Uma onda de manifestações populares varre o Brasil. As passeatas
começaram pelo Movimento Passe Livre em São Paulo. É um movimento que
luta pelo direito ao transporte público sem custos ou menores custos, no
caso paulista pelo não aumento de 20 centavos no passe. Neste caso, a
falta de aptidão das autoridades no trato da situação acabou por
fomentar uma grande mobilização País afora.
O Movimento Passe
Livre começou na paz. Mas, como em todas as manifestações populares,
sempre há grupos minoritários que pregam a violência como única forma de
chamar a atenção ou grupos de pessoas descomprometidas com qualquer
causa. Essa violência aconteceu. E o comando da Segurança Pública
revidou esses menores atos com ações desproporcionais contra todos os
manifestantes. São Paulo parecia ter retroagido no tempo, submetido a
autoridades inconsequentes exatamente como ocorreu no massacre do
Carandiru.
Atos precipitados, que ignoravam que os tempos são
outros e que as liberdades públicas se firmaram para nunca mais sair. É
claro que a partir disso, aliado ao silêncio das autoridades, a
mobilização cresceu. E novamente foi retalhada, com mais vigor ainda. A
onda assim ganhou corpo oceânico. As redes sociais, eficaz instrumento
da democracia (vide Primavera Árabe), articularam-se e as pessoas foram
para a rua protestar. Somente então é que o Estado, percebendo que São
Paulo não é Istambul e que o Brasil não é a Turquia, fez a polícia
compreender que sua função é, ao mesmo tempo, garantir a segurança, a
liberdade de expressão e o direito de ir e vir de todos. Esse o desafio e
a razão do Estado democrático de direito.
O movimento principal é
o do “passe livre”. Porém, muitas bandeiras outras são defendidas,
conforme a indignação de cada um. Há quem esteja indignado com a
corrupção, há quem esteja indignado com a carga de impostos, com a
violência, com a (in)justiça, com a ausência de políticas públicas de
saúde, educação e segurança. Há quem esteja indignado com os custos da
Copa do Mundo por vir, cujo investimento poderia ser feito nas políticas
de combate à pobreza e à desigualdade social.
Naturalmente, os
grupos são heterogêneos, provenientes de diferentes classes sociais. Mas
há um ponto em comum entre todos. Pergunte aos milhões de manifestantes
das ruas: você se sente representado pelos agentes políticos? Aí é que
está a vala do rompimento. A resposta será não, que não se veem
representados.
O resultado é que a passeata inicial do Movimento
Passe Livre e a inabilidade do Estado na movimentação popular foram as
gotas d’água que fizeram transbordar o pote de insatisfação das pessoas.
Os brasileiros em geral sentem que após exercer seu direito ao voto e
eleger seus representantes, as promessas e os compromissos assumidos se
perdem. Sentem que as decisões políticas dos representantes do povo
acabam não mais retratando a vontade popular. A consequência está aí,
nas ruas, nos panfletos e cartazes expressando um basta.
Muitos
dos movimentos sociais que agora ganham visibilidade já há muito
iniciaram suas lutas, o “passe livre” é um deles. Eles tomam força. Mas
precisam ficar alertas. Não faltam iniciativas que visam a
criminalizá-los (vide projeto do novo Código Penal). Espera-se que essas
organizações populares saibam canalizar essa legitimidade para além dos
20 centavos do passe. E a lição que os governos precisam tirar disso é
que o Brasil não é mais um país cujo povo aceita passivamente decisões
que definem seu destino. Como disse Engels, “um grama de ação vale mais
do que uma tonelada de teoria”. Esse movimento jovem e esmagadoramente
pacífico é uma tonelada de ação, pura energia para o fortalecimento dos
valores democráticos. O Brasil mudou, e mudou para melhor.
*juiz corregedor em Joinville e conselheiro executivo da Associação Juízes para Democracia (AJD)
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a4175580.xml&template=4187.dwt&edition=22201§ion=892