sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Poluição eleitoral, por Iolmar Alves Baltazar*

Estimativas apontam que esta eleição será a mais dispendiosa da história brasileira, o que redobra a preocupação não só com a necessidade de maior transparência e controle dos financiamentos e gatos de campanhas eleitorais, mas também com a redução da poluição e com a destinação ambientalmente correta dos resíduos da propaganda eleitoral.

Aos atuais candidatos e coligações, então, abre-se o desafio de imbricar gastos com propagandas políticas e sustentabilidade, não havendo mais espaço para excessos geradores de poluição eleitoral.

O processo constante de amadurecimento da democracia está a reclamar eleições limpas também do ponto de vista socioambiental, pois é perceptível que a cada eleição aumenta o número de cidadãos que desaprovam a poluição sonora proveniente de carros de som, bem como a poluição visual decorrente de excessivos cavaletes, faixas, cartazes e muros pintados, sem falar nos santinhos que infestam o chão das cidades, sobretudo aqueles espalhados de forma criminosa no entorno dos locais de votação no dia das eleições.

Para além da aplicação da Lei da Ficha Limpa, de origem popular e gênese na Associação dos Magistrados Brasileiros, do exercício do voto livre e consciente e da rigorosa fiscalização contra a corrupção eleitoral, uma eleição verdadeiramente limpa deve abranger todo o processo eleitoral. Eventuais excessos poderão até mesmo indiciar abuso ou uso indevido do poder econômico, à medida que demonstrarão que o candidato, partido ou coligação possui dinheiro para literalmente jogar fora, em gravame do atual conceito de economia sustentável e da situação financeira do país, que recomenda austeridade.

A crise ambiental, enquanto reflexo de uma crise de valores, está a exigir mais daqueles que aspiram a ser representantes do povo e que, portanto, devem dar bons exemplos, a começar pela minimização dos impactos causados na natureza.


* Juiz Eleitoral na 80ª Zona Eleitoral – Barra Velha e São João do Itaperiú e membro da Associação Juízes para a Democracia


Fonte: Jornal Diário Catarinense de 12/09/2014

quinta-feira, 31 de julho de 2014

O Judiciário não é neutro e precisa estar do lado da democracia

por André Augusto Salvador Bezerra*

A inserção do Judiciário como poder autônomo e independente é produto da evolução do Estado Moderno ocidental, que, sob a crença da gestão científica da sociedade, teoricamente apartou em setores estanques a Política do Direito. A primeira consistiria em tarefa dos poderes Executivo e Legislativo ao passo que o Direito consistiria em atribuição da atividade jurisdicional na solução dos conflitos de interesse.
Por isso, a consideração do Judiciário como poder neutro, cujos membros, nas célebres palavras de Montesquieu, limitar-se-iam ao papel de boca da lei.
O Estado Moderno, porém, nunca foi neutro. A própria instituição do Estado de Direito a partir da Revolução Francesa de 1789 visou à concretização de um projeto de poder por parte de uma classe social que, na época, emergia como hegemônica.
Em tais termos, ao longo dos séculos, o regular funcionamento do sistema estatal objetivou o alcance de certos fins e fundamentos. Ao Judiciário, por consequência, como função do Estado, atribuiu-se historicamente o papel político e jurídico de atuar em direção a esses objetivos- ainda que por intermédio de juízes dotados do dever funcional de imparcialidade.
Vale dizer que o Judiciário tem um lado: o lado dos fins e fundamentos do Estado, seja ditatorial seja democrático.
Esse raciocínio, como não poderia deixar de ser, aplica-se à realidade do Brasil. Em 1964, quando um golpe substituiu a democracia por uma ditadura civil-militar, o Judiciário brasileiro passou a atuar em sintonia aos escopos do Estado autoritário a partir de então construído, legitimando o regime. O decreto de prisões e o silêncio institucional perante as torturas contra quem ousava contestar o sistema configuram exemplos de ações do Judiciário (em que pese a heróica resistência individual de muitos magistrados) em favor de uma realidade estatal voltada à manutenção da ordem, o que era essencial à estabilidade e à segurança dos projetos empresariais realizados pelos grupos civis que apoiavam o regime.
A promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988 parecia ser a superação do quadro ditatorial. Ao positivar uma série de direitos essenciais à democracia, o legislador constituinte impôs ao Judiciário o dever de atuar em favor dos fundamentos e dos fins dessa nova realidade estatal, dentre os quais o pluralismo político (art. 1o, V da CF) e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3o, I da CF).
A realização do megaevento empresarial da Copa do Mundo de 2014 explicitou, contudo, as dificuldades de o Judiciário brasileiro adaptar-se a tais princípios democráticos. Bastou uma parcela da população ir às ruas exercer seu direito de protestar, colocando em risco o sucesso econômico da competição, para tornar claro as violações de princípios inerentes a um Estado Democrático de Direito: a presunção de inocência, o caráter excepcional da prisão, a ampla defesa e a integridade física dos cidadãos, em muitos casos, cedem lugar à violência policial na dispersão de manifestações e à execração pública somada à privação de liberdade de ativistas tratados como terroristas.
O mais grave é que esse quadro não é peculiaridade da Copa do Mundo. Na realidade, a ampla visibilidade internacional do evento serviu para tornar manchete o que faz parte do cotidiano de moradores das regiões mais carentes do Brasil. Não é de hoje que esses cidadãos sentem na pele os efeitos da ação de um Estado que reprime e criminaliza quem se mostra como obstáculo aos interesses de empreendimentos patrocinados por determinados grupos econômicos, tal como ocorria na ditadura pós-1964.
Daí essa mesma parcela da população reprimida, comumente, identificar o Judiciário como poder do Estado situado do lado da repressão. À primeira vista a causar estranheza, ante a democracia consagrada constitucionalmente; mas, em uma análise detida, compreensível sobre um braço estatal ainda governado por presidentes de tribunais eleitos por uma minoria e dotados de amplos poderes (inclusive o de designar, sem critérios objetivos e impessoais, os magistrados para determinadas varas) e cuja principal corte, o Supremo Tribunal Federal, é composta por membros nomeados sem qualquer participação da sociedade civil.
No atual contexto de repressão levada ao grande público pela realização de megaeventos empresariais (lembrando que, dentro de dois anos, o Rio de Janeiro sediará as Olimpíadas), torna-se mais patente a necessidade de o Judiciário democratizar-se internamente. Eis um requisito essencial para, externamente, perante toda a sociedade brasileira, o Judiciário mostrar que está do lado de quem a Constituição determina: o lado da democracia.

* Presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia (AJD)
Fonte: O Estado de São Paulo de 30/07/2014

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Mais de 55 mil trabalhadores sofreram acidentes com máquinas em 2013

Ao todo, 55.118 pessoas foram mortas ou incapacitadas por máquinas perigosas e desprotegidas. Empresas resistem em cumprir e tentam suspender norma de uso
Por Alessandro da Silva e Vitor Araújo Filgueiras*

Todos os anos, milhares de trabalhadores brasileiros são mortos ou incapacitados por máquinas perigosas e desprotegidas. Em 2013, segundo dados das Comunicações de Acidentes de Trabalho ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), apenas 11 tipos de máquinas e equipamentos (como serras, prensas, tornos, frezadoras, laminadoras, calandras, máquina de embalar) provocaram 55.118 infortúnios, o que representa mais de 10% do total de 546.014 acidentes típicos comunicados pelas empresas no Brasil.
Partes móveis de máquina sem proteção na produção de cerâmica no Sergipe. Foto: Divulgação/SRTE-SE
Partes móveis de máquina sem proteção na produção de cerâmica no Sergipe. Foto: Divulgação/SRTE-SE
Norma Regulamentadora Número 12 (NR 12), editada pelo Ministério do Trabalho (MTE), é o diploma jurídico a ser obedecido pelos empregadores brasileiros para evitar que esses acidentes aconteçam, contemplando as medidas essenciais para que seres humanos não se machuquem, incapacitem ou morram ao produzir os lucros dos seus empregadores.
Entretanto, parte das empresas brasileiras e suas entidades representativas não apenas tem resistido a cumprir a NR 12, como tem atuado em diversas frentes para tentar suspender a norma, o que acarretaria a perpetuação da carnificina verificada em nosso mercado de trabalho.
Empresas e seus representantes pedem mais prazos para continuar descumprindo a NR 12, mas não revelam que a norma existe há décadas, e sua atualização, em 2010, foi produto de negociação efetuada ao longo de anos e iniciada ainda na década de 1990, com a participação ativa e consentimento dos representantes empresariais.
A redação atual da NR 12 já está em vigor há quase quatro anos, e muito antes vigiam normas técnicas da ABNT e instruções normativas do MTE que incorporavam as exigências constantes na atual NR 12. Ou seja, além de ter sido negociada com a participação do patronato por anos, a redação de 2010 da NR 12 não traz novidades ao que já era tecnicamente previsto e aplicado pelas instituições regulatórias.
Permissão para acidentes?
Assim, ao contrário do que costumam fazer quando é conveniente para preservar seus interesses, alardeando e denunciando qualquer mudança nos instrumentos jurídicos que lhes beneficiam, agora empresas e suas entidades querem simplesmente rasgar o contrato que elas mesmas assinaram, materializado na NR 12.
Mortes e acidentes de trabalho têm sido comuns na produção de ferro no Maranhão. Na foto, Kennys de Oliveira Silva, soldador morto em 2012 Foto: Divulgação/Justiça nos Trilhos
Mortes e acidentes de trabalho têm sido comuns na produção de ferro no Maranhão. Na foto, Kennys de Oliveira Silva, soldador morto em 2012 Foto: Divulgação/Justiça nos Trilhos
Depois de tantos anos de amputações e mortes, qualquer adiamento ao cumprimento da NR 12, qualquer que seja o eufemismo adotado para designa-lo, efetivamente implicará a assinatura da permissão de acidentes, perda de entes queridos e sofrimentos de milhares de famílias dos setores mais vulneráveis da nossa sociedade.
Além disso, essa postura das entidades empresariais patrocina a concorrência espúria entre as empresas, pois mais de 4 mil empresas já regularizaram seu maquinário desde 2011, após interdição da fiscalização do Ministério do Trabalho. Isso também desmente a retórica vazia que vincula a NR 12 à preservação dos postos de trabalho, que na verdade não se relacionam com a proteção de vidas, tanto assim que as empresas continuam a operar normalmente após adequar seu maquinário.
Infelizmente, as entidades empresariais optaram por atacar a NR 12 para maximizar lucros de curto prazo de forma predatória, ao invés de promover a concorrência leal e a evolução do mercado de trabalho brasileiro para um ambiente com menos mortes e sofrimento.
* Alessandro da Silva é juiz do Trabalho em Santa Catarina, membro da Associação Juízes para a Democracia e mestrando em Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Vitor Araújo Filgueiras é auditor fiscal do Trabalho, doutor em Ciências Sociais, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) da UNICAMP e pós-doutorando em Economia na Universidade de Campinas (UNICAMP).
Fonte: http://reporterbrasil.org.br/2014/07/mais-de-55-mil-trabalhadores-sofreram-acidentes-com-maquinas-em-2013/

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Resposta ao Tempo

João Marcos Buch*

Ao juiz da execução penal cabe executar as penas, com base na lei e principalmente na Constituição. Além disso, como corregedor do sistema, cabe-lhe fiscalizar as unidades prisionais, avaliando entre outros a estrutura dos prédios, os recursos humanos e as condições em que se encontram os detentos. Em síntese, cabe-lhe jurisdicionar. É muito difícil a tarefa. Dentre as pilhas de processos, agora muitos digitais, atendimentos a advogados, familiares de presos, pessoas da comunidade em geral, o juiz deve estar presente no sistema prisional. Ele deve se inserir no universo carcerário, para afirmar o direito e a Justiça.
Árdua tarefa desse juiz, cujo peso das dificuldades diariamente se deposita por sobre seus ombros. Talvez o ponto mais grave entre todas as mazelas brasileiras seja o sistema penal. Diferente de outras áreas também importantes, como a saúde e educação, no sistema penal o Estado age positivamente na violação dos direitos humanos. Primeiro, abandona a vítima à própria sorte. Depois, com base na lei, lança o acusado no sistema degradante do cárcere e logo em seguida esquece esta mesma lei. O sujeito passa a sobreviver em celas superlotadas, num estado selvagem, de desespero, que só faz recrudescer a violência vivenciada na vida em liberdade. 
Por isso é preciso jurisdicionar, mesmo que para tanto o juiz da execução penal tenha que se encontrar face à face com dezenas de presos doentes, que se apresentam com feridas abertas e infeccionadas pela escabiose, centenas de presos que passam frio, sem roupas suficientes a enfrentar o rigor invernal, dormindo no chão, sobre espumas, sem produtos de higiene, sem atendimentos médico. Mesmo que para tanto se tenha que enfrentar a face impiedosa de autoridades públicas, que não desejam que esse holocausto carcerário seja mostrado, dissecado e protestado pela população. 
O Tempo é mais lento dentro de uma prisão. As horas, os dias, semanas e anos custam a passar. E quando nessa eternidade viola-se a dignidade, o tempo fere, tortura. O juiz da execução penal pode fazer esse tempo fluir mais rápido e menos cruel, conferindo dignidade humana aos detentos. Cabe-lhe enfim jurisdicionar. Essa sua resposta ao tempo.

 Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais e Corregedor do Sistema Prisional da Comarca de Joinville/SC, membro da Associação Juízes para a Democracia

Fonte: Diário Catarinense de 12/07/2014

terça-feira, 15 de julho de 2014

Licitações sustentáveis no TCE

* Iolmar Alves Baltazar

Diante da degradação ambiental, forçoso novos padrões de produção e de consumo, sobretudo no âmbito responsivo da governança, a exemplo das licitações sustentáveis, à medida que a administração pública absorve anualmente parcela considerável do PIB em produtos e serviços.

A seleção da proposta mais vantajosa e a concorrência dos interessados em igualdade de condições não bastam para que sejam cumpridos os objetivos das licitações. A legislação passou a prever a promoção do Desenvolvimento Sustentável também como finalidade das compras públicas. Com isso, as licitações devem observar as práticas e critérios ambientais que atendam às diretrizes das políticas nacional e estadual de Proteção ao Meio Ambiente e de Desenvolvimento Sustentável, inclusive com aposição de critérios de preferência para as propostas com maior economia de recursos naturais, redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos, conforme a Política Nacional sobre Mudança do Clima.

Alguns tribunais de contas já inseriram a variável ambiental nos procedimentos fiscalizatórios. O Tribunal de Contas de Santa Catarina, recentemente publicou a Resolução 90/2014, que dispõe sobre práticas e critérios destinados à defesa do Meio Ambiente e promoção do Desenvolvimento Sustentável nas contratações. De acordo com a norma, os critérios ambientais devem permitir a avaliação objetiva na fase de habilitação e/ou no julgamento das propostas, sendo veiculados, conforme o caso, no instrumento convocatório, na especificação do objeto e/ou nas exigências de habilitação dos licitantes.

Se a sustentabilidade nas suas dimensões ambiental, social e econômica deve ser considerada nas fases interna e externa das licitações de todos os órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, o TCE dá passo importante para orientar os demais gestores públicos sujeitos que estão ao seu controle externo.

*JUIZ DE DIREITO EM BARRA VELHA, MEMBRO DA ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA


Fonte: Jornal Diário Catarinense de 14/07/2014

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Racionalizar com ternura, por João Marcos Buch*


Começamos por onde, doutor?

– Pelo pátio central da “C”.

O juiz adentrava na unidade prisional. Já havia passado por muitas, do interior do País até dos EUA e da Europa. Estava agora no Presídio Central de Porto Alegre, com cerca de 4,4 mil detentos, superlotado, obviamente. Estrutura de meio século, nunca sofrera grandes reformas. Era composto de vários blocos de dois e três andares, com centenas de detentos por andar, cada andar comandado por um “prefeito” de facção.

As celas não tinham portas e os presos circulavam livremente nas galerias, obedecendo ao “prefeito”. Não possuíam vestuário, kit de higiene e alimentação suficiente. A Brigada Militar, que, para auxiliar provisoriamente o Estado, tinha assumido o local em 1995, lá ainda permanecia, em disfunção constitucional. O juiz ficaria duas semanas na unidade para fazer um relatório a respeito. Reunir-se-ia com a sociedade civil organizada e com as instituições públicas. Faria visitas ao prédio, acompanhado de seu assessor, conversaria com brigadianos, saberia de suas carências e desafios e, claro, contataria detentos e familiares.

Naquele primeiro dia, a realidade crua da miséria humana superou seu treinamento mental. Após solicitarem ao líder de galeria que esvaziasse o ambiente, pisaram no pátio central. Pouco maior que uma quadra de esportes, chão de cimento, traves improvisadas de futebol em cada uma das extremidades, o espaço era circundado pelos prédios das galerias. As paredes, em puro reboco, eram salpicadas por janelas deterioradas, lembrando um cortiço em ruínas, com roupas e toalhas desbotadas penduradas. Nos cantos do pátio, o lixo se acumulava.

Se a visão era dolorosa, pior era o odor. O esgoto saía de buracos perto das janelas dos prédios, escorrendo pelas paredes e se depositando aos pés dos pilares. Ali, a face do precipício do caos se desnudava em toda sua tragédia. Aquele pátio era usado pelas centenas de detentos para banho de sol, almoço e visitas. Mães, pais, filhos e filhas, idosos e crianças conviviam entre lixo e esgoto. Os detentos tinham sido presos em razão da lei e acabavam alijados da própria lei, deixados à própria sorte. Como podia o Estado do século 21 admitir o depósito de seres humanos em locais tão indignos? Tal qual uma ópera, cujas vozes dos tenores e sopranos ecoam por dias após o espetáculo, aquelas sensações ficariam marcadas na pele do juiz.

– Amanhã, continuamos por mais um pátio – disse o juiz, rumo à saída. Algum tempo era necessário para racionalizar. O caminho seria longo e árduo. Mas precisava ser feito.

*JUIZ DE DIREITO DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS E CORREGEDOR DO SISTEMA PRISIONAL DA COMARCA DE JOINVILLE

Fonte: Jornal A Notícia de 04/04/2014 (http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a4465178.xml&template=4187.dwt&edition=24046&section=2479)

quinta-feira, 27 de março de 2014

Nota pública

O Núcleo Catarinense da Associação Juízes para a Democracia, entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem dentre suas finalidades o respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito e a promoção e a defesa dos princípios da democracia pluralista, bem como a difusão da cultura jurídica democrática, vem a público manifestar-se acerca da ação policial levada a cabo em 25/03/2014 no campus da UFSC.
Salta aos olhos a desproporção dos meios utilizados pela ação da Polícia Federal e da Polícia Militar para combater um crime que sequer é penalizado por nosso ordenamento jurídico. A ação se caracterizou pela intransigência e pela violência que, não raro, são a marca das forças policiais em nosso país, o que revela a necessidade urgente de discutir a remodelação dessas instituições, em particular a desmilitarização. Mais respeito à cidadania, menos repressão.
À Polícia Federal, como polícia judiciária, cabe a realização de serviços de inteligência, em vez de truculência direta e indistinta contra estudantes e professores. A presença ostensiva da Polícia Militar no campus abala o valor fundamental da autonomia universitária e das pesquisas científicas e acadêmicas.
Salientamos ainda que apontamentos mundiais sérios indicam que a forma de tratar a questão da droga refoge às políticas penais. A “guerra às drogas” já se mostrou ineficaz no combate ao tráfico e é utilizada como justificativa para a violência indiscriminada do Estado em face da população mais carente. O ambiente acadêmico é justamente o local mais adequado para se discutir esse fenômeno sem a criminalização.
A consolidação da democracia em nosso país somente será alcançada com o respeito ao Estado de Direito, no qual o exercício do poder é limitado pela observação das leis, de modo a impedir a sua utilização de forma arbitrária, em especial pelas forças da ordem.

Florianópolis, 27 de março de 2014.