segunda-feira, 19 de março de 2012

Lei Geral da Copa – o novo jogo da criminalização, por João Marcos Buch*

Com a Copa do Mundo de 2014 batendo à porta do país do futebol, o que não faltam são dúvidas sobre a capacidade de realização de um dos maiores eventos do planeta. A sexta economia mundial tenta se preparar com investimento e privatização de aeroportos, (re)construção de estádios, revitalização de rodovias e reestruturação de transportes e mobilidade urbana. Caminhando a passos largos ao lado disso tudo, o Congresso debate a Lei Geral da Copa.

Encomendada pela Fifa, prevê a proposta de lei desde a desconsideração da meia-entrada, passando pela responsabilidade objetiva da União sobre danos causados à Fifa, chegando à liberação de consumo de cerveja dentro dos estádios. Não se esqueça que a federação tem patrocínio de uma específica marca da bebida. Verifica-se assim que esta lei acerta em cheio e fere de morte o princípio constitucional da impessoalidade, ao qual o processo legislativo está submetido. Porém, não é só. A lei cria novos tipos penais, estabelecendo penas mais graves a ações que tenham como vítima a Fifa, em especial seus direitos autorais, com processamento e julgamento sumários. Ou seja, passando por cima da Constituição brasileira, a Fifa pretende privilégios a ninguém mais estendidos.

E não se para nisso. Quiçá sem o pontapé inicial da Fifa, noticia-se que a reforma do Código Penal está a prometer rigor contra milícias e, pasme, terrorismo. Ora, um código que data da primeira metade do século 20, que há tempos sofre certeiras críticas, com profunda necessidade de revisão, a fim de no mínimo se amoldar ao filtro constitucional, mas cuja importância do tema nunca foi levada em consideração, agora, porque a Copa do Mundo se aproxima, está na pauta do dia. Além disso, pensa-se na tipificação do terrorismo.

Ora, o Brasil, que não é obviamente um exemplo de paz urbana, não possui histórico acentuado de atos terroristas em seu território, assim como não sofre ataques fundamentalistas em suas embaixadas mundo afora. O Brasil é, felizmente, um país que goza de simpatia por todos os lugares, onde basta falar o nome Pelé para que as faces das mais distantes e diferentes sociedades se abram num sorriso sincero. É claro que não se pode pensar a questão com simplicidade, pois complexa é sua natureza. Porém, criar um tipo penal de questionável necessidade poderá levar exatamente ao contrário do que se objetiva. Ou seja, levantar a atenção e criar uma legislação penal antiterror onde terror não há pode fazer nascer o terror.

Se é uma Copa do Mundo pacífica que se deseja, então todos que levam a Constituição a sério precisam enfrentar essa nova onda criminalizadora encomendada pela Fifa. Pílulas legislativas penais, apresentadas como milagrosas e que violam o princípio da impessoalidade, nunca trouxeram e não trarão a paz. 

*juiz de direito e membro do Conselho de Administração da AJD

Fonte: Jornal A Notícia de 16/03/2012 (http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3696483.xml&template=4187.dwt&edition=19205&section=892)