sexta-feira, 7 de março de 2014

Intolerância, por João Marcos Buch*

-Ele está rendido – eu repetia em voz alta. Era manhã de sábado, do carro tinha visto um rapaz entrando numa farmácia, anunciando assalto. Simulava estar armado (não estava). Imediatamente, liguei para a polícia. Enquanto aguardava, vi alguns homens adentrando no estabelecimento. Após alguns segundos, tiraram o rapaz, imobilizado. Embora a recomendação seja jamais tentar conter um assalto e esperar a polícia, o assaltante estava contido. Pensei, então, que tudo havia terminado bem. Estava errado. Um princípio de barbárie começou, com chutes no rapaz inconsciente, estendido na calçada. Avancei com o carro sobre a calçada, saí e lancei uma palavra de ordem.

– Ele está rendido. Todos se afastaram, alguns ao longe faziam sinal de aprovação, mas os demais estavam inconformados.

– Você não viu o que ele fez? – perguntavam.

– Vi, mas agora ele está rendido – repetia esta frase para chamar à razão aquelas pessoas. Finalmente, a polícia chegou. Relatei o ocorrido, da tentativa de assalto às agressões, e recomendei que levassem o assaltante ao pronto-socorro e, após, à delegacia para lavratura do auto de prisão em flagrante. Fui embora preocupado, não só com a situação das vítimas da farmácia, já amparadas, mas também com o que poderia ter acontecido com o rapaz.

A questão é: por que a barbárie? E por parte de pessoas que, em tese, são cumpridoras de suas obrigações e se importam com a paz. Talvez a resposta seja um conjunto de fatores. Todos nós, com alguma estabilidade, muitas vezes somos maniqueístas e não nos damos conta de que as oportunidades que temos para crescer pelo trabalho e estudo não existem para uma grande massa populacional. Por isso, não nos reconhecemos no outro.

Já a educação tem falhado em despertar no jovem a alteridade e a compreensão do contexto histórico em que se encontra. E as instituições públicas vêm se enfraquecendo, seja pela ausência de políticas de inclusão econômica e social, seja pela falta de gestão e capacidade administrativa. O resultado é um retrocesso à barbárie. A missão que temos é modificar isso. É fazer com que as pessoas tenham oportunidades para crescer, passem a acreditar em seus representantes públicos e busquem as instituições sempre que se vejam em situação precária. Ao Estado, resta comprometer-se efetivamente com as pessoas, num processo político ético. As vítimas da farmácia e a vítima da injustiça pelas próprias mãos agradeceriam.
*JUIZ DE DIREITO DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS E CORREGEDOR DO SISTEMA PRISIONAL DA COMARCA DE JOINVILLE E MEMBRO DA AJD

Fonte: Jornal A Notícia de 07/03/2014