Os países latino-americanos carregam uma história comum de dominação colonialista. Inicialmente pelas metrópoles que lideraram a expansão mercantilista, Portugal e Espanha, e mais recentemente pelos países centrais do sistema capitalista, com destaque para os Estados Unidos.
Profunda desigualdade e baixa mobilidade social, elites mesquinhas e subservientes aos interesses estrangeiros, grande parcela da população vivendo na miséria absoluta, são características que, com diferentes matizes, marcam as sociedades latino-americanas.
O extrativismo vegetal e mineral, em regra levado a cabo por multinacionais e a monocultura agrária, destinados à exportação, predominaram por longo período e ainda amarram a economia de muitos desses países.
No campo político, sucessivos regimes autoritários se revezaram no poder, com escassas e efêmeras tentativas de implantar a democracia. Nesse quesito, não eram garantidos os direitos individuais e as liberdades públicas, nem se permitia a participação da sociedade no manejo do Estado ou na escolha dos governantes.
Sequer no aspecto formal a democracia nos era permitida.
Apesar de tantas semelhanças, durante séculos esses países viveram de costas uns para os outros, em uma espécie de competição para revelar quem estava menos mal.
O caso brasileiro é ainda mais acentuado, já que a diferença da língua contribuiu para nos isolássemos ainda mais dos vizinhos, mas não impediu de buscarmos nos assemelhar à metrópole. Do ponto de vista deles, nunca deixamos de ser exóticos, a ponto de seu senso comum indicar Buenos Aires como a capital do Brasil.
Contudo, como disse o poeta, o tempo não para, e os ventos de mudança também chegaram até nuestra Latino-América.
Há tempos que são percebidos sinais de decadência na economia dos países centrais, com o deslocamento de atividades para outras regiões do globo, em particular para China.
A crise financeira de 2008 deu a noção mais clara da gravidade do problema, a ponto de levar alguns países à falência. Não custa relembrar que os mais afetados foram justamente aqueles que cumpriram à risca as determinações neoliberais ditadas pelo FMI e Banco Mundial, como Islândia, Grécia e Irlanda.
Nem mesmo a maior economia do planeta conseguiu superar os efeitos dessa crise, apesar dos bilhões de dólares injetados pelo governo estadunidense nos bancos, para garantir o funcionamento do sistema financeiro.
Esse também foi o caminho adotado na Europa, onde muitas conquistas de sessenta anos de estado de bem-estar social foram suprimidas sem receio nem hesitação por governos subordinados aos interesses do mercado.
Aqueles que admiram e se dedicam à implantação do arcabouço institucional dos modernos estados democráticos de direito, assistiram atônitos ao esfacelamento do sistema de solidariedade social que até então servia de modelo para os países que, como nós, buscam construir sociedades menos injustas.
Em meio a constatações tão pouco animadoras, o mundo cada vez mais passou a perceber que na América Latina surgem alternativas de desenvolvimento econômico e social que responderam bem à crise e permitiram que fosse mantida a trajetória de crescimento, que nos últimos anos tem sido mais um elemento de similitude desses países.
Em vários deles o povo demonstra que está cansado da manipulação, da apropriação privadas dos recursos naturais, da opressão, das desigualdades de classe, de gênero e de etnia. O discurso falacioso de que redução de direitos acarreta crescimento econômico agoniza, após várias iniciativas que somente fizeram aumentar a miséria de milhões em prol da apropriação do lucro por poucos.
De se destacar que essa mudança se dá pelo caminho mais longo, porém que oferece mais segurança: a democracia.
Somente com instituições fortes, respeito às liberdades, garantia dos direitos sociais e das regras do jogo democrático, com participação política ampla, o governo da maioria e a alternância de poder, é que superaremos séculos de atraso e servilismo.
Nesse momento, no qual se nos defronta esse imenso desafio, são alvissareiras as iniciativas de aumentar a integração regional, por meio da troca de experiência institucional e do pensamento crítico acerca dos inúmeros problemas que são comuns à América Latina.
Com esse espírito, saudamos vivamente a criação do Grupo de Estudos Direitos Sociais na América Latina – GEDIS – (http://www.grupogedis.blogspot.com), que “se dispõe a compartilhar com a comunidade suas ideias, quase sempre na contramão do pensamento majoritário”, com o objetivo de construir “um mundo melhor, e não apenas para alguns”.
Para tanto, nos colocamos a disposição, como parceiros nas iniciativas do GEDIS e contamos com o seu apoio nas batalhas que temos abraçado.
Alessandro da Silva, juiz do trabalho, membro do conselho executivo da Associação Juízes para a Democracia