quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Entre a Luz e a Sombra, por João Marcos Buch*


Humano, demasiado humano. O premiado documentário “Entre a Luz e a Sombra”, de Luciana Burlamaqui a respeito da vida da atriz Sophia Bisilliat, da dupla de rap 509-E formada por Dexter e Afro-X e de um juiz que acredita em meios dignos de ressocialização, cujos destinos se cruzaram no complexo do Carandiru por cerca de sete anos, traz ao espectador sentimentos confusos e raciocínios truncados. Não é fácil pensar e ver alguns palmos à frente do nariz.

O filme em sua cruel realidade nos faz lembrar dos fundamentos históricos da violência e da natureza humana. Aponta os fatores da caminhada do crime urbano, dentre eles os sociais, neoliberais, da indústria do consumo, da privação de oportunidades, afeto, educação e trabalho dignos. Ao mesmo tempo, mostra a desgraça de um estado ausente em direitos individuais e sociais e presente no chicote da pena. O pior é que o Carandiru, muito embora implodido há uns pares de anos, continua existindo por todos os lados.

Em Joinville, por exemplo, ainda que o Estado tente empurrar para debaixo do tapete o medieval Presídio Regional, lá está ele, vivo, pulsando, uma verdadeira panela de pressão. Por anos a fio, nossos governantes vêm tentando ignorar a superlotação e aumento da população carcerária, que na última década dobrou e em Joinville: passou de cerca de 500 para mil detentos. Basta uma simples visita ao Presídio Regional para perceber a falta de saneamento básico, com esgotos que transbordam; a alimentação inadequada, despida das mais básicas regras nutricionais; a negação de produtos de higiene pessoal, com detentos dependendo de familiares e favores internos para obtenção de um simples xampu ou uma pasta de dente; a carência de servidores devidamente valorizados, sem estrutura material ou amparo psicológico.

Falta tudo e falta, principalmente, respeito, respeito com o ser humano, especialmente com aquele já historicamente ignorado e usado como massa de manobra e consumo. Então, quando algo dá errado, quando na falta do Estado legal o paralegal se instala e rebeliões acontecem, as autoridades aparecem, lançam acusações e propalam planos de duvidosa execução. E a sociedade descrente e mal informada varre para debaixo do tapete novamente esta parte de seu corpo, na esperança medrosa de que as coisas se acalmem. Ledo engano. “Entre a Luz e a Sombra” coloca alguma lógica em tudo isso e mostra a irracionalidade ignorante do sistema penitenciário e as políticas públicas pouco sérias a respeito, que só fazem alimentar essa tragédia social.

Quiçá nossos governantes também assistam ao documentário. Melhor, quiçá destinem uma pequena parte de seu tempo para olhar o problema com honra e coragem. Então, assim como Nietzsche fez há mais de 130 anos, reconheceriam nossa natureza humana, demasiada humana, e com humildade e ética tentariam de vez trabalhar na construção de uma sociedade mais solidária e justa.


*juiz de direito, membro da Associação Juízes para a Democracia


Fonte: Jornal A Notícia de 24/01/2012 (http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3640831.xml&template=4187.dwt&edition=18848&section=892)

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Investigações criminais, por Iolmar Alves Baltazar*


Investigações policiais importantes têm sido anuladas pelo Judiciário, a exemplo da Operação Satiagraha, gerando sensação de impunidade. Recentemente, rumorosa denúncia contra o ex-governador Leonel Pavan foi rejeitada. Em 20 de dezembro, ao conceder habeas corpus ao coronel Djalma Beltrami, acusado de receber propina de traficantes de São Gonçalo (RJ), o desembargador Paulo Rangel registrou perplexamente que “investigação não é brinquedo de polícia”.
O sistema jurídico brasileiro, desde 1988, está estruturado sob um regime republicano e democrático, calcado em garantias constitucionais. No entanto, ainda convivemos com renitentes procedimentos e práticas criminais inquisitoriais que produzem dissonâncias insanáveis no plano da validade das provas produzidas. O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Jorge Mussi, quando da invalidação da operação Castelo de Areia, assentou que “essa volúpia desenfreada de se construir arremedos de prova acaba por ferir de morte a Constituição”. Logo, são inservíveis denúncias anônimas, escutas ilegais, torturas, invasões de domicílio e quaisquer abusos de autoridade. Para o combate da criminalidade, forçoso concluir que os fins não justificam os meios, sob o risco de revivermos barbáries contra a humanidade.
Parece ser chegada a hora de abandonarmos o agônico inquérito policial (existente em poucos países) e pensarmos na figura do promotor investigador, adotada com sucesso por países europeus, sendo um retrocesso, portanto, a chamada PEC da Corrupção.
Se a Constituição assegura um sistema acusatório, instrução em contraditório, defesa aberta e debate público, o objeto da investigação deve ser previamente definido e afirmado e, enquanto não provado, o acusado presumido inocente. Talvez o grande equívoco resida no fato de a polícia exercer suas funções em constante ambiguidade, ao praticar atos discricionários, mas vinculada pela legalidade da persecução criminal. (p.3)

*Juiz de Direito e membro da Associação Juízes para a Democracia
 
Fonte: Jornal de Santa Catarina de 14/01/2012 (http://www.clicrbs.com.br/jsc/sc/impressa/4,182,3631021,18770)