segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Campo de concentração de Sachsenhausen, por João Marcos Buch*

Caminhar por onde já foi um campo de concentração cala a alma. No caso, a caminhada foi no campo de concentração de Sachsenhausen, nos arredores da pulsante, histórica, moderna, cultural e apaixonante Berlim. Inicialmente usado para presos políticos e depois como campo de concentração nazista, conhecê-lo faz um curioso sentimento de solidão invadir o corpo, numa onda incontrolável, seguida de raios lancinantes de pensamentos. Por quê? É a pergunta que se refaz a cada passo.

A chegada por trem na aprazível cidadela de Oraniemburg, onde o campo fica, é recheada de ansiedade. Desce-se do trem e percorrem-se os dois quilômetros que levam por vielas até o campo. Transpassam-se os portões com a famosa frase “Arbeit Macht Frei”(o trabalho liberta) e então tem-se uma pequena ideia do que o nazismo significou. Uma leve ideia, porque o choque quem sente realmente é o corpo.

Numa vibração inexplicável, o corpo escuta a linguagem dos milhares de vítimas, presos judeus, presos ciganos, presos por crime de comportamento antissocial – sabe-se lá o que seja isto –, presos em razão da homossexualidade, presos por alguma doença ou deficiência, tudo que Hitler e o nazismo resolveram categorizar numa lógica falsa e monstruosa como sub-raça.

Na realidade, sente-se o grito sufocado de desespero diante da injustiça, diante das insanas experiências eugênicas, da morte, do genocídio. Daí o sentimento de solidão. É feroz a percepção da crueldade que o homem e um Estado podem cometer. Feroz também o desespero de nada poder fazer, paralisado que se fica diante do tempo. Não há mais como agir. O tempo avançou, chegou até hoje, até agora, impedindo que se volte àquele momento da história, não como um herói – heróis foram as vítimas e quem lutou para salvá-las – mas como simples indivíduo que pudesse encontrar cada um e olhar junto a face do terror. Gritar que ali também estava, junto chorar, junto sentir o medo. Dar um abraço de vida e junto seguir, para todo o sempre, ainda que para enfrentar a injustiça da morte. Mas o tempo não permitiu, cheguei tarde, cheguei fraco, humilhado.

O homem não é o lobo do homem, recuso-me a acreditar. No campo, entre os visitantes havia muitos, muitos jovens, alemães, ingleses, espanhóis, de todo o mundo. Por certo, eles também viram que o homem pode ser o lobo do homem. Mas espero que esses lindos jovens tenham sentido como eu a solidão na alma diante do horror e da dor que foi tudo aquilo.

Espero mais: que acima de tudo aprendam que outro caminho é possível, que o homem pode ser, isto sim, a paz do homem, a felicidade do homem, a humanidade do homem. E que perdoem, que nos perdoem, que se perdoem. Mas não esqueçam, jamais.

*Juiz de direito, membro da Associação Juízes para a Democracia

Fonte: A Notícia - 13 de setembro de 2011. | N° 1250