segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Projeto cinema no presídio, por Alessandro da Silva*

Recentemente passou em nossos cinemas o filme Hannah Arendt, que mostra um episódio que marcou a vida da filósofa alemã. Ela cobriu para a revista New Yorquer, em Jerusalém, o julgamento do nazista Adolf Eichmann, capturado pela polícia secreta israelense em Buenos Aires, acusado de crimes no genocídio dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
Após intensa observação e reflexão, ela concluiu que Eichmann não era um monstro, mas apenas um funcionário a cumprir burocraticamente suas obrigações. Ele perdeu a condição de ser humano quando parou de pensar acerca da natureza de suas ações, momento em que se deu a "banalização do mal".
Guardadas as devidas proporções, nosso país também vive uma situação de banalização da violência, não só a decorrente da criminalidade, mas também a cometida em nome do Estado. Em Santa Catarina são rotineiras as denúncias de tortura e maus tratos executados no sistema penitenciário. Em pouco mais de dez anos o estado passou de exemplo na recuperação de menores infratores a contumaz violador dos direitos humanos.
Na contracorrente, o Juiz da Vara de Execuções Penais de Joinville, João Marcos Buch, editou uma portaria para determinar que mensalmente os presos participem de sessões de cinema, no próprio presídio. Ele acredita que a arte pode sensibilizar e transformar o ser humano.
O problema é que a Procuradoria Geral do Estado disse que o projeto é uma “extravagância”. Tal qual Eichmann, eles acham que existem procedimentos a serem observados e que o juiz teria ultrapassado suas atribuições. Então, requereram ao Tribunal de Justiça a anulação da portaria, de maneira a garantir que a burocracia continue a desumanização do sistema prisional.
Nesta altura, talvez seja o momento de pensarmos no projeto “Cinema nos Gabinetes”.

* Juiz do Trabalho, membro da Associação Juízes para a Democracia 

Fonte: Jornal Diário Catarinense de 13/12/2013.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

TERCEIRIZAÇÃO NA LINHA DE TIRO

  Almiro Eduardo de Almeida*
Fazendo as audiências de hoje (19/11/2013) deparei-me com mais uma daquelas que a gente não sabe como qualificar...
Figurava como reclamada a empresa de televisão Guaíba. Dentre os inúmeros pedidos, o reclamante postulava indenização por danos morais sob a alegação de que era ofendido e ameaçado por seu superior hierárquico – algo, infelizmente, normal e corriqueiro nos processos trabalhistas (a redundância é proposital). O pedido de indenização tinha, entretanto, outro fundamento fático: o fato de o reclamante trabalhar “em áreas perigosas, em que havia risco de vida, devido às filmagens jornalísticas em vilas e favelas onde há ‘bocas de fumo’ do tráfico de drogas, áreas de roubos e furtos, e em todos os locais onde há envolvimento com detentos, marginais e delinquentes, com tiroteios, perseguições, brigas e conflitos”.
Em contestação, a reclamada (obviamente) nega os fatos e argumenta: “É do autor o ônus de comprovar suas alegações que, só pelo argumento de que trabalhava em vilas e favelas, locais com risco de vida, e que por tal fato faria jus à indenização por dano moral, já é suficiente para demonstrar que são totalmente infundadas e verídicas”... seja lá o que isso queira dizer!
Em audiência, a discussão passou a girar em torno do fato de a reclamada fornecer ou não coletes à prova de bala aos seus empregados. As testemunhas do reclamante diziam que havia apenas dois coletes na empresa; as da reclamada que havia 8, 10 ou “uma dúzia”. Àquele momento, restava demonstrado, pelos depoimentos, que a empresa contava com onze equipes de “externas”, cada qual com três empregados (um auxiliar de repórter cinematográfico – que acumulava a função de motorista –, um reporter e um cinegrafista), totalizando, assim, trinta e três empregados envolvidos com as tais das “externas”.
Sabe-se que pauta jornalística da reclamada, adquirida já há alguns anos pela Rede Record de Televisão, é quase que exclusivamente “na linha policial”, como informaram as testemunhas (sei que deveria ter indeferido a prova nesse sentido, por se tratar de fato notório, mas não resisti). Sendo assim, é mais do que certo que, ainda que houvesse doze, ou até mesmo vinte e quatro coletes à prova de bala, não haveria proteção suficiente para todos os trabalhadores potencialmente envolvidos em tiroteios.
Nesse ponto, surge a estratégia da defesa: à pergunta da procuradora da reclamada sobre quem acompanhava as filmagens nos locais mais perigosos, a testemunha (trazida pela ré) responde – “existe um cinegrafista terceirizado pela empresa para fazer imagens policiais”!!!
A audiência poderia ter acabado naquele momento, assim como este texto poderia acabar aqui. Entretanto, se aquela continuou por insistência dos advogados, este continua por insistência de quem o escreve. Insistência que se soma às inúmeras denúncias que já foram feitas contra a precarização das relações de trabalho decorrentes da tercerização.
Além das tradicionais formas já conhecidas, tais como o excesso de trabalho acompanhado da progressiva redução de salários, o esvaziamento da atuação dos sindicatos e a consequente perda de direitos, o expressivo aumento do número de acidentes de trabalho e/ou doenças profissionais, agora a terceirização permite uma nova “estratégia de administração da empresa”:
– “colocamos nossos trabalhadores na linha de tiro e não há coletes ‘salva-vidas’ para todos? terceirizemos!”
A solução parece ser perfeita. Já que o terceirizado deve ser um trabalhador invisível – até para não restar caracterizada a tal da pessoalidade, que permitiria que algum juiz desavisado entendesse que empregador é quem efetivamente emprega – ninguém melhor do que ele, o trabalhador terceirizado, para ficar na linha de tiro sem colete.
 * Juiz do Trabalho no RS e membro da Associação Juízes para a Democracia

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

McDonaldização do Processo Penal e analfabetos funcionais

Alexandre Morais da Rosa*
Perguntaram a um louco que havia perdido sua chave na floresta por que a procurava sob a luz do poste da rua, no que ele respondeu: aqui tem mais luz. Procurar flexibilizar as garantias constitucionais na perspectiva de resolver os problemas de Segurança Pública é buscar, como o louco, a chave no lugar errado.
O professor Jacinto de Miranda Coutinho há muito denuncia a maneira pela qual o discurso da eficiência, inclusive princípio constitucional, para os incautos de plantão, embrenhou-se pelo processo penal em busca da sumarização dos procedimentos, da redução do direito de defesa, dos recursos, enfim, ao preço da democracia. A razão eficiente que busca a condenação fast-food implicou nos últimos anos na “McDonaldização” do Direito Processual Penal: sentenças que são prolatadas no estilo “peça pelo número”. A estandardização da acusação, da instrução e da decisão. Tudo em nome de uma “McPena-Feliz”. Nada mais cínico e fácil de ser acolhido pelos atores jurídicos, de regra, “analfabetos funcionais”.
A primeira questão a ser enfrentada é a do “ator jurídico analfabeto funcional”, ou seja, ele sabe ler, escrever e fazer conta. Vai até à feira sozinho, mas é incapaz de realizar uma leitura compreensiva. Defasado filosófica e hermeneuticamente, consegue ler os códigos, mas precisa que alguém — no lugar do mestre — lhe indique o que é o certo. Sua biblioteca é composta, de regra, pela “Coleção Resumos”, um livro ultrapassado de Introdução ao Estudo de Direito — desses usados na maioria das graduações do país —, acompanhado da lamúria eterna de que o Direito é complexo, por isso é seduzido por autoajuda jurídica. Complementa o “kit nefelibata” — dos juristas que andam nas nuvens — com um CD de jurisprudência ou acesso aos sites de pesquisa jurisprudencial, negando-se compulsivamente a pensar.
O resultado disso é o que se vê: um deserto teórico no campo jurídico, em que cerca de 60%, sendo otimista, dos atores jurídicos são incapazes de compreender o que fazem. Para além da “opacidade do direito” (Carcova) e sua atmosférica mito-lógica (Warat), existe uma geleia de “atores jurídicos analfabetos funcionais”. Esses, por certo, não sabem compreender hermeneuticamente, porque para isso precisariam saber pelo menos do giro linguístico, isto é, deveriam superar a Filosofia da Consciência em favor da Filosofia da Linguagem. Seria pedir muito? Talvez. Mas é preciso entender que o sentido da norma jurídica (norma: regra + princípio) demanda um círculo hermenêutico (Heidegger e Gadamer), incompatível com os essencialismos ainda ensinados na graduação: vontade da norma e vontade do legislador, tão bem criticados pelo professor Lenio Streck.
No campo Direito e Processo Penal, a situação é patológica. É que as gerações antecedentes, a saber, os atuais atores jurídicos (professor, juiz, promotor, procurador, advogado, delegado etc), em grande parte, não sabem também compreender. São, na maioria, juristas analfabetos funcionais que pensam que pensam juridicamente e, não raro, ocupam as cátedras de ensino, incapazes, porque não dominam, de repassar uma cultura democrática. Esses, portanto, muitos de boa-fé, reconheço , acreditam que ensinam Direito, quando na verdade ensinam o estudante de Direito a fazer a “feira da jurisprudência” —mecanismo que significa encontrar uma decisão consolidada, remansosa, como gosta de dizer o “senso comum teórico dos juristas” (Warat).
De outro lado, embalados por modismos e propaganda ideológica — Direito Penal do Inimigo ou Teoria das Janelas Quebradas — importada do aplaudido primeiro mundo, servem a discursos que sequer entendem. Muitos nem leram: falam sem ler. Com estes ingredientes, facilmente instaura-se o processo penal de exceção, cujo fundamento de conter as mazelas sociais e brindar os privilegiados consumidores com segurança, encontra antecedente histórico nas ditaduras. Plenos poderes, apreensões de averiguação, prisão provisória de regra, tortura (psicológica, física e química), tudo passa a ser justificado em nome de um argumento cínico maior: o “bem comum”, consistente na segurança de todos, inclusive de quem está sendo apreendido e, eventualmente, excluído.
O Direito de Exceção, em nome do bem dos acusados, e antes da sociedade, suspende as garantias processuais, previstas na Constituição da República e nos Tratados de Direitos Humanos, por entender que elas são um entrave à redenção moral do infrator e à Segurança Coletiva. Embalados pela necessidade de conter a (criada) escalada de atos criminais, ou seja, a estrutura cria a exclusão e depois sorri propondo a exclusão novamente, via sistema penal, e os excelentes funcionários públicos nefelibatas — tal qual Eichmann —, na melhor expressão kantiana, cumprem suas funções, sem limites. A construção fomentada e artificial de um estado de risco, adubada pelo medo, faz com o que o discurso se autorize, em face das ditas necessidades, a suspender o Estado Democrático de Direito, promovendo uma incisão de emergência e total.
O Direito Penal, no projeto neoliberal, possui papel fundamental na manutenção do sistema, eis que mediante a (dita) legitimação do uso da coerção, impõe a exclusão do mundo da vida com sujeitos engajados no projeto social-jurídico naturalizado, sem que se deem conta de seus verdadeiros papéis sociais. Acredita-se que se é um excepcional funcionário público, tal qual Eichmann (em Jerusalém). Ou seja, um sujeito cuja normalidade indicava a “Normalpatia” apontada por L.F. Barros no seu excesso patológico. Essa submissão alienada é vivenciada dramaticamente pelos metidos no processo penal. O discurso do ‘determinismo positivista’ é realimentado em face das condicionantes sociais, reeditando a necessidade de ‘tutelar’ os desviantes — consumidores falhos, “lixo humano”, como se refere Bauman — mediante prevençãorepressão e terapia. O Estado Intervencionista da ‘Nova Escola Penal’ está de volta na sua missão de defender os cidadãos ‘bons e sadios’ dos ‘maus e doentes’, desenterrando o discurso etiológico, perfeitamente conveniente para mídia e para classe dominante. Sob o mote de curar ao mal, tendo a sociedade como um organismo vivo, na perspectiva de uma vida social sadia, a violência oficial se mostra mais do que justificada: é necessária à sobrevivência social, ainda mais contra o terrorista social.
As vidas que se escondem nos processos penais, na sua grande maioria, são irreais para os promotores, advogados e juízes que assistem como se fosse mais um filme de mau-gosto, protagonizado por artistas que não merecem o papel. Deveriam ser retirados de cena. E são! É preciso retornar ao que Zizek aponta como o “Deserto do Real”, saindo do semblante do universo processual artificial construído para que possamos, como jogadores do processo, esquecer que existem pessoas morrendo. Gente. Como qualquer um interveniente do processo. Mas como não se consegue ter a dimensão do que acontece, dado que o semblante da ficção e suas verdades — para alguns, real — ocupa o lugar do que se passa. Esse discernimento entre o real e o ficcional é o desafio num mundo sem perspectivas que não o shopping center.
Esses dias, um amigo, pessoa do povo, perguntou-me porque quem é preso em flagrante não vai direto cumprir pena? Por que o processo? Respondi que estamos, ainda, numa democracia em que o processo como procedimento em contraditório (Fazzalari) é o mecanismo democrático para se apurar a responsabilidade de alguém. Ele me respondeu que não precisa. Entendi a posição dele, até porque homem pragmático e do senso comum. No Brasil, essa posição de execução antecipada, embora vedada pela Constituição, continua sendo a prática. Basta perceber que se converte flagrante formalmente em diversas comarcas, nega-se a soltura de meros conduzidos com as justificativas mais loucas, tudo em nome da paz da sociedade. Isto bem demonstra a estrutura inquisitória do sistema processual penal brasileiro que mantém a pose democrática, mas exerce a mais violenta forma de sequestro preliminar da liberdade.
Todavia, quem respira um pouco de oxigênio democrático, sabe que somente o processo pode fazer ceder, via decisão transitada em julgado, a muralha da presunção de inocência, justamente porque é a Jurisdição a única que pode assim proceder. Mostra-se intolerável que as pessoas fiquem presas sem culpa, sem processo, presas pelo que são e não pelo que fizeram, em processos decorrentes de “furtos de moinhos de ventos”. O processo precisa de tempo. E tempo é dinheiro. No mundo da eficiência, todavia, quer-se condenações no melhor estilo dos tribunais nazistas. Imediatamente. Sem direito de defesa e transmitidas ao vivo, com patrocinadores a peso de ouro e muita audiência: plim-plim. A fórmula é a de sempre. Juvenal dizia: pão e circo. E quando acontecem prisões/condenações como a de Zé Dirceu e/ou Paulo Maluf a coisa fica pior. Isso porque a esquerda punitiva é caolha, bem sabe Maria Lúcia Karam, não se dando conta de que relegitima o sistema penal, indica Juarez Cirino dos Santos. “Agora até o fulano vai preso”. E se “ele” vai preso, com mais razão o “ladrãozinho” de frango de televisão de cachorro também. Inverte-se a lógica em nome do bem e do justo. Lugar sempre empulhador.
Alguma coisa anda fora da ordem, dizia Caetano há um tempo. Hoje as coisas já estão dentro da nova ordem neoliberal mundial, inclusive o processo penal: sumário, eficiente. Números, eficiência, empulhação... Para que direito de defesa se tenho que baixar o meu mapa? Para que ouvir de testemunhas se o processo vai ficar no mapa? O juiz astrólogo: só quer saber de mapa. Ainda mais quando depende da produtividade para conseguir promoção ou evitar punição!
O Processo Penal Democrático, assim, parafraseando Dworkin, precisa ser levado a sério. O problema fundamental reside no fato de que a justificativa para a exceção encontra-se encoberta ideologicamente. Acredita-se, muito de boa-fé, a maioria, de que se está realizando o bem. Salvando a sociedade de um “terrorista social”. Esqueceu-se de que para o uso do poder existem pelo menos dois limites: o processo e o ético (Dussel). Exercer uma parcela do poder em face dos acusados é muito mais tranquilo para os kantianos de sempre, fiéis cumpridores das normas jurídicas, sejam elas quais forem. Os “acusados-terroristas-sociais” passam a ser uma das faces da vida nua, isto é, “homo sacer”, a que é matável, mas não sacrificável. Assim, os rostos do poder encontram-se maleáveis, mutantes, em torno de um lugar pensado para não pensar, mas para cumprir acriticamente.
Os soldados juízes estão aí para aplicar a regra, numa filosofia de “Cruz Vermelha” (Cyro Marcos da Silva), rumo à salvação eficiente das almas destes pobres de espírito. Até quando viverão felizes para sempre? Rever e compreender a mirada é o desafio, sempre. A tarefa, percebe-se, não é singela, mormente porque é necessário abjurar o que se acreditou com tanta fé, além de se expor à crítica virulenta dos iludidos de sempre, cujo véu moral cega qualquer pretensão democrática, já que acreditam — o Imaginário deslizando — estar comprando um lugar no céu, na Ilha dos Abençoados. Não se pode ter medo de resistir. É preciso resgatar a Constituição Originária, na linha de Paulo Bonavides, exercitar o controle de constitucionalidade difuso e deixar de fazer como todo mundo faz. Porque assistir de camarote o que se passa com as vítimas do sistema penal não exclui nossa responsabilidade ética com as mortes: somos coautores, do nosso lugar, por omissão. Por isso que ao se defender garantias constitucionais, hoje, o sujeito pode ser preso em flagrante, sem liberdade provisória diante dos “maus antecedentes”...
Quando Georg Lukács foi preso, o policial perguntou se estava armado, tendo este lhe entregue calmamente a caneta. É preciso que as canetas pesem democraticamente, mediante processo penal garantista (Ferrajoli) a partir da teoria dos jogos. Ao final se pode, dizer, de qualquer forma: amo muito tudo isso!
* Juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC, membro da Associação Juízes para a Democracia

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Idade penal, por Iolmar Alves Baltazar*


Grande parte da sociedade clama pela redução da maioridade penal em nome de uma pretensa justiça. Ocorre que rebaixar a idade penal não reduzirá a violência totalmente considerada, como bem destacou Marcus Vinicius Coêlho, presidente do Conselho Federal da OAB. A proposta evidencia forma de exclusão social seletiva.

A violência possui múltiplas expressões e perpassa pela acentuada desigualdade social. Em países onde não há considerável desnível socieconômico os índices de criminalidade são baixos. Forçoso reconhecer que a criminalidade urbana também é efeito da violência. Uma proposta sustentável, portanto, precisa priorizar o desenvolvimento socialmente includente.

A criminalização de adolescentes sem que haja substancial melhoria na prestação de direitos fundamentais, principalmente educação, saúde, profissionalização, convivência familiar e comunitária, apenas agravará ainda mais o problema, colocando imensa massa de jovens no desumano sistema carcerário, caracterizado por 70% de reincidência.

O Brasil é o quarto país que mais aprisiona no mundo. Reduzir a idade penal sem que antes hajam sido efetivados o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, apenas falseia a realidade e afasta o Estado do compromisso com políticas públicas prioritárias na área da infância e da juventude. O Conselho Federal de Psicologia, a propósito, divulgou campanha no sentido de que "o futuro do Brasil não merece cadeia".

A maioridade penal aos 18 anos é cláusula petrificada na Constituição, não podendo ser alterada nem por emenda constitucional. À luz do controle de convencionalidade das leis, está de acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 1990.


* Juiz de Direito, membro da Associação Juízes para a Democracia

Fonte: Jornal Diário Catarinense de 19/10/2013

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Os riscos da precarização do trabalho

 Alessandro da Silva*

Está prestes a ser votado no plenário da Câmara dos Deputados o projeto de lei 4.330/2004, que visa a normatizar as relações de trabalho terceirizado, isto é, daqueles trabalhadores que, embora empregados de uma empresa, prestam serviços para outras.
 Atualmente, nosso ordenamento jurídico estabelece que empregador é “a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”. Desse modo, a terceirização constitui uma exceção à regra e somente é admitida em atividades especializadas, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta.
A face mais conhecida da terceirização são os serviços de vigilância e limpeza, mas desde o início dos anos 90 ela se alastra como uma “moderna” técnica de administração e atinge vastas áreas em relevantes atividades econômicas, inclusive no serviço público. Para se ter uma ideia, na Petrobras são 295 mil terceirizados e só 76 mil trabalhadores diretos.
Ao longo desses anos a terceirização serviu apenas para o aumento vertiginoso da precarização das condições de trabalho, pois não eleva a oferta de ocupação, apenas transfere e reduz os direitos dos postos de trabalho que já existem. Tanto é assim que os terceirizados recebem em média 60% do salário dos empregados efetivos. Eles ainda passam por um processo de segregação, quando não de invisibilidade, estão mais sujeitos a doenças e acidentes do trabalho e, não raro, não recebem os direitos trabalhistas, de modo que se veem obrigados a suportar anos de lide processual para recebê-los.
Embora seja apresentado com a aparência de proteção dos trabalhadores, o PL 4.330/2004 revela sua verdadeira intenção na incoerência, pois diz que a terceirização advém da “necessidade que a empresa moderna tem de concentrar-se em seu negócio principal”.
Ocorre que o projeto permite a terceirização inclusive do “negócio principal”, de maneira que as empresas poderiam desenvolver sua atividade econômica sem um único empregado. Nesse contexto, admitir-se-ia que a empresa moderna é um mero ente de gestão voltado a organizar as formas de exploração do trabalho, na busca pelo lucro. O seu “negócio principal” seria, de fato, o comércio de gente.
A terceirização desenfreada constitui uma das maiores ameaças ao Estado de bem-estar que nosso país ainda busca construir, visto que objetiva reduzir os custos de produção em detrimento de direitos elementares dos trabalhadores.
Portanto, é preciso dizer não ao PL 4.330/2004.

* Juiz do Trabalho e membro da Associação Juízes para a Democracia

Fonte: Jornal Notícias do Dia de 26/09/2013 (http://ndonline.com.br/florianopolis/colunas/opiniao/107210-os-riscos-da-precarizacao-do-trabalho.html#)

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Nota técnica da Associação Juízes para a Democracia acerca do PL 4.330/ 2004

A Associação Juízes para a Democracia, entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem dentre suas finalidades a defesa dos direitos dos menores, dos pobres e das minorias, na perspectiva de emancipação social dos desfavorecidos, vem, perante Vossas Excelências, manifestar sua firme posição contrária à aprovação do Projeto de Lei nº 4.330/2004, pelos motivos que passa a expor.
A terceirização ao longo de 20 (vinte) anos em que se instituiu no cenário das relações de trabalho no Brasil, desde quando, à margem da lei, foi incentivada pela Súmula 331, do TST, em 1993, serviu para o aumento vertiginoso da precarização das condições de trabalho, pois não eleva a oferta de ocupação, apenas transfere e precariza os postos de trabalho que já existem.
Embora seja apresentado com a aparência de proteção dos trabalhadores, o PL 4.330/2004 se trai e revela, na incoerência, a sua verdadeira intenção. Diz que a terceirização advém da “necessidade que a empresa moderna tem de concentrar-se em seu negócio principal” (grifou-se). Ocorre que o objetivo principal do projeto é ampliar as possibilidades de terceirização para qualquer tipo de serviço. Assim, a empresa moderna, nos termos do projeto, caso aprovado, poderá ter apenas trabalhadores terceirizados, restando a pergunta de qual seria, então, o “negócio principal” da empresa moderna? E mais: que ligação direta essa empresa moderna possuiria com o seu “produto”?
Nesse contexto, admitir-se-ia que a empresa moderna é meramente um ente de gestão voltado a organizar as formas de exploração do trabalho, na busca desenfreada pelo lucro. O seu “negócio principal” seria, de fato, o comércio de gente.
A terceirização, ainda, visa a dificultar que se atinja a necessária responsabilidade social do capital. Nesse modelo de produção, a grande empresa não contrata empregados, contrata contratantes e estes, uma vez contratados, ou contratam trabalhadores dentro de uma perspectiva temporária, não permitindo sequer a formação de um vínculo jurídico que possa ter alguma evolução, ou contratam outros contratantes, instaurando-se uma rede de subcontratações que provoca, na essência, uma desvinculação física e jurídica entre o capital e o trabalho. Esse quadro complexo dificulta sobremaneira a efetivação dos direitos trabalhistas, pois o empregador aparente, aquele que se apresenta de forma imediata na relação com o trabalho, é, quase sempre, desprovido de capacidade econômica ou, ao menos, possui um capital bastante reduzido se comparado com aquele da empresa que o contratou.
Assim, além de passarem por um processo de segregação, de discriminação, de fragilização, quando não de invisibilidade, os trabalhadores terceirizados ainda se veem obrigados a suportar anos de lide processual para receber parte de seus direitos, visto que, em regra, as empresas tercerizadas não têm idoneidade econômica.
Saliente-se que a prática já revela que em várias situações o próprio sócio-empresário da empresa contratada, dependendo do alcance da rede de subcontratações, não é mais que um empresário aparente, um pseudo capitalista. Ele não possui de fato capital e sua atividade empresarial é restrita a dirigir a atividade de trabalhadores em benefício do interesse produtivo de outra empresa.
O projeto de lei em questão reforça essa lógica e traz vários outros elementos concretos da perversidade: responsabilidade subsidiária, com limitação ao período de execução dos serviços na tomadora; possibilidade de quarteirização e subcontratação.
É falacioso o argumento de que os direitos dos trabalhadores estarão garantidos com a exigência de constituição de um capital social compatível com o número de empregados. O projeto prevê, por exemplo, um capital social de R$10.000,00 para que se tenha até 10 (dez) empregados, como garantia efetiva aos trabalhadores. Além de ser meramente formal, esse valor mal daria para garantir as verbas rescisórias de um empregado que, por exemplo, receba salário mínimo e trabalhe dois anos na empresa[1]. E isso sob a suposição de que o FGTS tenha sido integralmente depositado, que não existam horas extras a serem pagas, que não tenha havido, como quase sempre há, supressão do intervalo ou outros problemas decorrentes de acidente do trabalho e de condições insalubres ou perigosas etc.
No aspecto da representação sindical os riscos também são muito graves, pois no sistema jurídico brasileiro a categoria é definida em conformidade com a atividade preponderante da empresa. Portanto, não existe um sindicato “representante da categoria profissional correspondente à atividade exercida pelo trabalhador na empresa contratante”, a não ser quando se refira à categoria diferenciada, que atinge, no entanto, apenas a alguns tipos específicos de profissionais.
Em suma, a realidade futura que se extrai do PL 4330, caso venha a ser aprovado, é de empresas constituídas sem empregados, com setores inteiros da linha de produção, da administração, do transporte e demais atividades geridos por empresas interpostas cujo capital social é bastante reduzido se comparado com a contratante, gerando, por certo, uma redução de ganhos, além de um grande feixe de relações jurídicas e comerciais, que se interligam promiscuamente, mas que servem para evitar que os diversos trabalhadores, das variadas empresas, se identifiquem como integrantes de uma classe única e se organizem.
De fato, ter-se-á a formação de uma espécie de shopping center fabril, onde o objeto principal de comércio é o próprio ser humano.
A intenção da lei, assim votada, visando favorecer aos interesses econômicos de alguns segmentos empresariais e políticos do governo não se amolda, obviamente, ao projeto constitucional de elevação da condição humana a partir dos valores já mencionados. Lembre-se que as relações de trabalho são reguladas pelo direito do trabalho, cujo princípio é o da elevação progressiva das condições sociais e econômicas dos trabalhadores, estando coibida a lógica do retroceder.
Delineia-se assim um grave quadro de insegurança jurídica. Primeiro, pelos custos da invalidação da terceirização, por aplicação, por exemplo, da teoria da subordinação estrutural, como determinante da relação de emprego, incluindo, também, a teoria da subordinação em rede, que serve para reatar os vínculos jurídicos entre o verdadeiro capital e o trabalho, com a consequente responsabilização social. Além desses, também emergem os custos decorrentes de indenizações por dano moral individual e por dano social, na medida em que a prática agressiva à condição humana constitui, por si, grave atentado à ordem jurídica individual e social.
O empregado que prestou seu serviço e não recebeu os valores correspondentes aos seus direitos de natureza alimentar no momento oportuno, tem direito ao recebimento de uma indenização, o que não inibe a indenização devida à sociedade pelo ferimento do projeto constitucional em torno da formação de um capitalismo socialmente responsável.
Por fim, deve-se atentar para os custos decorrentes do atolamento do Poder Judiciário em conflitos sem fim, tanto no que se refere às diversas discussões jurídicas geradas pelas múltiplas contratações, relações promíscuas e supressões de direitos, assim como no que se referem àquelas que digam respeito a situações mais graves como a do trabalho em condições análogas à escravidão e a dos acidentes do trabalho.
Nesse sentido, segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho, dentre os cem maiores devedores da Justiça do Trabalho, vinte e dois são empresas de terceirização de mão de obra[2].
É cristalino que o PL 4.330 constitui uma das maiores ameaças ao Estado Social Democrático de Direito que nosso país ainda busca construir, visto que atinge direitos elementares dos trabalhadores em prol da reprodução sem obstáculos do capital.
Somente com o respeito aos direitos fundamentais, a começar pelos que se integram à esfera dos denominados direitos sociais, é que haverá consolidação da democracia em nosso país, motivo pelo qual a Associação Juízes para a Democracia se manifesta pela rejeição do PL 4.330/2004.

                     Brasília, DF, 16 de setembro de 2013.


[1] No estado de São Paulo, o SM é de R$750,00. Com dois anos de relação de emprego, um empregado dispensado sem justo motivo, que ainda não tenha gozado as férias do 1º. período, tem direito de receber, R$750,00 (aviso prévio indenizado); R$1.000,00 (férias com 1/3 - 1º. período, que seria em dobro caso ultrapassados os dois anos do contrato de trabalho); R$1.000,00 (férias com 1/3 - 2º. período); R$750,00 (13º. salário); R$576,00 (40% FGTS), sendo que sobre esses valores ainda incide a contribuição social.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Quadro com PM atirando em negro crucificado recebe "asilo artístico" no TJ-RJ

 O Órgão Especial do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) determinou nesta quarta-feira (4) que o juiz da 1ª Vara de Órfãos e Sucessões, João Damasceno, retire da parede de seu gabinete um quadro com uma gravura assinada pelo cartunista Carlos Latuff --a imagem mostra um policial fardado atirando contra um homem negro crucificado.
O magistrado não se opôs e retirou a imagem. O quadro, porém, foi acolhido também nesta quarta pelo desembargador Siro Darlan, que o afixou na parede de sua sala. E lá ficará, pois o Órgão Especial do TJ não tem ingerência sobre o gabinete de Darlan.
Em sua página na Facebook, Damasceno disse que a charge recebeu um "asilo artístico". A assessoria do tribunal informou estar "verificando" se o desembargador Siro Darlan acolherá ou não a obra.
A decisão do Órgão Especial foi tomada a partir de uma solicitação do deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP) encaminhada à presidente do TJ, a desembargadora Leila Mariano. O deputado contestou o fato de que a charge estava na sala da 1ª Vara de Órfãos e Sucessões durante uma audiência pública realizada "sob o pretexto da desmilitarização da política de segurança".
Para ele, a imagem "retrata uma cena de cunho difamatório não somente à instituição", em referência à Polícia Militar, "mas inclusive à sua própria honra objetiva e subjetiva".
Em seu site, Bolsonaro divulgou um modelo de ação indenizatória para os policiais militares do Rio que eventualmente se sentirem ofendidos com a charge de Latuff. O parlamentar, que é filho do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), sugere que a ação indenizatória seja protocolada contra artista e magistrado.
"No quadro vislumbra-se a imagem de um policial militar sendo autor de um disparo de arma de fogo em um homem preso à uma cruz, fazendo alusão à crucificação de Jesus Cristo. (...) A obra pretende fazer crer que todos os policiais militares são pessoas que vestem suas fardas para cometer os mais perversos crimes contra a humanidade, em referência, ainda que indireta, à morte de Jesus Cristo", afirma a petição.
O deputado estadual propõe ainda que o valor a ser pago por uma hipotética condenação dos réus seja de R$ 28 mil.
Em sua página no Facebook, Latuff defendeu a livre exibição da charge e relatou supostas ameaças que teriam sido feitas por policiais militares, também na rede social, contra Damasceno. "Juiz João Batista Damasceno já recebe ameaças de morte por pendurar quadro com minha charge sobre a violência policial em seu gabinete", escreveu ele.
Já o magistrado, em artigo publicado pelo jornal "O Dia", afirmou que "a obra do cartunista Carlos Latuff, retratando um homem negro pregado numa cruz e alvejado no peito pelo disparo do fuzil de um policial, colocada na sala de audiências da 1ª Vara de Órfãos e Sucessões do Fórum Central, evoca a violência do Estado contra o povo ao longo da história".
Damasceno também se disse favorável ao conceito de desmilitarização. "A política de segurança pública militarizada tem como alvo os pobres e excluídos, 'inimigos eternos' sujeitos ao extermínio", afirmou.



PS: o Juiz João Batista Damasceno é membro da Associação Juízes para a Democracia.

Fonte:  http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/09/04/quadro-com-pm-atirando-em-negro-crucificado-recebe-asilo-artistico-no-tj-rj.htm

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Parecer dos Ministros do Tribunal Superior do Trabalho contra o projeto de lei que permite a terceirização generalizada (PL 4.330/2004)

Brasília, 27 de agosto de 2013

Excelentíssimo Senhor deputado Décio Lima

Presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania

A sociedade civil, por meio de suas instituições, e os órgãos e instituições do Estado, especializados no exame das questões e matérias trabalhistas, foram chamados a opinar sobre o Projeto de Lei nº 4.330/2004, que trata da terceirização no Direito brasileiro.

Em vista desse chamamento, os Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, infra-assinados, com a experiência de várias décadas na análise de milhares de processos relativos à terceirização trabalhista, vêm, respeitosamente, apresentar suas ponderações acerca do referido Projeto de Lei:

I. O PL autoriza a generalização plena e irrefreável da terceirização na economia e na sociedade brasileiras, no âmbito privado e no âmbito público, podendo atingir quaisquer segmentos econômicos ou profissionais, quaisquer atividades ou funções, desde que a empresa terceirizada seja especializada.

II. O PL negligencia e abandona os limites à terceirização já sedimentados no Direito brasileiro, que consagra a terceirização em quatro hipóteses:

1- Contratação de trabalhadores por empresa de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.06.1974);
2- Contratação de serviços de vigilância (Lei n 7.102, de 20.06.1983);
3- Contratação de serviços de conservação e limpeza;
4- Contratação de serviços especializados ligados a atividades-meio do tomador, desde que inexista a personalidade e a subordinação direta;


III. A diretriz acolhida pelo PL nº 4.330-A/2004, ao permitir a generalização da terceirização para toda a economia e a sociedade, certamente provocará gravíssima lesão social de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários no País, com a potencialidade de provocar a migração massiva de milhões de trabalhadores hoje enquadrados como efetivos das empresas e instituições tomadoras de serviços em direção a um novo enquadramento, como trabalhadores terceirizados, deflagrando impressionante redução de valores, direitos e garantias trabalhistas e sociais.

Neste sentido, o Projeto de Lei esvazia o conceito constitucional e legal de categoria, permitindo transformar a grande maioria de trabalhadores simplesmente em ´prestadores de serviços´ e não mais ´bancários´, ´metalúrgicos´, ´comerciários´, etc.

Como se sabe que os direitos e garantias dos trabalhadores terceirizados são manifestamente inferiores aos dos empregados efetivos, principalmente pelos níveis de remuneração e contratação significativamente mais modestos, o resultado será o profundo e rápido rebaixamento do valor social do trabalho na vida econômica e social brasileira, envolvendo potencialmente milhões de pessoas.

IV. O rebaixamento dramático da remuneração contratual de milhões de concidadãos, além de comprometer o bem estar individual e social de seres humanos e famílias brasileiras, afetará fortemente, de maneira negativa, o mercado interno de trabalho e de consumo, comprometendo um dos principais elementos de destaque no desenvolvimento do País. Com o decréscimo significativo da renda do trabalho ficará comprometida a pujança do mercado interno no Brasil.

V. Essa redução geral e grave da renda do trabalhador brasileiro – injustificável, a todos os títulos – irá provocar também, obviamente, severo problema fiscal para o Estado, ao diminuir, de modo substantivo, a arrecadação previdenciária e tributária no Brasil.

A repercussão fiscal negativa será acentuada pelo fato de o PL provocar o esvaziamento, via terceirização potencializada, das grandes empresas brasileiras, que irão transferir seus antigos empregados para milhares de pequenas e médias empresas – todas especializadas, naturalmente -, que serão as agentes do novo processo de terceirização generalizado.

Esvaziadas de trabalhadores as grandes empresas – responsáveis por parte relevante da arrecadação tributária no Brasil -, o déficit fiscal tornar-se-á também incontrolável e dramático, já que se sabe que as micro, pequenas e médias empresas possuem muito mais proteções e incentivos fiscais do que as grandes empresas. A perda fiscal do Estado brasileiro será, consequentemente, por mais uma razão, também impressionante. Dessa maneira, a política trabalhista extremada proposta pelo PL 4.330-A/2004, aprofundando, generalizando e descontrolando a terceirização no País, não apenas reduzirá acentuadamente a renda de dezenas de milhões de trabalhadores brasileiros, como também reduzirá, de maneira inapelável, a arrecadação previdenciária e fiscal da União no País.

VI. A generalização e o aprofundamento da terceirização trabalhista, estimulados pelo Projeto de Lei, provocarão também sobrecarga adicional e significativa ao Sistema Único de Saúde (SUS), já fortemente sobrecarregado. É que os trabalhadores terceirizados são vítimas de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais/profissionais em proporção muito superior aos empregados efetivos das empresas tomadoras de serviços. Com a explosão da terceirização – caso aprovado o PL nº 4.330-A/2004 -, automaticamente irão se multiplicar as demandas perante o SUS e o INSS.

São essas as ponderações que apresentamos a Vossa Excelência a respeito do Projeto de Lei nº 4.330-A/2004, que trata da ´Terceirização’

Respeitosamente,

Seguem as assinaturas dos ministros Antonio José de Barros Levenhagen; João Oreste Dalazen; Emmanoel Pereira; Lelio Bentes Corrêas; Aloysio Silva Corrêa da Veiga; Luiz Philippe Vieira de Mello Filho; Alberto Luiz Bresciane de Fontan Pereira; Maria de Assis Calsing; Fernando Eizo Ono; Marcio Eurico Vitral Amaro; Walmir Oliveira da Costa; Maurício Godinho Delgado; Kátia Magalhães Arruda; Augusto Cesar Leite de Carvalho; José Roberto Freire Pimenta; Delaílde Alves Miranda Arantes; Hugo Carlos Sheurmann; Alexandre de Souza Agra Belmonte e Claudio Mascarenhas Brandão.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O apoio do cinema na prisão, por João Marcos Buch*

- Tomara que seja um filme de aventura – era o detento José (fictício), aos 21 anos, preso por tráfico, aguardando o final do dia chegar para poder, com outros detentos de bom comportamento, assistir na sala adaptada a uma sessão de cinema. Alguns de seus companheiros de cela preferiam drama, outros comédia... Mas todos estavam ansiosos pelo filme. À parte todos os graves efeitos que a restrição da liberdade causa, a execução penal precisa proporcionar condições para a harmônica integração social do reeducando, de forma que quando ele retornar à sociedade, depois de cumprir sua pena, assim o faça comprometido com a paz e o respeito à lei.
Isso não é simples, mesmo para quem está livre. E na prisão demanda muito mais empenho dos profissionais que atuam no sistema. Lição antiga, um dos caminhos é a ocupação da mente. A troca de momentos carcerários ociosos por trabalho, estudo e cultura proporciona o resgate da autoestima do reeducando e o desenvolvimento de sua capacidade crítica, condição fundamental da civilização.

Neste ponto, o cinema é uma das possibilidades, pois, assim como o livro, é um eficaz meio para contar histórias. Como registrado na obra Salve o Cinema – Leitura Crítica da Linguagem Cinematográfica, coordenação de Fabio Henrique Nunes Medeiros e Taiza Mara Rauen Moraes, os filmes permitem desenvolver diálogos, reconstruir momentos históricos e fortalecer relações pessoais e sociais. Ou seja: o cinema é uma importante ferramenta de auxílio didático (Modro, Nielson Ribeiro. Cinema no Ar).

Levando isso em consideração, a portaria judicial nº 22, de 13/8/13, instituiu o Projeto Cinema na Execução Penal em Joinville. Por ela, o reeducando com bom comportamento poderá participar de sessões de cinema dentro da unidade prisional, assistindo a filmes previamente selecionados e catalogados pela direção.

É preciso sempre buscar despertar o que há de melhor no ser humano, sua capacidade de pensar, de adquirir consciência crítica sobre a vida e suas vicissitudes, de forma que possa desenvolver a ética (inspiração do filme Hanna Arendt, que recomendo). O cinema é mais um passo para isso. É uma forma de arte que também, se bem aproveitada, resgata e dignifica o homem, estando ele preso ou livre. Em última análise, é a arte a serviço da liberdade, no seu mais profundo significado humano. Boa sessão, José.

*JUIZ DE DIREITO DA EXECUÇÃO PENAL, CORREGEDOR DO SISTEMA PRISIONAL DA COMARCA DE JOINVILLE E MEMBRO DA ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA


Fonte: Jornal A Notícia de 31/08/2013


quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Comissão Estadual da Verdade

  Alessandro da Silva*


A Comissão Estadual da Verdade Paulo Stuart Wright foi instituída pelo Governo do Estado, com a finalidade de auxiliar a Comissão Nacional da Verdade, examinar e esclarecer as violações de direitos humanos praticadas no período de 18 de setembro de 1946 a 05 de outubro de 1988, no território do Estado de Santa Catarina.
Suas atividades iniciaram no último dia 03 de junho e as reuniões ocorrem na Assembleia Legislativa, onde estão sendo colhidos depoimentos de cidadãos que foram perseguidos, presos e torturados durante aquele período ditatorial, de familiares daqueles que foram executados, assim como de outras pessoas que tenham conhecimento dos fatos. O que se visa é identificar as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionados a essas práticas e suas ramificações nos diversos aparelhos estatais e na sociedade, de modo a revelar as cadeias de comando e as autoridades, civis e militares, que operaram o sistema repressivo.
Para que esses objetivos sejam atingidos é fundamental que os trabalhos sejam realizados com transparência e publicidade. Para tanto é necessário ir além das paredes da Assembleia e levar os fatos apurados ao conhecimento da sociedade através dos meios de comunicação tradicionais, como rádio, jornais e televisão, e sobretudo da internet.
Ocorre que a CEV ainda não tem sequer um site e se depara com outras dificuldades elementares para a execução dos trabalhos, como a disponibilização de veículos para transportar as testemunhas que, em regra, estão com idade avançada.
É difícil ainda imaginar que uma obra de tal magnitude poderá ser levada a cabo sem uma equipe de técnicos que possa catalogar e digitalizar os documentos que serão analisados e que permaneceram por 50 anos perdidos ou escondidos. Tanto é assim que os membros da Comissão envidam grandes esforços para conseguir digitalizar os inquéritos policiais militares que lhes foram disponibilizados, com cerca de vinte mil páginas.
Essas constatações revelam que CEV foi criada sem uma estrutura material mínima para a consecução de seus fins. Em estados nos quais os primeiros resultados já começam a ser divulgados, como São Paulo, as comissões contam com dotações orçamentárias próprias e quadro de servidores com dedicação exclusiva.
Por fim, não é despiciendo observar que aqueles que aceitaram a nomeação como membros da CEV assumiram um compromisso com a história do nosso Estado e sua participação efetiva nas atividades é uma obrigação que o povo catarinense deve exigir.

* Membro da Associação Juízes para a Democracia

Fonte: Jornal Notícias do Dia, de 23/08/2013

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Reunião da Comissão Estadual da Verdade e Justiça Paulo Stuart Wright

Rogério Queiroz, 73, advogado, ex-vereador de Florianópolis e ex-presidente da União Catarinense de Estudantes (UCE) de maio de 1963 a abril de 1964, preso duas vezes pela ditadura civil-militar, foi ouvido pela Comissão Estadual da Verdade na tarde desta segunda-feira (19) no Plenarinho Deputado Paulo Stuart Wright da Assembleia Legislativa. “A primeira prisão ocorreu em 17 de abril de 64 e a segunda em junho do mesmo ano. Na primeira vez fiquei 25 dias na penitenciária estadual, em um anexo, com mais de 100 presos políticos. Tenho uma relação com os nomes, fiz a lápis, está guardada em minha casa”, explicou.
Em junho de 64, Rogério foi preso novamente. “Fiquei seis, sete horas depondo no Dops. De lá fui transferido para o quartel da Polícia Militar, onde estavam presos Luiz Henrique da Silveira, Salim Miguel, Francisco Mastela, Adi ‘Macarrão’ Vieira Filho. Passei o meu aniversário, 9 de junho, na prisão”, contou. Rogério afirmou que não foi torturado fisicamente, nem lembrou o nome daqueles que o prenderam.
De acordo com o ex-preso político, “a comida no quartel da PM era servida direitinho”, mas havia comentários “sobre fulano que faleceu, outro que desapareceu”, uma espécie de tortura psicológica. “A pessoa não identifica como tortura, mas influencia a vida toda. Acho que não sofri tanto”, resumiu.
Ele revelou que na noite anterior à segunda prisão, apesar da recomendação expressa para não sair de casa (morava nas proximidades do Palácio Cruz e Sousa), teimou em ir ao Cine Roxy, localizado junto à Catedral. “Pensei, ninguém vai me ver, fui a quatro passos, mas no dia seguinte vieram me buscar para prestar depoimentos”, explicou.
O presidente da Comissão Estadual da Verdade, Naldi Otávio Teixeira, questionou Rogério acerca dos motivos que o levaram à prisão. O ex-preso respondeu que a motivação foi essencialmente política. “Fazíamos política, tudo certinho, tudo aberto. Fomos em passeata até a casa do prefeito de Florianópolis protestar contra o aumento das passagens. Naquela ocasião, depois me contaram, os agentes tinham recebido ordem de atirar em mim, mas na última hora mudaram a ordem”, relatou.
Jornal Reforma
Durante o período em que permaneceu à frente da UCE, Rogério e outros universitários editaram o jornal Reforma, de conteúdo político, distribuído gratuitamente entre estudantes e simpatizantes às reformas de base defendidas pelo presidente João Goulart. “Os estudantes lideravam o processo”, observou o ex-líder estudantil, acrescentando que o jornal combatia as oligarquias Konder-Bornhausen e Ramos.
Rogério doou uma coleção completa do jornal ao Poder Legislativo barriga-verde. Atualmente, os exemplares, amarelados e puídos, estão sob os cuidados do Centro de Memória, disponíveis à consulta pública.
Na edição de 15 de janeiro de 1964, menos de três meses antes do golpe civil-militar, “Reforma” destacou na contracapa e na página seis uma ameaça de morte contra o então deputado estadual Paulo Stuart Wright, do Partido Social Progressista (PSP), de Joaçaba. Segundo o registro, “o sargento Júlio D’Ávila, nos depoimentos que prestou nos inquéritos instalados pela DRP e pela Polícia Militar, declarou que fora convidado pelo suplente de deputado estadual Manoel Santos, conhecido marginal e bicheiro, para assassinar Paulo Wright. Em troca do assassínio receberia Cr$ 100.000,00 de entrada, um revolver e Cr$ 50.000,00 mensais até o fim do presente período parlamentar”.
A matéria continua com manifesto da União Operária Estudantil e termina mirando alto: “nem o governador, nem a mesa da Assembleia (ambos do PSD) demonstraram um interesse efetivo em esclarecer a questão, apurando devidamente as responsabilidades”.
Prisões de pai e filho
Questionado pelo representante da OAB/SC na Comissão Estadual da Verdade, Anselmo Machado, sobre a prisão de juízes nos primeiros dias do golpe, Rogério lembrou do desembargador José do Patrocínio Gallotti, “que não perdia uma reunião da UCE, sempre participando, ele, José Garcia e Laurita, para dar estímulo. Foram sempre bem-vindos”, lembrou.
Conforme apurou a Agência AL, José do Patrocínio também foi preso, assim como seu filho, Paulo Benjamin Fragoso Gallotti, hoje ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça.
A vida depois das prisões
Após as prisões, vida dos ex-presos mudava completamente. À época, Rogério era funcionário do DNER e foi demitido. “Não se conseguia  trabalho”, contou. Em 1966, com 26 anos, o ex-preso foi para Paris cursar administração pública. “Para me especializar”, comentou.
Quando retornou, abriu, com outro companheiro de desventuras, um escritório de assessoramento aos municípios. “Percorri o estado apresentando o escritório, mas aí veio general Rosinha e criou um departamento público para assessorar os municípios”.
Ele também contou que um dos tantos florianopolitanos que o visitaram na época em que morou na França disse-lhe, certa vez: “Rogério vou te confessar, teu nome foi cogitado para a Telesc, o ato estava pronto para ser assinado, mas não houve maneira de ser assinado”. Em outra oportunidade, a empresa Portobello recebeu um recado explícito: “não coloquem o Rogério Queiroz no setor de exportações”.
Depois da Anistia, em 1979, Rogério Queiroz elegeu-se vereador em Florianópolis e até hoje é conhecido com um lutador, que se mantém ativo à frente do Conselho Comunitário da Praia da Daniela, balneário situado na região oeste da Ilha de Santa Catarina.
A Comissão Estadual da Verdade
O objetivo da Comissão Estadual da Verdade é contribuir com a Comissão Nacional da Verdade e dispor aos catarinenses, através dos registros da TVAL e da Agência AL, o conhecimento de fatos decorridos de violações de direitos humanos praticados pelo estado brasileiro de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. (Vitor Santos)
Trechos do depoimento de Rogério Queiroz
Um retrato da época
“Foi um período difícil. Havia cerca de mil estudantes universitários na UFSC nos cursos de Direito, Filosofia, Farmácia Odontologia e Ciências Econômicas. A cidade era pequena, com 54 mil habitantes. Temos de retornar aos anos 1960 para nos situarmos. O centro nevrálgico era a UCE, na rua Álvaro de Carvalho. Os estudantes se metiam em tudo, se levantavam contra o status quo.
Era uma ebulição total, fazíamos reuniões abertas. Os agentes chegavam como polícia secreta portuguesa. Sabíamos quem eram. Volta e meia encontro um deles e cumprimento, como o policial civil Miranda Gomes, hoje com quase 90 anos. Me recordo também do Otacílio Schüller Sobrinho, nosso diretor financeiro da UCE. Sabíamos que ele informava a polícia, trabalhava ao lado do doutor Jade Magalhães, secretário de Segurança Pública e do delegado Jorge Pinheiro”.
O papel dos estudantes
“Hoje fico emocionado com o papel que os estudantes tiveram na criação da cidade universitária. O reitor Ferreira Lima não queria levar a universidade para a Trindade. Como seria Florianópolis se a universidade não tivesse sido transferida do centro? Graças à visão dos professores Henrique Fontes e Henrique Stodieck, mesmo com o reitor contra, os estudantes conseguiram que a universidade fosse para a Trindade”.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

PORTARIA n.22/2013 - Instituição do projeto “CINEMA NA EXECUÇÃO PENAL”.

O Dr. João Marcos Buch, Juiz de Direito titular da 3ª Vara Criminal e Corregedor do Sistema Prisional da Comarca de Joinville, conforme disposto no art. 2º da Lei de Execuções Penais, art. 1º, do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina e art. 93, § 1º, do Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina, no exercício de suas atribuições legais etc.
CONSIDERANDO o objetivo da execução penal de proporcionar condições para a harmônica integração social do reeducando, conforme artigo 1º da Lei de Execução Penal, bem como o direito à assistência educacional, nos termos do artigo 41, VII, da Lei de Execução Penal;
CONSIDERANDO a necessidade de se trocar momentos carcerários ociosos por cultura, proporcionando o resgate da autoestima e o direito ao conhecimento e desenvolvimento da capacidade crítica;
CONSIDERANDO que o Cinema é reconhecido como arte e por isso está contido na educação, direito de todos e dever do Estado e que visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art.205, da CF);
CONSIDERANDO que o Cinema, como ocorre na literatura dos livros, é um eficaz meio para contar histórias, cujo mérito é possibilitar diálogo imediato através da linguagem que ele proporciona;
CONSIDERANDO que “Os filmes permitem dezenas de possibilidades, basta explorá-las: as de interpretação de suas imagens, a própria fotografia, os diálogos, a reconstrução de períodos históricos, a ficcionalização, as marcas enunciativas, as relações pessoais, interpessoais e sociais e ainda os possíveis valores morais, éticos, educacionais e didáticos” (Salve o Cinema: Leitura e Critica da Linguagem Cinematográfica / Fábio Henrique Nunes Medeiros – Coord., Taíza Mara Rauen Moraes – coord. – Joinville, SC: UNIVILLE, 2006, pág.22);
CONSIDERANDO que “A linguagem visual veiculada pelos filmes pode auxiliar o trabalho com diferentes conteúdos e o cinema é uma importante ferramenta de auxílio didático ao professor, existindo a possibilidade de utilizar quaisquer filmes comerciais como recursos complementares nas aulas desde que sejam corretamente contextualizados”(Modro, Nielson Ribeiro. Cinema no Ar. Blumenau: Nova Letra, 2013, pág.9);
CONSIDERANDO o ilimitado número de filmes que podem ser, através de um projeto pedagógico/cultural, apresentados aos detentos como entretenimento e como instrumento para resgate da dignidade (v.g. entre outras as películas: César Deve Morrer / Drama / Itália / Direção de Paolo Taviani e Vittorio Taviani – 2013; Entre a Luz e a Sombra / Documentário / Brasil / Direção de Luciana Burlamaqui / 2009).
CONSIDERANDO a possibilidade de se desenvolver parcerias com instituições públicas e privadas, como por exemplo com o projeto Salve o Cinema, ramificação do núcleo do Programa Institucional de Incentivo à Leitura, ligado à Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários da Universidade da Região de Joinville;
CONSIDERANDO a previsão legal de recompensas em razão do bom comportamento reconhecido em favor do condenado (arts.55 e 56, da LEP);
CONSIDERANDO a existência de sala de aula não só na Penitenciária Industrial de Joinville como também no Presídio Regional de Joinville, com possibilidade de adequação de equipamento (projetor e data show) nos locais para exibição de filmes;

CONSIDERANDO que a legislação vigente sobre direitos autorais não veda a exibição de filmes (sem fins lucrativos) em estabelecimento prisional.

RESOLVE:
Art. 1º. Fica instituído na Penitenciária Industrial de Joinville e no Presídio Regional de Joinville o projeto “Cinema na Execução Penal”, que consistirá na apresentação periódica, no mínimo uma vez por mês, de sessão de cinema aos detentos.
Art.2º. A escolha dos filmes a serem exibidos deverá passar pela avaliação da direção prisional, através do seu corpo técnico, podendo receber sugestões de todas as esferas.
Art.3º. A obtenção dos filmes pela direção prisional deverá ser feita através de doação, locação ou empréstimo, independentemente da formação de cinemateca própria através dos recursos legais.
Art. 4º. A participação do reeducando dar-se-á de forma voluntária e com base na recomendação da direção prisional, pelo seu corpo técnico, tendo em conta inclusive o disposto nos arts.55 e 56 da LEP, não sendo porém estes dispositivos por si só impeditivos.
Parágrafo único: poderão participar detentos ainda na condição de prisão provisória, preservada a preferência porém para reeducandos em cumprimento de pena.
Art.5º. Na impossibilidade de abranger a todos os detentos na sessão de cinema a direção prisional deverá buscar repetir a exibição para os demais ou diminuir a periodicidade das sessões, com alternatividade de detentos.
Art.6º. Deverá a direção prisional manter cadastro e arquivo próprio para catalogar os filmes apresentados, independentemente de posterior aperfeiçoamento do projeto.
Art.7º. Deverão a Penitenciária e o Presídio, no prazo de 30 (trinta) dias, diligenciar na logística para implementação do programa, bem como buscar as parcerias existentes conforme acima considerado.
Oficie-se à Secretária de Justiça e Cidadania do Estado de Santa Catarina, ao Administrador do Presídio Regional, ao Administrador da Penitenciária Industrial, ao Diretor do DEAP, à Corregedoria-Geral da Justiça, ao Ministério Público, ao Conselho Carcerário, à Defensoria Pública e à Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil de Joinville, sendo a todos encaminhada cópia desta Portaria.
Deverá o Administrador do Presídio Regional e o da Penitenciária afixar cópia desta Portaria em cada cela da unidade prisional.
Esta Portaria entrará em vigor na data de sua sua publicação.
Publique-se. Cumpra-se.
Joinville, 13 de agosto de 2013.





João Marcos Buch
Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal
Corregedor do Sistema Prisional - Comarca de Joinville