Rogério Queiroz, 73, advogado, ex-vereador de Florianópolis e ex-presidente da União Catarinense de Estudantes (UCE) de maio de 1963 a abril de 1964, preso duas vezes pela ditadura civil-militar, foi ouvido pela Comissão Estadual da Verdade na tarde desta segunda-feira (19) no Plenarinho Deputado Paulo Stuart Wright da Assembleia Legislativa. “A primeira prisão ocorreu em 17 de abril de 64 e a segunda em junho do mesmo ano. Na primeira vez fiquei 25 dias na penitenciária estadual, em um anexo, com mais de 100 presos políticos. Tenho uma relação com os nomes, fiz a lápis, está guardada em minha casa”, explicou.
Em junho de 64, Rogério foi preso novamente. “Fiquei seis, sete horas depondo no Dops. De lá fui transferido para o quartel da Polícia Militar, onde estavam presos Luiz Henrique da Silveira, Salim Miguel, Francisco Mastela, Adi ‘Macarrão’ Vieira Filho. Passei o meu aniversário, 9 de junho, na prisão”, contou. Rogério afirmou que não foi torturado fisicamente, nem lembrou o nome daqueles que o prenderam.
De acordo com o ex-preso político, “a comida no quartel da PM era servida direitinho”, mas havia comentários “sobre fulano que faleceu, outro que desapareceu”, uma espécie de tortura psicológica. “A pessoa não identifica como tortura, mas influencia a vida toda. Acho que não sofri tanto”, resumiu.
Ele revelou que na noite anterior à segunda prisão, apesar da recomendação expressa para não sair de casa (morava nas proximidades do Palácio Cruz e Sousa), teimou em ir ao Cine Roxy, localizado junto à Catedral. “Pensei, ninguém vai me ver, fui a quatro passos, mas no dia seguinte vieram me buscar para prestar depoimentos”, explicou.
O presidente da Comissão Estadual da Verdade, Naldi Otávio Teixeira, questionou Rogério acerca dos motivos que o levaram à prisão. O ex-preso respondeu que a motivação foi essencialmente política. “Fazíamos política, tudo certinho, tudo aberto. Fomos em passeata até a casa do prefeito de Florianópolis protestar contra o aumento das passagens. Naquela ocasião, depois me contaram, os agentes tinham recebido ordem de atirar em mim, mas na última hora mudaram a ordem”, relatou.
Jornal Reforma
Durante o período em que permaneceu à frente da UCE, Rogério e outros universitários editaram o jornal Reforma, de conteúdo político, distribuído gratuitamente entre estudantes e simpatizantes às reformas de base defendidas pelo presidente João Goulart. “Os estudantes lideravam o processo”, observou o ex-líder estudantil, acrescentando que o jornal combatia as oligarquias Konder-Bornhausen e Ramos.
Rogério doou uma coleção completa do jornal ao Poder Legislativo barriga-verde. Atualmente, os exemplares, amarelados e puídos, estão sob os cuidados do Centro de Memória, disponíveis à consulta pública.
Na edição de 15 de janeiro de 1964, menos de três meses antes do golpe civil-militar, “Reforma” destacou na contracapa e na página seis uma ameaça de morte contra o então deputado estadual Paulo Stuart Wright, do Partido Social Progressista (PSP), de Joaçaba. Segundo o registro, “o sargento Júlio D’Ávila, nos depoimentos que prestou nos inquéritos instalados pela DRP e pela Polícia Militar, declarou que fora convidado pelo suplente de deputado estadual Manoel Santos, conhecido marginal e bicheiro, para assassinar Paulo Wright. Em troca do assassínio receberia Cr$ 100.000,00 de entrada, um revolver e Cr$ 50.000,00 mensais até o fim do presente período parlamentar”.
A matéria continua com manifesto da União Operária Estudantil e termina mirando alto: “nem o governador, nem a mesa da Assembleia (ambos do PSD) demonstraram um interesse efetivo em esclarecer a questão, apurando devidamente as responsabilidades”.
Prisões de pai e filho
Questionado pelo representante da OAB/SC na Comissão Estadual da Verdade, Anselmo Machado, sobre a prisão de juízes nos primeiros dias do golpe, Rogério lembrou do desembargador José do Patrocínio Gallotti, “que não perdia uma reunião da UCE, sempre participando, ele, José Garcia e Laurita, para dar estímulo. Foram sempre bem-vindos”, lembrou.
Conforme apurou a Agência AL, José do Patrocínio também foi preso, assim como seu filho, Paulo Benjamin Fragoso Gallotti, hoje ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça.
A vida depois das prisões
Após as prisões, vida dos ex-presos mudava completamente. À época, Rogério era funcionário do DNER e foi demitido. “Não se conseguia trabalho”, contou. Em 1966, com 26 anos, o ex-preso foi para Paris cursar administração pública. “Para me especializar”, comentou.
Quando retornou, abriu, com outro companheiro de desventuras, um escritório de assessoramento aos municípios. “Percorri o estado apresentando o escritório, mas aí veio general Rosinha e criou um departamento público para assessorar os municípios”.
Ele também contou que um dos tantos florianopolitanos que o visitaram na época em que morou na França disse-lhe, certa vez: “Rogério vou te confessar, teu nome foi cogitado para a Telesc, o ato estava pronto para ser assinado, mas não houve maneira de ser assinado”. Em outra oportunidade, a empresa Portobello recebeu um recado explícito: “não coloquem o Rogério Queiroz no setor de exportações”.
Depois da Anistia, em 1979, Rogério Queiroz elegeu-se vereador em Florianópolis e até hoje é conhecido com um lutador, que se mantém ativo à frente do Conselho Comunitário da Praia da Daniela, balneário situado na região oeste da Ilha de Santa Catarina.
A Comissão Estadual da Verdade
O objetivo da Comissão Estadual da Verdade é contribuir com a Comissão Nacional da Verdade e dispor aos catarinenses, através dos registros da TVAL e da Agência AL, o conhecimento de fatos decorridos de violações de direitos humanos praticados pelo estado brasileiro de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. (Vitor Santos)
Trechos do depoimento de Rogério Queiroz
Um retrato da época
“Foi um período difícil. Havia cerca de mil estudantes universitários na UFSC nos cursos de Direito, Filosofia, Farmácia Odontologia e Ciências Econômicas. A cidade era pequena, com 54 mil habitantes. Temos de retornar aos anos 1960 para nos situarmos. O centro nevrálgico era a UCE, na rua Álvaro de Carvalho. Os estudantes se metiam em tudo, se levantavam contra o status quo.
Era uma ebulição total, fazíamos reuniões abertas. Os agentes chegavam como polícia secreta portuguesa. Sabíamos quem eram. Volta e meia encontro um deles e cumprimento, como o policial civil Miranda Gomes, hoje com quase 90 anos. Me recordo também do Otacílio Schüller Sobrinho, nosso diretor financeiro da UCE. Sabíamos que ele informava a polícia, trabalhava ao lado do doutor Jade Magalhães, secretário de Segurança Pública e do delegado Jorge Pinheiro”.
O papel dos estudantes
“Hoje fico emocionado com o papel que os estudantes tiveram na criação da cidade universitária. O reitor Ferreira Lima não queria levar a universidade para a Trindade. Como seria Florianópolis se a universidade não tivesse sido transferida do centro? Graças à visão dos professores Henrique Fontes e Henrique Stodieck, mesmo com o reitor contra, os estudantes conseguiram que a universidade fosse para a Trindade”.