segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Projeto cinema no presídio, por Alessandro da Silva*

Recentemente passou em nossos cinemas o filme Hannah Arendt, que mostra um episódio que marcou a vida da filósofa alemã. Ela cobriu para a revista New Yorquer, em Jerusalém, o julgamento do nazista Adolf Eichmann, capturado pela polícia secreta israelense em Buenos Aires, acusado de crimes no genocídio dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
Após intensa observação e reflexão, ela concluiu que Eichmann não era um monstro, mas apenas um funcionário a cumprir burocraticamente suas obrigações. Ele perdeu a condição de ser humano quando parou de pensar acerca da natureza de suas ações, momento em que se deu a "banalização do mal".
Guardadas as devidas proporções, nosso país também vive uma situação de banalização da violência, não só a decorrente da criminalidade, mas também a cometida em nome do Estado. Em Santa Catarina são rotineiras as denúncias de tortura e maus tratos executados no sistema penitenciário. Em pouco mais de dez anos o estado passou de exemplo na recuperação de menores infratores a contumaz violador dos direitos humanos.
Na contracorrente, o Juiz da Vara de Execuções Penais de Joinville, João Marcos Buch, editou uma portaria para determinar que mensalmente os presos participem de sessões de cinema, no próprio presídio. Ele acredita que a arte pode sensibilizar e transformar o ser humano.
O problema é que a Procuradoria Geral do Estado disse que o projeto é uma “extravagância”. Tal qual Eichmann, eles acham que existem procedimentos a serem observados e que o juiz teria ultrapassado suas atribuições. Então, requereram ao Tribunal de Justiça a anulação da portaria, de maneira a garantir que a burocracia continue a desumanização do sistema prisional.
Nesta altura, talvez seja o momento de pensarmos no projeto “Cinema nos Gabinetes”.

* Juiz do Trabalho, membro da Associação Juízes para a Democracia 

Fonte: Jornal Diário Catarinense de 13/12/2013.