segunda-feira, 11 de junho de 2012

Diálogos da criminologia e política criminal, por João Marcos Buch*


-Mas se os fatores sociais é que levam a pessoa ao crime, por que nem todos que vivem em condições precárias são criminosos?

– Boa pergunta. Ela remete à discussão entre o determinismo e o livre-arbítrio, ou seja, se o crime é algo intrínseco a alguns indivíduos ou se o ser humano é senhor de seus atos e pode escolher livremente.

– E o que você defende?

– Nem um, nem outro. O ser humano é complexo. Ele tem sua essência individual, mas, conforme as experiências ao longo da vida, acaba escolhendo estes ou aqueles caminhos. Ele é um produto do seu tempo, que evolui conforme o contrato social.

– Então o ser humano tem ou não livre- arbítrio?

– Tem. Ocorre que em geral suas características intrínsecas e essenciais se modificam conforme as experiências e sua relação com o mundo vão acontecendo.

– Isso significa que escolher o certo dependerá tanto do indivíduo quanto do meio em que ele vive?

– Exatamente. E a violência pode ser consequência disso. A criminologia moderna explica que a violência urbana – não estou falando dos crimes do colarinho branco ou aqueles decorrentes de psicoses – decorre de modo geral de fatores muito mais sociais do que individuais.

– Agora é que não entendo mais!

– Entende. Não é a pobreza que gera a violência. A violência segue a linha da riqueza. Quanto maior é o desnível socioeconômico, maior será a violência.

– Poderia identificar alguma situação concreta?

– Sim. Em Cuba, por exemplo, com todos os problemas sobre a falta de liberdade, o índice de violência é baixo. Lá, a maioria é economicamente humilde, sem distinção de classe. Na Dinamarca, também não há violência. A maioria pertence à classe A. Nesses dois países, não há desnível social, e o resultado é que todos convivem pacificamente.

– E no Brasil?

– No Brasil, há um abismo socioeconômico. Esse abismo, aliado à desorganização da comunidade e ao desejo pessoal em pertencer a uma classe economicamente superior, sem aporte familiar, tampouco orientação escolar eficiente, faz com que o jovem trilhe meios não oficiais para conseguir os bens materiais que na sua ideia lhe trarão felicidade.

– E esses meios são os crimes?

– Isso. É como se o jovem fosse convidado para a festa mas barrado na porta. O grave é que o Estado tem apenas encarcerado, sem buscar explicações para a violência e sem políticas públicas inclusivas. Daí o resultado do número de presos ter duplicado na última década, chegando ao meio milhão, sem redução da violência urbana.

– Então, onde há desnível social, com os meios de comunicação e o mundo capitalista martelando na cabeça do adolescente que a felicidade está no ter, nesse caso a probabilidade de violência urbana é maior. E como no Brasil o desnível social continua muito alto e o Estado não quer saber os motivos da violência, o número de encarcerados só aumenta e a violência não diminui, certo?

– Sim. Apenas temos que repetir que isso não significa que todos os que vivem nessas condições são criminosos, jamais. A maioria das pessoas respeita a lei. Porém, em confronto perene com a riqueza do outro lado da rua, e com as imposições da felicidade pelo consumo, a probabilidade de haver mais violência urbana é maior.

– Agora entendi.

– Ótimo, mas não podemos esquecer que o tema é complexo e não se restringe a fórmulas matemáticas. A criminologia crítica pode esclarecer melhor como funcionam os meandros da formação legal de uma sociedade. E isso é um outro diálogo.

*Juiz de direito e conselheiro executivo da Associação Juízes para Democracia (AJD)

Fonte:  http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3783555.xml&template=4187.dwt&edition=19764&section=892