Autos n° 038.13.002513-2
Ação: Outros/Outros
Autor: Portaria 1/2013
Nós vos pedimos com insistência:
Nunca digam - Isso é natural!
Diante dos acontecimentos de cada dia,
Numa época em que corre o sangue
Em que o arbitrário tem força de lei,
Em que a humanidade se desumaniza
Não digam nunca: Isso é natural.
Bertold Brecht
I- Vistos.
Lamentavelmente, no período em que este magistrado gozava de férias, bem como
também gozava de férias o Gerente do Presídio Regional de Joinville (Cristiano),
os fatos a seguir tratados acabaram acontecendo. Mas mesmo em férias, este
magistrado acabou fazendo a necessária inspeção, comunicando o juiz substituto,
cujo trabalho a frente dos feitos jurisdicionais é de exemplar proficuidade.
A partir da inspeção, foi elaborada Portaria (fl.2). Nela as considerações e
determinação foram as seguintes:
CONSIDERANDO informação prévia a este Juízo sobre operação pente-fino no
pavilhão 4 do Presídio Regional de Joinville pelo DEAP (e-mail anexo) em
18.01.2013;
CONSIDERANDO efetivamente realizada a operação na data indicada;
CONSIDERANDO que a partir 21.01.2013 este magistrado passou a receber
denúncias, segundo os quais durante a operação teria havido abuso, maus tratos,
provocações e, inclusive, lesões corporais contra os presos;
CONSIDERANDO a inspeção pessoal deste juiz em 24.1.2013 na Galeria 4 do
Presídio e a oitiva em conjunto dos detentos todos do Pavilhão 4, em contato
direto no mesmo plano das celas com cerca de 180 detentos do Pavilhão 4, tendo
deles todos ouvido que durante a operação do dia 18.01.2013 houve abuso, maus
tratos, humilhação, provocações e lesões corporais, tudo por parte dos agentes
contra os presos;
CONSIDERANDO as cartas assinadas entregues a este juiz na ocasião, contendo
elas afirmações detalhadas sobre os abusos sofridos (em anexo);
CONSIDERANDO a constatação direta deste juiz de que os detentos R.
L. S., E. S., M. S. J., V. S. N., M. M. e P. M. L. S. apresentavam
lesões das mais diversas, em princípio por instrumentos
pérfuro-corto-contusos;
CONSIDERANDO que os problemas constatados de insalubridade e péssima
higiene (ratos, baratas, possíveis focos de mosquitos transmissores da dengue,
banheiros da área de visita com esgoto entupido) serão apurados em procedimento
próprio, em portaria também instaurada,
Na forma do art.66, VII, da LEP, DETERMINA: INSTAURE-SE, REGISTRANDO-SE E
AUTUANDO-SE, PROCEDIMENTO PARA APURAÇÃO DE EVENTUAIS ABUSOS, MAUS TRATOS,
DESRESPEITO E LESÕES CORPORAIS CONTRA OS DETENTOS.
Cumprindo-se as deliberações, foram feitas as certidões sobre os autos de cada
detento, encaminhadas cópias ao Conselho Carcerário de Joinville, ao Centro de
Direitos Humanos, ao Ministério Público e à Corregedoria-Geral da Justiça/SC e
juntados aos autos os exames de corpo de delito realizados nos reeducandos, bem
como imagens de vídeos gravadas da operação.
Determinou-se ainda a requisição da relação dos agentes que atuaram na operação,
que ainda não chegou, bem como em tempo a inquirição dos detentos que sofreram
as agressões.
Considerando as imagens gravadas e os exames de corpo de delito juntados, este
procedimento pode ser encerrado, haja vista que passa à esfera criminal e
portanto deve ser encaminhado aos órgãos competentes, onde a relação dos
referidos agentes deverá ser entregue e a inquirição de vítimas e indiciados
deverá ser feita.
De plano percebe-se que em princípio a operação pente-fino de 18.01.13 junto ao
Presídio Regional de Joinville foi realizada exclusivamente por agentes do
Deap.
Pelos exames de corpo de delito constata-se que os detentos relacionados
sofreram lesões corporais de energia de ordem mecânica – instrumento
contundente, ou seja:
- exame de fl.38: equimose amarelada de 5 cm no braço direito, equimose
amarelada de 12 cm no braço esquerdo, equimose amarelada 2 cm e 3 cm no tórax
anteriormente;
- exame de fl.40: halo equimótico de 10 cm de diâmetro e com escoriação
central em face anterior de coxa direita no seu terço distal;
- exame de fl.41: Escoriação de 4 cm, sangrando, em porção superior
posterior do seu tórax sobre o acrômio à direita;
- exame de fl.42: três halos equimóticos circulares de 4 cm em face
anterior de coxa direita no seu terço proximal;
- exame de fl.43: escoriação plana extensa sangrando em face posterior de
coxa esquerda no seu terço superior;
- exame de fl.44: ferida contusa em perna direita, sangrando, e outras
feridas menores escoriadas em face posterior de perna direita; escoriações
recentes de 4 cm em nádega direita.
Por outro lado, as imagens gravadas, especificamente no DVD 1, juntado à
fl.32, aproximadamente nos horários das 8h55min, 9h21min, 9h34min, 11h23min e
11h28min falam por si. Nelas se percebe claramente agentes do Deap na área de
banho de sol do Pavilhão 4, disparando à queima roupa armas ao que parece
calibre 12 com munição não letal, bombas de efeito moral, gás de pimenta e
também dando "voadoras" calçadas com botas e coturnos, tudo diretamente contra
de detentos nus, sentados (dezenas) no chão de cimento, perfilados ombro a
ombro, voltados para a parede, com as mãos na nuca, imóveis por mais de duas
horas. São imagens graves. Resta saber o que pode ter havido dentro das
galerias, nas celas, de onde não se obteve filmagens e de onde os detentos foram
retirados.
Neste ponto, esgotam-se as palavras.
Este Juiz, membro de Poder, cuja prerrogativa constitucional irrenunciável é
garantir e fazer valer os preceitos constitucionais, dentre os quais está a
expressa vedação à tortura (art.5º, III, da CF - cláusula pétrea, de eternidade)
cuja base foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos, não vai permitir que
fatos grave como os que ocorreram passem por seus olhos sem tomar as
providências sérias que a situação está a exigir.
Diante do
exposto:
URGENTE:
I.1- Na forma do art.66, VII, da LEP c/c art.5º, II, do CPP,
requisites-e ao Delegado de Polícia da 8ª Delegacia de Polícia de
Joinville, com cópia destes autos, incluindo os DVDs, a instauração de
inquérito policial para apuração dos crimes de lesão corporal, abuso de
autoridade, disparo de arma e tortura, independentemente de outros que venha a
averiguar, sem prejuízo de eventual representação de prisão preventiva ou medida
cautelar alternativa dos agentes penitenciários envolvidos nos fatos.
I.2- Encaminhe-se cópia destes autos, incluindo os DVDs ao Ministério Público,
ao Conselho de Direitos Humanos e ao Conselho Carcerário de Joinville para o que
de direito;
I.3- Encaminhe-se cópia destes autos, incluindo os DVDs à Delegada Corregedora
da Secretaria de Justiça e Cidadania, para os processos disciplinares
cabíveis.
I.4- Dê-se conhecimento à Corregedoria-Geral de Justiça.
II-
Da publicidade dos atos.
Finalmente, não gozando o feito de segredo de justiça, alguns
esclarecimentos devem ser versados no que diz respeito ao acesso franqueado aos
segmentos midiáticos acerca destes autos. Não se pode ignorar que o inciso IX do
art. 93 da CF determina que todos os julgamentos serão públicos, bem como que
todas as decisões serão fundamentadas. Estas determinações, aliás, possuem
inegável efeito de imbricação, na medida em que quanto mais públicas as
decisões, maior controle social sofrerão e, inegavelmente, maior a
necessidade de suas fundamentações.
É importante lembrar que os jornais são os olhos e ouvidos de uma nação (Rui
Barbosa). Jornalistas éticos são testemunhas do poder e da vida, são
garantidores das liberdades públicas e dos direitos individuais. Por isso mesmo
a Constituição Federal estabelece em seu art.220, §§1º e 2º, que nenhuma lei
conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de
informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, vedando toda
a qualquer censura de natureza política, ideológica e
artística. Na espécie, a situação extravasa todo e qualquer
caráter de sigilo que pudesse pairar sobre estes autos, devendo assim ser
ponderada e prevalecer.
Com efeito, em havendo procura pelos meios de comunicação (o que por certo
haverá, uma vez que familiares de detentos e os próprios vem insistindo e
denunciando os fatos havidos), autorizo desde já o acesso sobre a
Portaria inicial, sobre este despacho, sobre os exames de corpo de
delito e sobre os DVDs das imagens gravadas, preservados os nomes e dados
particulares dos detentos e dos investigados e respeitada de qualquer forma a
ética que deve reger a imprensa.
Joinville (SC), 01 de fevereiro de 2013.
João Marcos Buch
Juiz de
Direito
* A decisão é pública e pode ser acessada na página do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (www.tjsc.jus.br) por meio do número dos autos.
* A decisão é pública e pode ser acessada na página do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (www.tjsc.jus.br) por meio do número dos autos.