Alexandre Morais da Rosa – Juiz de Direito/SC - Doutor em Direito (UFPR). Membro da Associação dos Juízes para Democracia - AJD
Márcio Soares Berclaz – Promotor de Justiça/PR – Membro do Ministério Público Democrático - MPD
Ao interpretar provisoriamente e de modo absolutamente equivocado a Súmula Vinculante n. 13, lamentavelmente está perdendo o Supremo Tribunal Federal a possibilidade de consolidar grande momento histórico de expressivo avanço do Estado Democrático de Direito no combate ao nepotismo no âmbito das contratações de cargos comissionados e distribuição de funções gratificadas na Administração Pública. Neste momento não se discutirá a (i) legimidade democrática das Súmulas.
Lamentavelmente, após ter afirmado acertadamente a força normativa dos princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade e igualdade do artigo 37 da Constituição da República em controle concentrado de constitucionalidade, a atual seletiva interpretação que a Corte Suprema está emprestando ao alcance da recém criada Súmula Vinculante 13 traz razões que a própria racionalidade jurídica desconhece.
Embora a redação da referida Súmula Vinculante diga que viola a Constituição a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente, em linha reta, colateral ou por afinidade, até terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal, vem teimando o STF em flexibilizar e atenuar o seu alcance, mediante o velho recurso da distinção.
A Súmula Vinculante n. 13, no seu texto normativo, sem fazer qualquer exceção ou diferença, foi, portanto, suficientemente expressa e rigorosa no sentido de proibir que parentes por qualquer meio e em até terceiro grau da autoridade nomeante (usualmente chefe de poder) ou mesmo de servidores ocupantes de cargos comissionados ou funções gratificadas possam usufruir de postos diretos no regime do serviço público. Essa a base da fonte do impedimento que deve (ria) prevalecer, salvo aprovação em concurso público, obviamente.
Qual a razão, então, de o Supremo Tribunal Federal, na apreciação liminar de recente Reclamação n. 6650[1], ter entendido que irmão (parente em segundo grau em linha reta) de Governador de Estado poderia ocupar cargo comissionado em Secretaria, simplesmente porque a Súmula não alcançaria cargos políticos, mas sim cargos administrativos? Onde reside a fonte jurídico-legal da distinção interpretativa feita pelo Supremo Tribunal em Juízo preliminar e até aqui absolutamente equivocado? Em lugar nenhum, tampouco na melhor doutrina e jurisprudência de direito constitucional e administrativo.
Paira absoluta indigência e inexistência de conceitos jurídicos sedimentados para estabelecer a diferenciação de cargos no serviço público entre políticos e administrativos. O que existe são cargos efetivos, cargos de provimento em comissão e funções gratificadas, qualquer outra categoria não passa de retórica.
Talvez a interpretação da Súmula esteja sendo feita com muito esmero, ao ponto de deixar o seu potencial de livrar o serviço público do nepotismo situado na rua dos bobos, número zero...Era uma casa muito engraçada, era uma vez que o STF pretendia banir o nepotismo do serviço público!
O discrímen realizado pela interpretação do Supremo, até aqui, mostra-se absolutamente seletivo e irrazoável. A curiosa escolha do STF estabelece perversa brecha jurídica para acentuar e agravar o clientelismo e o loteamento ilegal de cargos na Administração Pública, favorecendo o alojamento sectário e conservador de parentes por critérios nepotistas alheios ao profissionalismo e a estruturação da carreira pública justamente nos mais altos postos da Administração Pública.
Pronto: agora o administrador pode criar os cargos político que desejar para aboletar seus parentes preferidos nos melhores escalões e, ao mesmo tempo, usar o argumento da Súmula 13 para todo o resto da parentada que não quiser dar emprego! Não é uma fantástica solução? O que já parecia ser bom ficou ainda melhor...
Está dizendo até aqui o STF que o Secretário de Estado ou do Município pode ser irmão do Governador ou do Prefeito sem configurar nepotismo; o que não se pode é permitir que este mesmo irmão ocupe qualquer outro cargo subalterno da administração estadual ou municipal. Ora, ora...
Evidente que o Supremo Tribunal Federal precisa rever o seu posicionamento, sob pena de desacreditar e enfraquecer não só a concretude e efetivação real dos princípios constitucionais, como também o único sentido democrático da própria Súmula Vinculante n. 13 que acabou de editar.
De "seletividade" perversa e de punição sempre do lado mais fraco e débil, já basta à sociedade e comunidade jurídica o direito penal e o processo penal.
Ou será que o Supremo Tribunal Federal quer ver a rede da Súmula Vinculante n. 13 aplicada apenas ao peixe pequeno enquanto o tubarão continuará nadando para ocupar cargos no Poder Público na base do parentesco? Ah… íamos esquecendo que as primeiras-damas não teriam função numa secretaria social qualquer de fachada! Enfim, com uma maioria legislativa basta que se crie dezenas de Secretarias que, apesar do evidente desvio de finalidade, tudo estará em estrita conformidade com a carcaça da Súmula n.13 (ou o que sobrou dela). E os parentes prediletos, claro, devidamente empregados…