segunda-feira, 19 de abril de 2010

É cansativo, por João Marcos Buch*

Outra vez, mais uma vez, novamente, cai sobre o povo brasileiro a notícia de uma violência bárbara, terrível, horrível, desta vez retratada em seis assassinatos de jovens rapazes no interior de Goiás. Acusações de um lado, responsabilizações de outro, permeado da indignação, choro e desespero dos parentes dos jovens vitimados e também outra vez, mais uma vez, novamente, não faltam afirmações de que as penas são brandas, que a Justiça é leniente, que lugar de bandido é na cadeia.

Tentar lançar um olhar um pouco mais claro, quiçá científico, com consciência de nossas idiossincrasias e empirismos sobre o fenômeno da violência, num momento em que a paranoia coletiva é alimentada por meios de comunicação descompromissados com a ética, acaba sendo cansativo.

É cansativo presenciar formadores de opinião vomitando palavras de sangue, batendo nas mesas e clamando por endurecimento das leis, numa pseudojustificativa de segurança. Junto deles, comentaristas, até os econômicos, em jornais matinais e noturnos informam as últimas soluções para a criminalidade e celebridades apontam as pílulas milagrosas para a ordem no caos, tudo sob a ótica de graves punições, às vezes mais bárbaras, se é que é possível, que o próprio hediondo ato provocador de toda histeria.

É cansativo observar que situações pontuais não retratam em absoluto a grande maioria das situações de violência urbana que flagela a população e não podem ser comparadas ao furto de uma barra de chocolate num supermercado, à venda de uma pedra de crack no Centro da cidade, ao roubo de um relógio de um motorista no semáforo da esquina. É cansativo repetir outra vez que a violência urbana não se resolve com a violência do cárcere. Que o encarceramento em massa é exatamente o atestado de falência do Estado de bem-estar social. Que no Brasil encarceram-se especialmente pobres, migrantes e negros, o que se constata com uma breve visita a qualquer prisão do País. Que para além de medidas segregatórias, são necessárias políticas públicas sérias de educação, saneamento, habitação, emprego e saúde e que, sem isto, prender por prender é justamente insuflar o crime.

É cansativo alertar que tomar casos isolados para flexibilizar princípios fundamentais de proteção e respeito aos direitos humanos é afrontar o Estado de direito, romper com o sistema do direito penal, transformando questões sociais em questões de polícia e adentrando no movediço e perigoso terreno da tirania e absolutismo. É cansativo refletir que em algumas situações a presença do Estado talvez tenha que acontecer antes de tudo no campo do direito à saúde, incluindo a mental, pois nos meandros penais as perícias psiquiátricas muitas vezes, de forma curiosa, apesar de indicarem psicoses ou dependências graves em psicotrópicos, concluem pela responsabilidade plena dos doentes.

É cansativo lembrar que a prerrogativa irrenunciável da jurisdição implica que o juiz atue com independência e liberdade de convencimento, dele exigindo-se apenas a motivação de suas decisões. É cansativo presenciar que a dor das famílias dos jovens ceifados da vida só serve para muitos pregarem ódio e rancor, sem preocupações com o amparo de que elas necessitam, após perdas tão grandes e irreparáveis. É cansativo, tão cansativo quanto o eterno recomeço de Sísifo. Diferente dele, porém, este cansaço acaba em indignação, a indignação em força e a força em esperança de que ainda há solução. Solução racional, lúcida, principalmente pacífica.

*Juiz de direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Joinville/SC e membro da Associação Juízes para a Democracia

Fonte: Jornal A Notícia de 15/04/2010

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Resolução do CNJ "transforma o juiz em soldado"

Do juiz Marcelo Semer, ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia, sobre a Resolução nº 106/210, do Conselho Nacional de Justiça, que adota critérios objetivos para promoção de magistrados:

A resolução do CNJ é um despautério. Eles criam normas como se fossem legisladores, sem qualquer pudor. E, se a idéia de tornar objetivo o merecimento fosse para evitar o subjetivismo da promoção é certamente um tiro n'água. Mas o mais grave é a supressão da independência. Um gravíssimo erro conceitual que, se aceito, transforma o juiz em soldado.

Segundo a resolução do CNJ, mede-se a qualidade de sentença pelo respeito à jurisprudência dos tribunais superiores. Será mérito do juiz seu “alinhamento” com as metas administrativas do Judiciário e a “adequação” ao código de ética criado pelo próprio órgão. E o que o Conselho vesgamente chamou de princípio de “disciplina judiciária” se sobrepõe à independência do juiz –que, no máximo, poderá “ressalvar seu entendimento” se contrário à jurisprudência.

Trata-se de uma inequívoca tentativa de hierarquizar o Judiciário e tratar o magistrado como um funcionário que deve obediência, um retrocesso sem proporção, compatível, apenas, com as críticas que o ministro Gilmar Mendes vinha fazendo, durante toda sua gestão, à independência judicial.

É lamentável que os demais membros do Conselho, que tem por função constitucional zelar pela autonomia do Judiciário e o cumprimento das normas do Estatuto da Magistratura, tenham aceitado descaracterizar desta forma a noção de jurisdição.

Fonte: http://blogdofred.folha.blog.uol.com.br/