Rosivaldo Toscano Jr.*
Acompanhei o caso da menina Nardoni praticamente à força. Não que eu seja insensível ao ocorrido. Trata-se de uma morte trágica de uma criança que bem poderia ser uma parente ou uma vizinha, um drama familiar envolvendo duas famílias opostas por um divórcio. Talvez essa identificação da criança como um alguém próximo explique a comoção que foi causada por esse crime.
Contudo, é abjeta a espetacularização produzida pelos meios de comunicação em massa, em especial as redes de televisão.
Recordo que logo que começou a cobertura, uma multidão de mais de cem pessoas ficou durante praticamente um mês à frente da casa dos pais de Alexandre Nardoni, ostentando faixas, cartazes e gritando palavras de ordem. Tumulto geral não somente para os familiares como para toda a vizinhança, ambas se tornando vítimas colaterais desse insuflamento das massas. Via-se num desses cartazes os seguintes dizeres “Isabella, eu te amo”. O repórter foi entrevistar o novo-famoso, um catador de lixo que tinha atravessado toda a cidade para lá estar - obivamente um ponto destacado pelo repórter -, e ele disse que não conhecia a criança, mas estava indignado com o que aqueles monstros tinham feito com ela. E exigiu: “queremos justiça”, leia-se queremos vingança!
Vivemos a era da comunicação em massa. Fatos ocorridos em outra parte do planeta nos são vendidos como se próximos fossem. Há cerca de um mês enviei um email reclamando da postura do site de um determinado jornal local (Diário de Natal) que colocava manchetes sem especificar a cidade. Quando você abria a página, verificava que se tratava de algo ocorrido no eixo Rio-São Paulo, que nada tinha a ver com o dia-a-dia local.
Vivemos uma realidade mediada. A comunicação primária (de pessoa para pessoa) e a secundária (jornais, impressos em geral) foram suplantados pela comunicação terciária (rádio e TV). Eles penetram em nossa casa com informações massivas, digeridas com apelos para condicionar e persuadir, transmitir as sensações necessárias para atingir o público e fazer com que o mesmo, reforçado pelo medo, o mais importante conteúdo para manter a atenção, dê a audiência almejada.
E a morte vende. Atinge nosso instinto mais básico, que é o de auto-proteção. Como há um processo de identificação da vítima como alguém próximo, surge um sentimento irracional de medo, cuja intensidade varia de pessoa para pessoa, pelos seus condicionantes pessoais (personalidade, história de vida, etc.). Portanto, para os meios de comunicação em massa, quanto mais trágica e aberrante a notícia, melhor. Não vejo solução nisso senão nossa percepção desse padrão de produção de notícia, não nos deixarmos sofrer, influenciados, e nem repassar esse medo a quem nos é próximo. E falo em produção e não reprodução de notícias, porque o que se transmite não é a realidade, mas sim a filtragem que o repórter, outros jornalistas e até mesmo o editor do veículo fazem antes de publicá-la.
Voltando ao caso, como juiz criminal, muitas pessoas próximas me procuraram, curiosas, para saber minha opinião. "Culpados ou inocentes?" Ao que respondi: "Só sei do caso o que os veículos de comunicação produziram. E desconheço isenção nessa produção de notícias. Por isso não posso emitir uma opinião sem ser leviano. Mas asseguro que o Júri será um simulacro de contraditório e plenitude de defesa. Eles já foram julgados, e condenados, pela mídia."
* Juiz de Direito em Natal/RN e membro da Associação Juízes para a Democracia
Fonte: http://rosivaldotoscano.blogspot.com/