Cinematográfica / Fábio Henrique Nunes Medeiros – Coord., Taíza Mara Rauen Moraes – coord. – Joinville, SC: UNIVILLE, 2006, pág.22);
CONSIDERANDO que “A linguagem visual veiculada pelos filmes pode auxiliar o trabalho com diferentes conteúdos e o cinema é uma importante ferramenta de auxílio didático ao professor, existindo a possibilidade de utilizar quaisquer filmes comerciais como recursos complementares nas aulas desde que sejam corretamente contextualizados”(Modro, Nielson Ribeiro. Cinema no Ar. Blumenau: Nova Letra, 2013, pág.9);
CONSIDERANDO o ilimitado número de filmes que podem ser, através de um projeto pedagógico/cultural, apresentados aos detentos como entretenimento e como instrumento para resgate da dignidade (v.g. entre outras as películas: César Deve Morrer / Drama / Itália / Direção de Paolo Taviani e Vittorio Taviani – 2013; Entre a Luz e a Sombra / Documentário / Brasil / Direção de Luciana Burlamaqui / 2009).
CONSIDERANDO a possibilidade de se desenvolver parcerias com instituições públicas e privadas, como por exemplo com o projeto Salve o Cinema, ramificação do núcleo do Programa Institucional de Incentivo à Leitura, ligado à Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários da Universidade da Região de Joinville;
CONSIDERANDO a previsão legal de recompensas em razão do bom comportamento reconhecido em favor do condenado (arts.55 e 56, da LEP);
CONSIDERANDO a existência de sala de aula não só na Penitenciária Industrial de Joinville como também no Presídio Regional de Joinville, com possibilidade de adequação de equipamento (projetor e data show) nos locais para exibição de filmes;

CONSIDERANDO que a legislação vigente sobre direitos autorais não veda a exibição de filmes (sem fins lucrativos) em estabelecimento prisional.

RESOLVE:
Art. 1º. Fica instituído na Penitenciária Industrial de Joinville e no Presídio Regional de Joinville o projeto “Cinema na Execução Penal”, que consistirá na apresentação periódica, no mínimo uma vez por mês, de sessão de cinema aos detentos.
Art.2º. A escolha dos filmes a serem exibidos deverá passar pela avaliação da direção prisional, através do seu corpo técnico, podendo receber sugestões de todas as esferas.
Art.3º. A obtenção dos filmes pela direção prisional deverá ser feita através de doação, locação ou empréstimo, independentemente da formação de cinemateca própria através dos recursos legais.
Art. 4º. A participação do reeducando dar-se-á de forma voluntária e com base na recomendação da direção prisional, pelo seu corpo técnico, tendo em conta inclusive o disposto nos arts.55 e 56 da LEP, não sendo porém estes dispositivos por si só impeditivos.
Parágrafo único: poderão participar detentos ainda na condição de prisão provisória, preservada a preferência porém para reeducandos em cumprimento de pena.
Art.5º. Na impossibilidade de abranger a todos os detentos na sessão de cinema a direção prisional deverá buscar repetir a exibição para os demais ou diminuir a periodicidade das sessões, com alternatividade de detentos.
Art.6º. Deverá a direção prisional manter cadastro e arquivo próprio para catalogar os filmes apresentados, independentemente de posterior aperfeiçoamento do projeto.
Art.7º. Deverão a Penitenciária e o Presídio, no prazo de 30 (trinta) dias, diligenciar na logística para implementação do programa, bem como buscar as parcerias existentes conforme acima considerado.
Oficie-se à Secretária de Justiça e Cidadania do Estado de Santa Catarina, ao Administrador do Presídio Regional, ao Administrador da Penitenciária Industrial, ao Diretor do DEAP, à Corregedoria-Geral da Justiça, ao Ministério Público, ao Conselho Carcerário, à Defensoria Pública e à Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil de Joinville, sendo a todos encaminhada cópia desta Portaria.
Deverá o Administrador do Presídio Regional e o da Penitenciária afixar cópia desta Portaria em cada cela da unidade prisional.
Esta Portaria entrará em vigor na data de sua sua publicação.
Publique-se. Cumpra-se.
Joinville, 13 de agosto de 2013.





João Marcos Buch
Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal
Corregedor do Sistema Prisional - Comarca de Joinville

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Projeto leva cinema para detentos em Joinville

As grades já não impedirão o acesso à arte em Joinville. Agora, pelo menos uma vez por mês, os detentos do sistema prisional terão sessões de cinema. O projeto “Cinema na Execução Penal” quer contribuir para o resgate da autoestima e da capacidade crítica dos apenados. Além de, por meio da linguagem audiovisual, trocar a ociosidade pela integração social e assistência educacional.
“O cinema é reconhecido como arte, por isso está contido na Educação, direito de todos e dever do Estado, e visa o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, considerou o juiz João Marcos Buch, titular da 3ª Vara Criminal e corregedor do sistema prisional do município.
Idealizador da iniciativa, Buch espera que a direção prisional de cada unidade implemente o programa até a primeira quinzena de setembro. De acordo com a portaria 22/2013, que institui o projeto, já existem salas com a possibilidade de adequação para exibição de filmes.
A participação dos reeducandos será de forma voluntária e com base na recomendação da direção prisional. Assim como a escolha da película, que deverá ser avaliada previamente pelo corpo técnico das unidades prisionais e catalogada após a exibição. A aquisição dos títulos poderá ser feita por doação, locação ou empréstimo, independente da formação de uma cinemateca própria, através de recursos legais.
“Há um ilimitado número de filmes que podem ser, através do projeto, apresentados aos detentos como entretenimento e como instrumento para o resgate da dignidade”, espera o magistrado. Entre os filmes que pretende exibir está “César deve morrer”, um drama italiano que mostra a peça teatral "Júlio César", de William Shakespeare, encenada por um grupo de prisioneiros da prisão de segurança máxima Rebibbia, localizada em Roma.
A função social da arte sempre contribuiu para melhorar a consciência do indivíduo e promover transformação. Os filmes, segundo o professor e advogado Nielson Ribeiro Modro, permitem dezenas de possibilidades: as de interpretação das imagens, a reconstrução dos períodos históricos, as relações pessoais, interpessoais e sociais e, ainda, os possíveis valores morais, éticos, educacionais e didáticos.