terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Corte Interamericana de DH condena Estado no caso da Guerrilha do Araguaia


Karol Assunção (Adital)

Após mais de 30 anos de luta, organizações sociais de direitos humanos e familiares das vítimas da ditadura militar brasileira finalmente receberam uma boa notícia. No último dia 24, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), responsabilizou o Brasil pelo desaparecimento forçado de 62 pessoas da Guerrilha do Araguaia.
A sentença "Caso Gomes Lund e Outros (‘Guerrilha do Araguaia’) VS. Brasil", divulgada nessa terça-feira (14), refere-se às ações de detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado praticadas pelo Exército brasileiro contra integrantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B) e camponeses. As operações militares, realizadas entre 1972 e 1975 - durante a ditadura militar - tinham o objetivo de acabar com a Guerrilha do Araguaia.
Na sentença, a Corte destaca que a Lei de Anistia do Brasil não pode continuar a atrapalhar as investigações do caso nem representar obstáculo para a identificação e punição dos responsáveis pelas violações de direitos humanos. Além disso, condena o Estado como responsável, entre outras, pelas "violações dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal" de 62 pessoas durante o período da ditadura.
Por conta disso, a Corte estabelece que o Estado: investigue o caso, determine as responsabilidades penais e aplique as devidas sanções; esforce-se para descobrir o paradeiro das vítimas, identificá-las e entregar os restos mortais a seus familiares; ofereça tratamento médico e psicológico às vítimas; realize ato público de reconhecimento de responsabilidade no caso; promova curso ou programa sobre direitos humanos para integrantes das Forças Armadas; e adote medidas para tipificar o delito de desaparecimento forçado de pessoas de acordo com os parâmetros interamericanos.
Para Vitória Grabois, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM/RJ) e familiar de três desparecidos da Guerrilha, a sentença representou a "coroação" do trabalho de mais de 30 anos de parentes e organizações que lutam por justiça no caso.
"Essa sentença representa uma grande vitória (...). Mostra que nosso trabalho foi reconhecido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos", alegra-se, ressaltando que a sentença era uma "dívida histórica" que os governos brasileiros tinham com os familiares das vítimas e com a sociedade brasileira em geral.
Entretanto, a vice-presidente do GTNM/RJ recorda que as atividades das organizações não terminaram com a condenação do Brasil pela Corte IDH. "Nosso trabalho agora é pressionar o Estado brasileiro para que cumpra a sentença da Corte", anuncia, demandando ainda a abertura dos arquivos secretos da ditadura. "Queremos abrir para saber onde as vítimas foram enterradas", destaca.
De acordo com o documento, um ano após a notificação da condenação, o Estado brasileiro terá de apresentar ao Tribunal um relatório sobre as ações realizadas para o cumprimento da sentença.



Fonte: www.adital.com.br

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O déficit democrático no processo de escolha dos ministros do STF

Conselho de Administração



Com a publicação da aposentadoria do Ministro Eros Grau reacendeu-se o debate acerca do processo de nomeação do integrante do Supremo Tribunal Federal. Duas questões sobressaem: o fato de ser a nona indicação a ser feita pelo atual Presidente da República e a queixa de algumas categorias profissionais que entendem não estar devidamente representadas na composição da Corte.


A par das insatisfações ideológicas ou corporativas, salta aos olhos um defeito do atual sistema de nomeação dos ministros: a inexistência de participação popular. O processo é realizado como se a sociedade pudesse ser abstraída e a escolha dissesse respeito apenas aos que, naquele momento, exercem certos cargos públicos


Trata-se, contudo, de um grave equívoco.


O Estado de Direito é uma conquista decorrente das luta contra o absolutismo e constitui uma garantia de que o exercício do poder é limitado por normas gerais pré-estabelecidas, cuja observância é obrigatória. Essa concepção foi fundamental para a consolidação das liberdades individuais e coletivas, pois impede ou dificulta o exercício arbitrário e ilegal do poder.


Com o fim da Segunda Grande Guerra e a queda das ditaduras nazifascistas, os Estados europeus reassumiram o papel de Estados de Direito, porém incorporaram uma nova dimensão política: a dimensão democrática. Segundo Habermas, do ponto de vista normativo, não há Estado de Direito sem democracia. Por outro lado, como o próprio processo democrático precisa ser institucionalizado juridicamente, o princípio da soberania dos povos exige, ao inverso, o respeito a direitos fundamentais sem os quais simplesmente não pode haver um direito legítimo. (talvez possamos excluir essa referência).


O modelo democrático de constituição foi adotado por grande parte das nações e, com isso, o papel das constituições se ampliou. Consolidou-se o princípio de interpretação segundo o qual a norma constitucional tem supremacia sobre todo o ordenamento jurídico. Houve uma expansão da jurisdição constitucional, com a adoção do controle concentrado de constitucionalidade, o que intensificou a interferência do Judiciário no processo político.


No Estado Democrático de Direito cabe à constituição desempenhar dois papéis fundamentais, que consistem, por um lado, em estabelecer e garantir as regras do jogo democrático, assegurando a participação política ampla, o governo da maioria e a alternância de poder e, por outro lado, proteger os direitos e liberdades fundamentais, inclusive contra a vontade da maioria.


A Constituição Brasileira de 1988 é um marco histórico desse novo modelo de Estado, pois garantiu direitos fundamentais, reorganizou as instituições, efetuou a distribuição do poder e estabeleceu as diretrizes formais e materiais que devem nortear o processo de produção das leis e demais atos normativos, não só no âmbito público, mas também das relações privadas.


Ao Supremo Tribunal Federal foi atribuída a posição de intérprete final da Constituição, encargo que conferiu a essa Corte uma parcela de poder decisiva na organização das relações sociais públicas e privadas, pois suas decisões têm repercussão direta na vida dos cidadãos.


Conquanto o STF desempenhe papel de protagonista na vida política do país e a escolha de seus integrantes seja ato de interesse primordial de toda a sociedade, o processo de nomeação continua desprovido de procedimentos que possibilitem a efetiva participação popular.


Para Norberto Bobbio uma definição mínima de democracia pressupõe que seja atribuída a um elevado número de cidadãos, que gozem de liberdade para escolher entre alternativas reais, o direito de participar direta ou indiretamente da tomada de decisões coletivas. Essa participação, por sua vez, deve estar submetida a um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos.


Percebe-se que a existência de procedimentos que regulem a participação popular é uma característica intrínseca do regime democrático e deve pautar os esforços que buscam seu constante aperfeiçoamento.


Em nosso sistema jurídico, “os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal” (art. 101, parágrafo único, da Constituição Federal). A inspiração provém do modelo de indicação dos juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos, no qual, após ser indicado pelo Presidente da República, o candidato é submetido a uma sabatina no Senado.


Ocorre que o Senado norte-americano desempenha um papel destacado na nomeação, pois seu Comitê Judiciário envia um longo questionário ao candidato indicado pelo Governo, do qual constam perguntas que tanto aferem a qualificação jurídica como revelam sua visão sobre o direito e o papel do juiz na sociedade.


Caso seja aprovado por esse Comitê, o indicado passa pela sabatina no plenário do Senado, onde intensos debates se estendem por vários dias e dos quais os vários segmentos da sociedade efetivamente participam e se fazem representar.


A tradição democrática da sociedade norte-americana faz com que o procedimento da sabatina no Senado seja suficiente para viabilizar a participação popular no processo, visto que há grande mobilização social e dos meios de comunicação para revelar aos parlamentares qual a sua postura e expectativa quanto à indicação.


Outras democracias consolidadas optaram por estabelecer diferentes métodos de escolha dos integrantes da Corte Constitucional, nos quais a indicação não fica a cargo apenas do Presidente da República, mas também de outras instituições. É o caso da Alemanha, onde os membros do Tribunal Constitucional Federal são escolhidos pelo Conselho Federal e pelo Parlamento Nacional. Da mesma forma, na Itália a Corte Constitucional é composta por quinze juízes nomeados um terço pelo Presidente da República, um terço pelo Parlamento em sessão comum e um terço pelas supremas magistraturas ordinária e administrativas.


Em países que se encontram em fase de transição de regimes autoritários para a democracia — como é o caso do Brasil — é ainda mais premente o estabelecimento de procedimentos que permitam e estimulem a participação popular, inclusive no processo de escolha dos integrantes das cortes constitucionais.


Nesse sentido, em 2003 o Presidente da República Argentina editou um Decreto no qual estabelece um procedimento de pré-seleção dos juristas cujo nome está em consideração para nomeação à Suprema Corte. Esse Decreto enumera uma série de providências que devem ser tomadas para viabilizar a participação da sociedade no processo de escolha do novo integrante da Corte Constitucional.


Observe-se que, tal como em nosso país, na Argentina também se atribui ao Senado a aprovação do indicado, o que não impediu que fosse criado o referido procedimento prévio.


O atual estágio da democracia brasileira já não admite que uma decisão de tamanha relevância como essa fique adstrita ao arbítrio quase exclusivo do Presidente da República. O dispositivo constitucional que atribui ao Chefe do Executivo Federal a nomeação dos Ministros deve ser interpretado de modo sistemático, em consonância com os princípios fundamentais que regem a República brasileira, que são o princípio democrático (art. 1°, caput) e o princípio da cidadania (art. 1, II). Nesse sentido, não há dúvida de que cabe ao Presidente da República o ato formal da indicação dos candidatos a Ministro do STF; não se trata, no entanto, de um ato de mera expressão de vontade pessoal do Chefe do Executivo, desvinculado dos demais princípios e valores que orientam o Estado brasileiro. Esse ato deve estar em consonância com tais princípios e valores, de modo que a indicação do membro do Supremo Tribunal deve ser o resultado de um processo político democrático no qual o Presidente da República estabeleça um amplo debate com a sociedade acerca do perfil dos possíveis candidatos e, com base nisso, fixe a sua escolha dos nomes dos candidatos de modo legítimo e fundamentado.


Por essas razões, a Associação Juízes para a Democracia formulou um requerimento público dirigido ao Presidente da República, aberto a adesões, no qual pleiteia o estabelecimento de procedimento que permita a máxima divulgação do histórico dos juristas que são considerados para integrar o STF, assim como preveja um período de tempo razoável para o debate e a manifestação formal dos cidadãos, associações e entidades de classe acerca dos candidatos indicados.


A participação popular proporcionará um debate efetivo e enriquecedor sobre o papel do STF no Estado Democrático de Direito e sobre a trajetória profissional e acadêmica e os compromissos assumidos pelo indicado durante sua carreira, o que acarretará um aperfeiçoamento institucional e o aumento do interesse dos cidadãos pela coisa pública, requisitos imprescindíveis à consolidação da democracia em nosso país


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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A violência no Rio

Polícia, Exército, Marinha e Aeronáutica, unidos pela ordem, preparados para a guerra, defendendo a população. A retomada do Estado na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão vem tendo o apoio da esmagadora maioria. Quando jornais destacam atos heroicos, o primeiro sentimento é de satisfação. Afinal, o bem está vencendo o mal. E como é bom ver o orgulho de bem servir estampado na face de nossos policiais. Não consigo descrever muito bem, existe uma certa ansiedade em meu peito, um senão, que não consigo identificar. Parodiando Shakespeare, sinto que há “algo de podre no reino da Dinamarca”. Depois, sinto como quando nos dias imediatos ao “11 de setembro”, em que qualquer dúvida lançada sobre as investidas de Bush levavam à estigmatizante afirmação de que os críticos estavam ao lado dos terroristas.

Também agora existe um temor de que a voz que se levanta para questionar a atuação na guerra contra o crime logo será vista como vinda de quem é contra a paz e a polícia. Bem o contrário, a polícia nos protege e nos dá conforto, nos traz paz. É para isso que existe. Ainda assim, precisamos deixar nossa zona de conforto e pensar um pouco, num compromisso com a racionalidade.

Por que só agora a intervenção? Como se chegou a essa inversão social? De onde vêm as armas dos traficantes? Quem formou milícias e fez vistas grossas ao terror imposto por traficantes? Quem deixa de investir na segurança e controle de fronteiras para impedir a entrada de armamento e droga? Quem deixa de controlar a produção de armas nacionais e o seu desvio? Quem faltou nos mais básicos direitos à comunidade? Quem manda para o cárcere os filhos da miséria e deixa impune os que sangram a Nação com desvios de dinheiro público, muitas vezes em pacto com traficantes? Quem se apresenta só para reprimir e maquiar o caminho aos holofotes, gastando bilhões em reformas de estádios, quando escolas e postos de saúde ficam à míngua?

O Estado ausente em seu próprio reduto, na incompetência em garantir os direitos fundamentais, fecha os olhos ao fato de que na sua falta as facções criminosas infiltram-se, corrompem seus órgãos, intimidam inimigos e vendem proteção. E agora que as investidas aconteceram, onde passarão a atuar os barões do tráfico? E ainda, doravante um Estado incorruptível permanecerá em todo seu significado democrático e de direito nessas comunidades órfãs de saúde, educação, habitação, saneamento, cultura e segurança pública? A paz se faz pelas calçadas do respeito à dignidade, e num Estado democrático de direito a ordem a ela serve, jamais o contrário.

JOÃO MARCOS BUCH, Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Joinville e membro da Associação Juízes para a Democracia

Fonte: Jornal A Notícia de 01/12/2010

NOTA PÚBLICA – RJ - NOVEMBRO de 2010

À MARGEM DA LEI TODOS SÃO MARGINAIS

A ASSOCIAÇÃO JUIZES PARA A DEMOCRACIA - AJD, entidade não governamental e sem fins corporativos, fundada em 1991, que tem por finalidade estatutária o respeito absoluto e incondicional aos valores próprios do Estado Democrático de Direito, em consideração às operações policiais e militares em curso no Rio de Janeiro, vem manifestar preocupação com a escalada da violência, tanto estatal quanto privada, em prejuízo da população que suporta intenso sofrimento.

Para além da constatação do fracasso da política criminal relativamente às drogas ilícitas no país, bem como da violência gerada em razão da opção estatal pelo paradigma bélico no trato de diversas questões sociais que acabam criminalizadas, o Estado ao violar a ordem constitucional, com a defesa pública de execuções sumárias por membros das forças de segurança, a invasão de domicílios e a prisão para averiguação de cidadãos pobres perde a superioridade ética que o distingue do criminoso.

A AJD repudia a naturalização da violência ilegítima como forma de contenção ou extermínio da população indesejada e também com a abordagem dada aos acontecimentos por parcela dos meios de comunicação de massa que, por vezes, desconsidera a complexidade do problema social, como também se mostra distanciada dos valores próprios de uma ordem legal-constitucional.

O monopólio da força do Estado, através de seu aparato policial, não pode se degenerar num Estado Policial que produz repressão sobre parcela da população, estimula a prestação de segurança privada, regular e irregularmente, e dá margem à constituição de grupos variados descomprometidos com a vida, que se denominam esquadrões da morte, mãos brancas, grupos de extermínio, matadores ou milícias.

Por fim, a AJD reafirma que só há atuação legítima do Estado, reserva da razão, quando fiel à Constituição da República.