É muito difícil para vítimas da violência, como passageiros de ônibus
incendiados, agirem com racionalidade. Qualquer um numa situação dessas,
em defesa da vida, abandonaria obviamente o discurso e partiria para a
defesa, inclusive com igual ou maior força. É por isso que os agentes
públicos, representantes do Estado, precisam manter a racionalidade,
pois para isso são legitimamente constituídos. É só a partir dessa
racionalidade que é possível ter uma discussão baseada na ética e
alteridade. Assim, trago algumas considerações a respeito da violência
que vivenciamos, utilizando-me de estudos já feitos sobre o PCC em SP e
que, penso, podem servir de lição para SC.
De início, é preciso
eliminar o maniqueísmo. Seria mais simples para os “bons cidadãos” que
houvesse subculturas delitivas que pudessem ser reprimidas a fim de
permitir a estes “bons cidadãos” uma vida em paz. Não é assim que as
coisas funcionam. O crime organizado é amorfo, complexo, faz parte da
sociedade, com múltiplas posições e variantes. Boa parcela da população,
inclusive, o vê de forma positiva, outra parcela de forma negativa e
outra nada vê. O que dizer, por exemplo, do microempresário que, numa
situação hipotética, consegue recuperar um carro roubado por meio de um
“irmão” que toma cerveja com seu filho em um bar de esquina?
Ao
que se sabe, em SP o PCC se fortaleceu a partir de três pontos: a)
superlotação das cadeias, que na última década duplicou sua massa
carcerária, com precariedade dos estabelecimentos e incapacidade do
Estado em fornecer condições mínimas de cumprimento de pena conforme a
lei determina (isso não foge à regra em Santa Catarina); b) falta de
reconhecimento pelo poder público da dimensão e força do PCC; c)
investimento na polícia ostensiva como combatente da violência e
esvaziamento da Polícia Civil no mister de suas funções.
A
atuação para enfrentamento do fenômeno demanda, portanto, muito mais
conhecimento. Sua solução passa pela compreensão certa do porquê dessa
onda de violência, a que e a quem servem e como se sustentam. Como
sugestão e ponto de partida, penso que: a) A segurança pública e o
sistema prisional devem ser políticas de Estado e não de governo.
Precisam apontar projetos sólidos de investimento junto às unidades
prisionais, com salubridade para os presos, atendimento mínimo da sua
saúde e fornecimento de estudo e trabalho. Enfim, o Estado precisa
definitivamente superar os modelos medievais e violadores de nossos
presídios e lá se fazer presente. b) A Polícia Militar, Polícia Civil e
gerentes e diretores de presídios e penitenciárias devem dialogar em
caráter permanente, agindo de forma integrada, cada um dentro de suas
atribuições, todos parte do Estado, além do que igualmente precisam de
investimentos em número de servidores, valorizados e capacitados. E
mais: precisam essas instituições compreender que violência gera
violência e, portanto, sua atuação deve ser nos estritos termos da lei.
c) O Judiciário deve se fazer presente dentro das unidades prisionais,
em diálogo franco
com a população carcerária e com os agentes penitenciários, como
verdadeiro guardião da Constituição, determinando o respeito aos
direitos fundamentais e à aplicação da lei, que existe tanto para
obrigar o cumprimento correto das penas como e, principalmente, para
garantir o respeito aos direitos dos detentos.
Espera-se que a
situação volte à normalidade logo. Porém, sem uma política de Estado
séria de investimento nos presídios, será apenas questão de tempo para
novos incidentes, talvez mais graves. Pois, como já disse Dostoyevsky, o
grau de civilização em uma sociedade pode ser medido entrando em suas
prisões.
* Juiz da vara de execução penal de Joinville, membro do Conselho de Administração da Associação Juízes para a Democracia
Fonte: Jornal A Notícia de 19/11/2012 (http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3955077.xml&template=4187.dwt&edition=20838§ion=892)