sexta-feira, 8 de março de 2013

A sociedade (da falta) de desejo, por João Marcos Buch*

Se você, mulher, fosse presa, qual seria a coisa mais importante dentro da prisão? Como juiz da execução penal, tenho contato frequente e consciência das necessidades da mulher presa. Porém, desejando saber se estas necessidades são universais, independentemente da condição de encarceramento, propus a pergunta em tom de desafio a quatro mulheres esclarecidas, econômica e socialmente estáveis. Após alguns questionamentos sobre higiene, alimentação etc., que não fogem à regra do homem recluso, igualmente necessitado, e sobre exames preventivos e maternidade, a conclusão a que chegaram é que a mulher encarcerada precisa também de atenção no asseio pessoal, que vai além da higiene. Significa que a mulher encarcerada precisa ter a possibilidade de se cuidar e cuidar da sua beleza. Isso não é superficial.

Lamentavelmente, a mulher presa é tratada como homem pelo sistema prisional na maior parte do Brasil. Seguindo o crescimento da massa carcerária, que já passou de meio milhão (o Brasil é o quarto país no mundo em números de detentos, ficando atrás dos EUA, China e Rússia), também o montante de mulheres presas cresceu. O governo, porém, sem uma política de Estado efetiva a respeito do tema, não acompanhou este crescimento. Em Santa Catarina, a população carcerária feminina corresponde a 8% da população total de cerca de 17 mil presos, ou seja, existem cerca de 1.360 mulheres encarceradas. Mas no Estado há apenas uma unidade exclusiva para mulheres, o Presídio Feminino de Florianópolis, classificado como o oitavo pior do Brasil, haja vista a superlotação, insalubridade entre outras carências. Nas demais regiões, não há presídio próprio para as mulheres, dividindo-se as estruturas em alas masculinas e femininas. Em Joinville, são cerca de 120 detentas, que ficam em espaço também precário, anexo aos pavilhões masculinos, sem quadro suficiente de servidoras agentes penitenciárias, que também sofrem as mazelas da falta de reconhecimento em sua profissão. Nesse contexto, a mulher encarcerada é duplamente punida, pois perde a liberdade e tem sua natureza fragilizada.

E nisso volto à questão inicial. Cultivar a beleza, a delicadeza e a sensibilidade feminina é de essência universal, que jamais deixa de existir para a mulher, livre ou presa. Isso não significa algo fútil. A filosofia clássica já ensinou que a estética serve à ética, esta entendida como felicidade. A estética consegue estruturar uma pessoa e um ambiente de forma que a ética surge naturalmente, sedimentando um ser humano feliz. Neste dia 8, em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, é preciso olhar para todas as mulheres, sem restrições. Nossa civilidade já alcançou padrões notáveis. Já não se fala mais em luta por direitos iguais, mas em respeito aos direitos iguais. A Presidência da Republica é ocupada por uma mulher. Mas é preciso mais, especialmente nos setores carentes da sociedade, no sistema penitenciário, tão precário que, ressalvadas algumas ilhas de boa gestão, não recupera, apenas reproduz violência.

Num céu de tempestades, os raios das prisões talvez sejam os que mais racham e ferem nosso país. A mulher, nessas tormentas, é a que mais sofre. Que então ao menos se permita a ela que continue sendo mulher, no sentido mais profundo e histórico que isso significa. É assim que se resgata a dignidade humana, é assim que se resgata a dignidade de toda uma nação.

*juiz corregedor em Joinville e conselheiro executivo da Associação Juízes Para Democracia (AJD)