quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
Cumpra-se, por Alessandro da Silva*
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
A ASSOCIAÇÃO JUIZES PARA A DEMOCRACIA (AJD), entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem por finalidade estatutária o respeito absoluto e incondicional aos valores próprios do Estado Democrático de Direito e a promoção e a defesa dos princípios da democracia pluralista, bem como a difusão da cultura jurídica democrática, pugna pela criação de defensorias públicas em todos os Estados da federação e perante todas as instâncias judiciais, como forma de garantir a acessibilidade à Justiça, consciente de que o Poder Judiciário só poderá efetivamente servir à sociedade se a ele todos tiverem acesso.
Segundo dados divulgados pelo Ministério da Justiça, no Estado da Bahia, por exemplo, estariam vagos 65% (sessenta e cinco por cento) dos cargos de Defensor Público. Desta forma, a instituição estaria presente em apenas cerca de 7% (sete por cento) dos Municípios baianos, atendendo cada Defensor Público uma população alvo de mais de setenta mil pessoas. Trata-se de uma situação muito aquém do mínimo necessário para assegurar o ingresso efetivo na sociedade daqueles necessitados que mais precisam de amparo, consistindo essa realidade em explícita violação do princípio da dignidade da pessoa humana.
Brasil, São Paulo, 7 de novembro de 2011.
terça-feira, 8 de novembro de 2011
Esta é uma causa que interessa a toda a sociedade e não apenas aos familiares e ex-presos políticos, pois a ditadura militar que perdurou em nosso país de 1964 até 1985, ofendeu e prejudicou todos os que lutam por um mundo justo e acreditam na democracia como a melhor forma de governar. Este é um assunto presente em todos os países que buscam consolidar suas democracias.
Assim sendo, reuniram-se em Florianópolis, dia 18 de julho, p.p, familiares, dirigentes sindicais, parlamentares, representantes da sociedade civil e militantes pelos direitos humanos e criaram o COLETIVO MEMÓRIA VERDADE E JUSTIÇA.
O governo precisa dar uma resposta a essas famílias, a todos os presos, banidos, torturados, exilados e sobreviventes da ditadura militar, reconhecer publicamente as arbitrariedades e os crimes cometidos, e pedir perdão aos que sofreram.
A luta pelo Estado de Direito torna-se cada vez mais necessária, pois ainda hoje vemos prisões e assassinatos praticados por agentes do estado.
Precisamos a formar a Memória Nacional sobre a resistência à ditadura militar.
A proposta de criação da Comissão da Verdade nos dá esperança!
Queremos uma Comissão da Verdade independente;
Queremos a abertura de todos os acervos documentais produzidos naquele período.
Queremos o cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso da Guerrilha do Araguaia;
Queremos a verdade e queremos justiça!
O BRASIL merece entrar numa era de democracia e prosperidade. Para tanto precisa conhecer e reconciliar-se com seu passado.
Para que jamais se esqueça!
Pra que nunca mais aconteça!
Florianópolis, 23 de agosto de 2011
sexta-feira, 4 de novembro de 2011
Com certa apreensão, tive conhecimento pelos meios de comunicação que o deputado estadual Valmir Comin tomou a palavra no Parlamento barriga-verde para, segundo a imprensa, entre outras considerações, dizer que “criminosos menores carregam o Estatuto da Criança e do Adolescente debaixo do braço como lastro de seus crimes”. A apreensão não se deve à discussão em si, que precisa ser realizada. A apreensão é com o desvio de foco do problema, bem como o peso das palavras quando lançadas por um representante do povo. É claro que o assunto é palpitante, mas é fundamental que seja colocado com responsabilidade.
É incompreensível, se realmente as palavras foram ditas pelo deputado, que parlamentar alheio a isto tudo não compreenda que a violência vem sendo há tempos estudada e passa por vários fatores, individuais e sociais, psicológicos e patológicos, e resulta em várias teorias, da anomia e subculturas delitivas à estigmatização e ao controle ideológico. Demonstram os estudos que no País, adolescentes envolvidos em atos infracionais em geral já foram suficientemente estigmatizados pela estampa da miséria educacional e social, com a marca violenta do abandono.
Talvez a discussão em seara penal deva ser mais voltada aos atos de corrupção e fraude, onde valores incalculáveis são suprimidos do erário público, em detrimento de hordas populacionais carentes. Além disso, a ciência penal, numa sociedade de risco, precisa afirmar sua identidade garantista, por meio de uma política criminal orientada em direitos fundamentais, previstos na Constituição. Política criminal que não seja mera caixa de ressonância e não ceda às pressões da política eleitoreira e da paranoia pública. Discuta-se, assim, a violência. Porém, que a discussão seja feita com seriedade e razão. E se discurso deva haver, que se o faça com base científica.
A construção da personalidade e o caráter ético das pessoas não passa pelo chicote da pena, mas sim pela educação e afeto, bem como pela oportunidade de construção de futuro digno. Os jovens do País estão enfrentando a desgraça de ver sonhos desmoronarem, um a um, na medida em que vão ficando mais velhos. Estigmatizar um adolescente envolvido em atos infracionais, criminalizando-o mais do que já foi como supostamente quer o deputado, é atestar a ineficiência do Estado e a iniquidade do sistema. É ignorar a história. Nosso legislador, em sua missão constitucional, tem o dever de saber disso.
*Juiz de direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Joinville/SC, membro do Conselho de Administração da Associação Juízes para a Democracia
Fonte: Jornal A Notícia de 29/11/2011 (http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3544202.xml&template=4187.dwt&edition=18255§ion=892)
sexta-feira, 14 de outubro de 2011
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
Campo de concentração de Sachsenhausen, por João Marcos Buch*
A chegada por trem na aprazível cidadela de Oraniemburg, onde o campo fica, é recheada de ansiedade. Desce-se do trem e percorrem-se os dois quilômetros que levam por vielas até o campo. Transpassam-se os portões com a famosa frase “Arbeit Macht Frei”(o trabalho liberta) e então tem-se uma pequena ideia do que o nazismo significou. Uma leve ideia, porque o choque quem sente realmente é o corpo.
Numa vibração inexplicável, o corpo escuta a linguagem dos milhares de vítimas, presos judeus, presos ciganos, presos por crime de comportamento antissocial – sabe-se lá o que seja isto –, presos em razão da homossexualidade, presos por alguma doença ou deficiência, tudo que Hitler e o nazismo resolveram categorizar numa lógica falsa e monstruosa como sub-raça.
Na realidade, sente-se o grito sufocado de desespero diante da injustiça, diante das insanas experiências eugênicas, da morte, do genocídio. Daí o sentimento de solidão. É feroz a percepção da crueldade que o homem e um Estado podem cometer. Feroz também o desespero de nada poder fazer, paralisado que se fica diante do tempo. Não há mais como agir. O tempo avançou, chegou até hoje, até agora, impedindo que se volte àquele momento da história, não como um herói – heróis foram as vítimas e quem lutou para salvá-las – mas como simples indivíduo que pudesse encontrar cada um e olhar junto a face do terror. Gritar que ali também estava, junto chorar, junto sentir o medo. Dar um abraço de vida e junto seguir, para todo o sempre, ainda que para enfrentar a injustiça da morte. Mas o tempo não permitiu, cheguei tarde, cheguei fraco, humilhado.
O homem não é o lobo do homem, recuso-me a acreditar. No campo, entre os visitantes havia muitos, muitos jovens, alemães, ingleses, espanhóis, de todo o mundo. Por certo, eles também viram que o homem pode ser o lobo do homem. Mas espero que esses lindos jovens tenham sentido como eu a solidão na alma diante do horror e da dor que foi tudo aquilo.
Espero mais: que acima de tudo aprendam que outro caminho é possível, que o homem pode ser, isto sim, a paz do homem, a felicidade do homem, a humanidade do homem. E que perdoem, que nos perdoem, que se perdoem. Mas não esqueçam, jamais.
*Juiz de direito, membro da Associação Juízes para a Democracia
Fonte: A Notícia - 13 de setembro de 2011. | N° 1250
sexta-feira, 2 de setembro de 2011
Licitações sustentáveis, por Iolmar A. Baltazar *
A administração pública consome parcela considerável do Produto Interno Bruto (PIB) anual em produtos e serviços, razão por que deve exercer de forma responsável o seu poder de compra, mediante a inserção de aspectos socioambientais em editais de licitações, convites e critérios de julgamento.
A seleção da proposta mais vantajosa e a concorrência dos interessados em igualdade de condições não bastam mais para que sejam atendidos os objetivos das licitações. A legislação passou a prever a promoção do desenvolvimento sustentável (artigo 3º da Lei 8.666/93) e, a partir de janeiro de 2012, exigirá a regularidade das relações trabalhistas como requisito de habilitação, a ser atestada por meio de certidão negativa (Lei 12.440/11).
O inciso XII do artigo 6º da Lei 12.187/09 (Política Nacional sobre Mudança do Clima) prevê o estabelecimento de critérios de preferência nas licitações para as propostas que proporcionem maior economia de recursos naturais, redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos. Em Santa Catarina, a Política Estadual sobre Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Sustentável (Lei 14.829/09) estabelece que as licitações devem incluir critérios ambientais.
Se a sustentabilidade, nas suas dimensões ambiental, social e econômica, já deve ser considerada nas fases interna e externa das licitações de órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, é chegado o momento de os tribunais de Contas passarem a observar as licitações sustentáveis sob a perspectiva do controle externo do gestor público.
* Juiz de Direito e membro da Associação Juízes para a Democracia
Fonte: Diário Catarinense de 01/09/2011
NOTA PÚBLICA
As entidades abaixo nomeadas, comprometidas com a consolidação do Estado Democrático de Direito e com a defesa dos Direitos Humanos, vêm a público repudiar a afirmação do Comandante da PM de Balneário Camboriú, Tenente Coronel Renato José Thiesen, veiculada em 27 de agosto de 2011 no jornal DIARINHO, no sentido de que "marginal bom é marginal morto".
A infeliz manifestação, sem embargo da liberdade de pensamento, torna-se ainda mais grave em se considerando a posição de comando de seu autor, já que pode ser interpretada como uma autorização ou incitação à violência por parte de seus comandados.
No Estado Democrático de Direito, quem vive como "marginal", à margem, está a merecer inclusão social e ressocialização, e não execução sumária. O devido processo legal não contempla o extermínio como tática de imposição do medo e controle do grupo social excluído, sob pena de genocídio. A atuação policialesca e militarizada somente serve a regimes totalitários, diferentemente de uma ordem democrática fundada na prevenção, na polícia ostensiva, não letal e pacificadora.
Quem deve zelar pela Segurança Pública não pode fomentar violência. Contenção não significa arbitrariedade e muito menos abuso de poder. Reprimir é conter e não violentar. Fora da lei, todos são criminosos.
Como cidadão ou Comandante da PM, espera-se o mínimo de respeito à Constituição da República Federativa do Brasil.
Associação Juízes para a Democracia - Núcleo Catarinense
Comissão de Direitos Humanos da OAB/SC - Balneário Camboriú
terça-feira, 23 de agosto de 2011
Defensoria Pública em Santa Catarina: o desafio da consolidação do Estado Democrático de Direito
A Constituição Federal de 1988 refundou o Estado Brasileiro a partir de bases democráticas. A função jurisdicional foi uma das que mais recebeu atenção, com significativas modificações, o que revelou a intenção do constituinte de fortalecer o Estado Democrático de Direito.
O Poder Judiciário foi transformado com ampliação de sua estrutura material e de pessoal, modificação da organização institucional e criação de mecanismos e instrumentos que visaram ampliar o acesso à Justiça e permitir a solução justa das lides, em prazo razoável.
O Ministério Público também foi objeto de completa remodelação, pois deixou de ser arrolado como órgão do Poder Executivo, para figurar em um capítulo à parte daqueles destinados aos demais Poderes, como função essencial à justiça.
Segundo Sepúlveda Pertence1, o Ministério Público foi:
desvinculado do seu compromisso original com defesa judicial do Erário e a defesa dos atos governamentais aos laços de confiança do Executivo, está agora cercado de contraforte de independência e autonomia que o credenciam ao efetivo desempenho de uma magistratura ativa de defesa impessoal da ordem jurídica democrática, dos direitos coletivos e dos direitos da cidadania.
Em explícita oposição ao período autoritário que a antecedeu, a Constituição Federal de 1988 declarou expressamente a existência de direitos sociais e individuais, como liberdade, igualdade, saúde, educação, moradia e segurança. Também estabeleceu como objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sem pobreza e livre de preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Preocupada não apenas em estabelecer uma declaração formal de direitos, a Constituição também previu uma série de medidas que buscaram dar efetividade a eles, como a ampliação do acesso à justiça.
Mas não bastava garantir o mero acesso à via judiciária, já previsto nas Constituições anteriores, a Carta Cidadã buscou estabelecer o direito de acesso a uma ordem jurídica justa, que segundo Kazuo Watanabe2 compreende:
1) o direito a informação e perfeito conhecimento do direito substancial e à organização de pesquisa permanente a cargo de especialistas e orientada à aferição constante da adequação entre a ordem jurídica e a realidade socioeconômica do País; 2) direito de acesso à justiça adequadamente organizada e formada por juízes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica justa; 3) direito a preordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a efetiva tutela de direitos; 4) direito à remoção de todos os obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo à Justiça com tais características.
Percebe-se que, além do acesso ao Judiciário, nesse novo modelo há destaque para a educação que visa dar conhecimento acerca dos próprios direitos e para o respeito aos direitos dos outros. Assim, o acesso à justiça pode ser encarado como o requisito fundamental - o mais básico dos direitos humanos - de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir e não apenas proclamar os direitos de todos3.
Dessa forma, o acesso à ordem jurídica justa deve alcançar todos os cidadãos e não somente àqueles que podem pagar por orientação jurídica ou para o ajuizamento de ações, visto que cabe ao Estado prestar “assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (art. 5º, LXXIV, da CF).
Para que o Estado pudesse cumprir com esse objetivo, a Constituição inovou ao criar a Defensoria Pública, “instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV” (art. 134).
Percebe-se que o modelo de assistência jurídica aos necessitados por meio da Defensoria Pública é parte de um processo de afirmação da cidadania e consolidação da democracia, estabelecido na Constituição Federal de 1988.
A adoção desse sistema foi objeto de profunda discussão durante a constituinte, tendo em vista a existência de outros modelos, como a defensoria dativa, no qual advogados indicados pela OAB prestam assistência judiciária. Portanto, não cabe mais questionar se a opção pela Defensoria Pública foi ou não a mais adequada.
Como era de se esperar em um Estado Democrático de Direito, esse foi o caminho seguido pela imensa maioria dos entes federados da nossa República, com a nada honrosa exceção de Santa Catarina, único que ainda não instituiu a Defensoria Pública.
Dentre outros argumentos menos consideráveis, o principal sustenta que o sistema de defensoria dativa cumpriria de maneira mais eficaz o dever de prestar assistência jurídica aos necessitados.
O argumento é claramente equivocado, já que a Defensoria Pública vai além da mera atuação em processo judicial e também abrange o papel preventivo, de orientação e educação. Como instituição goza de autonomia funcional e administrativa, o que lhe permite inclusive atuar em face do poder público.
Já a defensoria dativa é uma atividade pulverizada, sem uma diretriz de atuação definida, que se limita à assistência judiciária, pois os advogados somente recebem seus honorários do Estado se ajuizarem uma ação.
De todo modo, essa discussão não tem sentido, pois se cada cidadão puder descumprir a Constituição com o singelo argumento de que tem uma solução melhor do que a por ela adotada, nosso Estado Democrático de Direito estará com os dias contados. A prevalecer a posição catarinense, logo teremos que admitir, por exemplo, que outro Estado possa extinguir o Ministério Público e transferir suas funções para os procuradores do estado.
Ora, a escolha pelo modelo de Defensoria Pública já foi feita pela Constituição e cabe aos Estados cumprir o que ela estabeleceu!
O fato é que em nosso estado até as pedras sabem que a grande resistência, até agora bem sucedida, à criação da Defensoria Pública, se dá pela cúpula local da OAB. A defensoria dativa é utilizada em grande medida como um meio de subsistência para advogados em início de carreira e sua manutenção serve de plataforma eleitoral nas eleições da seccional.
O sistema também abastece os cofres da entidade, que fica com dez por cento de todos os valores pagos pelo Estado como honorários aos defensores dativos. São cerca de três milhões de reais anuais destinados à OAB a título de indenização pelas despesas com administração da defensoria dativa. Dinheiro público, cuja utilização não está sujeita a nenhum tipo de controle externo.
Essa postura pequena, de um corporativismo mesquinho, contrária a explícitas manifestações de presidentes do Conselho Federal4, mancha a atuação da seccional da OAB em Santa Catarina e é incompatível com a grandeza dos posicionamentos que, ao longo da história, essa instituição assumiu.
Essa conduta vai de encontro à postura de várias entidades com a quais a OAB, em regra, anda de braços dados na defesa das boas causas, pois a sociedade catarinense se organizou e apresentou na Assembleia Legislativa um projeto de lei de iniciativa popular, com 48 mil assinaturas, para criação da Defensoria Pública.
Além disso, tramitam no Supremo Tribunal Federal duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que têm por objeto o sistema de defensoria dativa adotado em Santa Catarina, sendo que na de número 3892 o Procurador Geral da República apresentou parecer no qual afirma que:
A olhos vistos, no Estado de Santa Catarina se ignora o modelo constitucional de instituição autônoma funcional e administrativamente para a Defensoria Pública. Em suma, o Estado absolve-se, pelo sistema normativo que adota, do dever de prestar assistência jurídica aos necessitados, remetendo tal papel a organismo estranho ao corpo estatal.
A obstinação de Santa Catarina em permanecer na ilegalidade faz lembrar a conhecida anedota da família que foi assistir a parada militar em que o rapaz desfilava. Quando o seu regimento passava, o pai não se conteve de orgulho e exclamou: “Puxa, no meio de tanta gente, o nosso filho é o único com o passo certo!”
Também revela o tamanho do desafio que temos pela frente para criar e consolidar instituições que são essenciais à afirmação do Estado Democrático de Direito, em meio à resistência daqueles que, na expressão de Raymundo Faoro, ex-presidente do Conselho Federal da OAB, insistem em se considerar donos do poder5.
* Juiz do Trabalho em Santa Catarina, membro da Associação Juízes para a Democracia
1 Apud MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 602.
2 WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. São Paulo: RT, 1988. p. 128.
3 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2002. p. 11-12.
4 Brasília, 17/11/2004 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, defendeu hoje (17) a concessão de maior autonomia à Defensoria Pública, um dos itens da Reforma do Judiciário previstos para serem votados logo mais pelo Senado Federal. “A autonomia funcional e administrativa para a defensoria pública é perfeitamente cabível. Mais do que cabível, é necessária”, afirmou Busato, certo do avanço do Senado também neste campo. (...) In “Busato defende maior autonomia para Defensoria Pública”. http://www.oab.org.br/noticia.
Brasília, 25/02/2007 – (...) Na ocasião, Brito também lembrou que é do Estado a tarefa de garantir o acesso à Justiça e, por meio das defensorias públicas, assegurar assistência aos mais necessitados. E garantiu que a OAB cobrará esses compromissos. In “Defensores Públicos agradecem apoio de Cezar Britto”. http://www.oab.org.br/noticia.
5 Cf. FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Formação do patronato político brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Globo, 2001.
terça-feira, 19 de julho de 2011
Estamos sós, por Felipe Cardoso Moreira de Oliveira*
Recentemente, os governadores de Goiás e do Paraná sancionaram leis que criaram a Defensoria Pública. Assim, Santa Catarina assume a posição, nada invejável, de ser o único estado da federação em que tal instrumento de exercício da cidadania e da democracia não é oferecido à sociedade. A Constituição Federal estabelece, no artigo 134, que a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado e que terá por objetivo satisfazer a garantia constitucional estabelecida no inciso LXXIV do art. 5º, que atribui ao Estado brasileiro a obrigação de prestar assistência jurídica gratuita aos necessitados.
Hoje, em Santa Catarina, o atendimento a tal parcela da comunidade é promovido por defensores dativos (advogados parcamente remunerados pelo Estado, quando o são, e destituídos da estrutura necessária para provir os carentes da melhor defesa possível de seus direitos) e pelos escritórios modelos das faculdades de Direito, onde estudantes prestam o atendimento sob a orientação de professores. A defesa de direitos dos cidadãos não pode ser por regra um ato de caridade. O serviço gratuito, por advogado ou por escritórios modelos, pode existir; porém, de forma suplementar.
Da população carcerária, 95% são pobres e, em parcela significativa dos casos, a garantia constitucional de uma defesa ampla e efetiva não foi concretizada. Grande parte destes, certamente, teria a melhor proteção de seus direitos no seio da Defensoria Pública. Assim, cumpre ao Estado de Santa Catarina a criação e o aparelhamento imediato de uma Defensoria Pública capaz de suprir os anseios da população carente.
Não há justiça sem democracia, não há democracia sem defensoria.
Fonte: Diário Catarinense de 13/07/2011 (http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3386650.xml&template=3898.dwt&edition=17519§ion=131)
terça-feira, 28 de junho de 2011
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E
COMISSÃO DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DE AMPARO À FAMÍLIA E À MULHER
O Presidente da assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina
Deputado Gelson Merísio ,
o Presidente da Comissão de Constituição e Justiça
Deputado Romildo Titon,
e a Presidenta da Comissão de Direitos e Garantias Fundamentais, de Amparo à Família e à Mulher
Deputada Luciane Carminatti
convidam para a audiência pública
“A Defensoria Pública em Santa Catarina”
a realizar-se no dia doze de julho de dois mil e onze, às nove horas, no Plenário Osni Régis, na Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina.
quarta-feira, 22 de junho de 2011
Drogas: a liberdade da discussão, por João Marcos Buch*
Pois bem, que sirva a lição ao debate, sem tabus. O flagelo das drogas é caso de saúde pública, com consequências na violência urbana. De maneira alguma seu uso pode ser incentivado ou seu combate, relegado. Porém, é preciso pensar mais. A proibição do uso de drogas tem origem moral, com a qual se aceitaram drogas como álcool e cigarro e se rejeitaram outras como a maconha. E se escolheu combater as drogas pela política de segurança pública. O usuário continua sendo tratado como criminoso e a repressão ao traficante aumentou, levando ao cárcere milhares de pessoas. Porém, os grandes traficantes não são presos e tampouco descapitalizados, porque possuem poder e estrutura que os deixam fora do alcance das investigações. Por outro lado, nos Estados Unidos, um dos países mais implacáveis na lei penal contra as drogas, o paradoxo é que lá está a população que mais a consome no planeta. O tráfico de drogas movimenta cerca de 500 bilhões de dólares ao ano. Sustenta ele a indústria do armamento, justificando bilionários investimentos. Provoca ele a nefasta corrupção e, finalmente, gera mais violência. Portanto, o modelo adotado é contraditório, sem lógica, sequer econômica. O investimento no combate só está fazendo fomentar o tráfico.
Cabe, assim, discutir a descriminalização do uso de droga, num diálogo franco e aberto. Será que a descriminalização pulverizaria a distribuição e retiraria o poder do traficante e o seu capital de mando e corrupção? Será que a própria indústria armamentista não se tornaria obsoleta no ocidente? Será que a violência não reduziria? Será que a política de combate às drogas ajustar-se-ia mais na saúde pública e na educação do que no chicote da pena? E uma política global de redução de danos? Enfim, é preciso ensinar nossos jovens que a droga não é caminho para a felicidade. Que cresçam sabendo que o prazer do indivíduo está nele mesmo, na arte, no esporte, no amor. Não será pelas duras penas que aprenderão, absolutamente.
*Juiz de direito e membro da Associação Juízes para a Democracia
Fonte: Jornal A Notícia de 21/06/2011 (http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3358900.xml&template=4187.dwt&edition=17368§ion=892)
quarta-feira, 1 de junho de 2011
SC: juíza nega pedido de deputado e autoriza Marcha da Maconha
- Fabrício Escandiuzzi
- Direto de Florianópolis
A Justiça de Santa Catarina negou nesta quinta-feira o pedido do deputado estadual Ismael do Santos (DEM) para proibir a realização da Marcha da Maconha, marcada para o próximo sábado em Florianópolis. Ele havia entrado com uma medida cautelar para tentar suspender o evento. Para o político, os participantes estariam "cometendo um crime" ao supostamente fazerem apologia ao uso da maconha.
Coordenador da comissão parlamentar de combate às drogas da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, Santos é um crítico contumaz da marcha. "Em Santa Catarina, os organizadores pretendem trazer consumidores e simpatizantes das drogas de diversas cidades, disseminando a ideologia pro consumo de entorpecentes pelo interior do Estado", afirmou o deputado, criticando o local escolhido pelo movimento: a avenida Beira-Mar Norte. "O espaço é frequentado por dezenas de crianças que não podem ficar expostas ao consumo e à apologia dessa droga com efeitos comprovadamente nefastos à saúde e à sociedade".
Em decisão divulgada hoje, a juíza Maria Paula Kern negou a liminar e autorizou a realização da Marcha da Maconha. O texto "Repressão à Marcha da Maconha é nostalgia da ditadura", publicado pelo jurista Marcelo Semer na quarta-feira, no Terra Magazine, foi usado pela magistrada catarinense para justificar a decisão.
Em sua sentença, a magistrada transcreveu o material para afirmar que a questão da descriminalização do uso da planta vem sendo motivo de debates em vários países: "As redes sociais aproximam as pessoas de tal forma que não estão mais sendo necessárias lideranças para convocar ou promover manifestações, suprindo, para o bem ou para o mal, uma enorme crise do sistema representativo, que atinge governos e oposições", cita a sentença. "Dá para pensar na nostalgia dos anos de chumbo? Não há espaço nesse admirável mundo novo para uma democracia que interdite o debate, um Estado que decida apenas ouvindo suas elites, uma política que sirva para o enriquecimento de seus burocratas, e juízes que se estabelecem como censores".
Ao final da transcrição do material, Maria Paula Kern negou o pedido feito pelo deputado para tentar proibir a marcha. "Desnecessárias outras considerações. Não há possibilidade de suprimento das falhas apontadas e o feito está, de qualquer forma, fadado à extinção, por impossibilidade jurídica do pedido", concluiu.
Além da marcha, os organizadores do movimento promovem na sexta-feira o Seminário da Maconha, nas dependências da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
A polêmica das proibições das edições da Marcha da Maconha ganhou força após o evento terminar em confusão em São Paulo, no último sábado. Um dia antes da data marcada para a marcha, a Justiça havia proibido sua realização, mas os manifestantes se reuniram no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp) para um ato pela liberdade de expressão. Quando o grupo saiu pela avenida Paulista, a polícia interveio com bombas de efeito moral e balas de borracha. Seis pessoas foram detidas e depois liberadas. Uma sindicância foi aberta para apurar se houve abuso por parte da Polícia Militar.
Fonte: http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5152081-EI8139,00-SC+juiza+nega+pedido+de+deputado+e+autoriza+Marcha+da+Maconha.htmlAbaixo a íntegra da decisão:
Autos n° 023.11.026976-7
Ação: Cautelar Inominada/atípica/Cautelar
Requerente:
Ismael dos Santos e outros
Requerido:
Marcha da Maconha Brasil
"Eu não espero pelo dia em que todos os homens concordem
Apenas sei de diversas harmonias bonitas possíveis sem juízo final
Alguma coisa está fora da ordem
Fora da nova ordem mundial"
(Caetano Veloso)
Vistos, etc...
Ismael dos Santos, Centro Terapêutico Vida - CTV, e JC – Associação Brasileira de Combate às Drogas,
qualificado à fl. 02, ajuizaram, por meio de procurador, a presente ação que denominam de "Medida Cautelar Inominada" em face de Marcha da Maconha Brasil, também qualificada.
Pretendem a concessão de liminar para a suspensão de evento nesta Capital, determinando-se medidas para a não realização da denominada "Marcha da Maconha", nesta cidade, sob pena de crime de desobediência.
Não indicam ação principal e pedem a citação genérica e editalícia dos responsáveis pelo sítio da rede mundial de computadores denominado www.marchadamaconha.org.
É o relatório.
Decido:
Impõe-se o indeferimento da inicial.
Dentre os defeitos que a contaminam, já de início urge lembrar que para se estar em juízo é necessário ter existência jurídica, o que não ocorre em relação à denominada ré.
É cediço, outrossim, que não há lugar no ordenamento jurídico pátrio para cautelares satisfativas. Característica intrínseca ao processo cautelar é a sua instrumentalidade (acessoriedade). Isto é, trata-se de um mecanismo processual que visa resguardar o resultado útil de futura ação de conhecimento ou de execução. É o instrumento de outro instrumento.
No caso dos autos, verifico o nítido caráter satisfativo da pretensão, que consiste pura e simplesmente que seja obstado o evento atacado.
Vale anotar, também, que os autores partem da premissa de que na aventada marcha ocorrerá ilícito penal, e fere a razoabilidade admitir como cabível o manejo de ação cautelar cível para obstar a prática de um crime que, em tese, se imagina possa acontecer. Ora, a prática de crime deve ser obstada e punida na esfera penal, ofendendo ao bom senso que, usando o mesmo raciocínio da inicial se admita uma cautelar cível, por exemplo, para proibir furtos em uma determinada região. Os argumentos a esse título trazidos à fl. 08 se sustentam em conjecturas do que poderia acontecer, e não justificam pedido que, no estado atual dos fatos, nada mais faz do que tentar obstar manifestação de um grupo indeterminado de pessoas.
Vale, por fim, trazer a sensata argumentação do magistrado paulista Marcelo S
emer:
"Será que podemos dizer que defender a legalização da maconha seja mesmo uma apologia ao uso das drogas?
Se a manifestação fosse de gestantes pela não criminalização do aborto, diríamos que se se tratava de uma apologia à interrupção da gravidez?
A democracia é construída por contrastes. É natural divergir e faz parte das regras respeitar o pluralismo.
Pode ser pluralismo defender algo que hoje é ilícito?
Pois é o que os ruralistas fizeram ao pleitear mudanças no Código Florestal. Com a significativa diferença de que com a revisão do Código, busca-se expressamente a anistia para todos aqueles que já cometeram os atos ilícitos de desmatamento.
O debate quanto à descriminalização dos entorpecentes, aliás, está em pauta no mundo inteiro. Por que estaria proibido por aqui?
A democracia fica menor cada vez que uma manifestação é reprimida a bala.
Nesses momentos, é impossível não se lembrar dos anos de ditadura e as tantas passeatas que foram interrompidas na base do cassetete.
De lá para cá, todavia, uma nova Constituição foi escrita e nos acostumamos a chamá-la de cidadã, justamente por assegurar o direito à reunião, à livre manifestação sem necessidade de autorização e à liberdade de expressão sem censura prévia.(...)
A nostalgia da repressão chega, curiosamente, em um momento de despertar da cidadania, em sua acepção mais legítima.
Estamos no limiar da construção de uma nova política, ainda que não saibamos exatamente qual será ela.
As redes sociais aproximam as pessoas de tal forma, que não estão mais sendo necessárias lideranças para convocar ou promover manifestações, suprindo, para o bem ou para o mal, uma enorme crise do sistema representativo, que atinge governos e oposições.
Os exemplos da Praça Tahir, e de vários outros pontos pelos quais sopraram os ventos da primavera árabe, mostraram a velocidade da disseminação nas redes sociais, e sua enorme influência na capacidade de mobilização. O Egito derrubou um ditador de décadas, sem um único líder governando as massas.
Até São Paulo provou um pouco dessa nova espontaneidade, com o churrasco da 'gente diferenciada'. Marcado por um convite no Facebook, agregou em cascata centenas de pessoas indignadas com o preconceito como motor de recusa a uma estação de Metrô.
Desde o dia 15 de maio, mais de uma centena de praças espanholas estão repletas de jovens, de desempregados e de aposentados, clamando por uma democracia real, que não os exclua das riquezas do país e não os marginalize nas decisões.
Reuniram-se sem líderes e sem partidos e passaram a cobrar perspectivas que a Espanha vem lhes negando: "Se não nos deixam sonhar, não os deixaremos dormir", dizem em um de seus mais repetidos slogans.
Dá pra pensar na nostalgia dos anos de chumbo?
Não há espaço nesse admirável mundo novo para uma democracia que interdite o debate, um Estado que decida apenas ouvindo suas elites, uma política que sirva para o enriquecimento de seus burocratas, e juízes que se estabelecem como censores.
Alguma coisa está fora da ordem e isso não é necessariamente ruim." (fonte: Terra Magazine)
Desnecessárias outras considerações. Não há possibilidade de suprimento das falhas apontadas e o feito está, de qualquer forma, fadado à extinção, por impossibilidade jurídica do pedido.
Isso posto, indefiro a petição inicial e julgo extinto o presente processo, com fulcro no art. 267, IV e VI, § 3o, do CPC c/c art.295, II do mesmo estatuto.
Custas pelos autores.
P. R. I.
Florianópolis (SC), 25 de maio de 2011.
Maria Paula Kern
Juiza de Direito
quarta-feira, 18 de maio de 2011
Nota acerca da crise no sistema penitenciário de Santa Catarina
A ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES PARA DEMOCRACIA, NÚCLEO DE SANTA CATARINA, tem acompanhado o agravamento da crise no sistema penitenciário do Estado. De um lado as autoridades a pregar a existência de facção criminosa e de outro detentos denunciando tortura e abusos. Em razão disso a AJD-SC, em respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito, vem por meio deste manifestar profunda preocupação sobre a direção tomada pelos setores de segurança pública.
É importante que dentro da legalidade as autoridades sejam informadas para poder agir da melhor forma e combater a inversão da ordem legal. Tão importante porém é buscar através dos setores especializados do governo e da sociedade civil as reais causas de surgimento de comandos criminosos. O crime organizado dentro do sistema penitenciário alimenta-se das ações repressivas e desproporcionais do Estado, ficando mais forte na medida em que este se ausenta de seus deveres e se apresenta apenas para enrijecer a disciplina e punir generalizadamente e com desproporção. Comandos paralegais surgem na falta dos legais.
É preciso que os órgãos da segurança pública e seus integrantes recebam investimentos de capacitação e valorização. É preciso que o sistema penitenciário respeite os valores humanos, combatendo de forma eficaz e exemplar qualquer violação ou abuso por parte de seus agentes. É preciso que o Estado ocupe seu espaço, como estabelece a Constituição da República, e assuma a responsabilidade pela pacificação social e pelos indivíduos presos, fornecendo-lhes o mínimo existencial e propiciando seu retorno à sociedade, de forma íntegra e reconhecida. O Estado Democrático de Direito assim exige e a AJD-SC assim defende.
quarta-feira, 11 de maio de 2011
Pensar é preciso, por João Marcos Buch*
Nenhum ato terrorista pode ser tolerado. Há que se lutar com todas as forças para que atentados sejam riscados da história. Pronto, deixando isto bem claro, creio que podemos adentrar no movediço terreno das dúvidas e questões surgidas a partir da morte de Bin Laden. Afinal, como há tempos alertou a filósofa alemã Hannah Arendt, na obra “Eichmann em Jerusalém”, um relato sobre a banalidade do mal, pensar é preciso.
Já na época dos ataques de 11 de Setembro, o mundo que, no início se solidarizava com as vítimas americanas, mudou de rumo. A partir da fúria da intitulada guerra contra o terror, onde mais vítimas inocentes foram mortas no Afeganistão e Iraque e com a qual se acentuou o preconceito ocidental para com as milenares culturas do oriente, muitas pessoas passaram a olhar com indignação para os EUA.
Recusando-se a ratificar o Estatuto de Roma, posto que não queriam se ver acusados de crimes de guerra, os EUA, com sua força econômica e militar, mais uma vez demonstravam o desrespeito para com os direitos humanos, inclusive buscando suspeitos no mundo todo, retirando-os de seus lares e detendo-os na base de Guantánamo, sem advogado e contato com a família. Isto não foi bem recebido entre os não-cidadãos americanos, ou seja, pelo resto do mundo. Passados dez anos do ataque, a Casa Branca capitaneou a invasão do Paquistão, ceifou qualquer resquício de respeito à soberania, protagonizou a ofensiva no esconderijo de Bin Laden, matou-o e jogou seu corpo no mar, nos moldes da ditadura argentina da segunda metade do século passado. O noticiário imediato foi bastante curioso. A TV transmitia as declarações do governo americano e da União Europeia (UE), que em única voz afirmavam que o mundo tinha ficado mais seguro. Em seguida, porém, passavam a anunciar que os EUA e UE elevavam o nível de perigo de ataque terrorista.
É óbvio que o mundo não amanheceu mais seguro. A forma como Bin Laden foi preso e morto será o nascedouro de hordas de seguidores, mais fundamentalistas e mais perigosos. A atitude americana aprofunda o choque de civilizações e fomenta a intolerância. A esta altura, parece que esquecemos as lições de Sérgio Vieira de Mello, ex-alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, morto em 2003, vítima de atentado em Bagdá, para quem a conquista da paz está muito mais ligada à empatia entre vencedores e vencidos do que propriamente à força. Pensar é preciso.
Fonte: Jornal A Notícia de 11/05/2011 (http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3306494.xml&template=4187.dwt&edition=17081§ion=892)
quarta-feira, 27 de abril de 2011
Crime organizado: onde o Estado falta
Assis Chateaubriand saiu do anonimato a partir de críticas lançadas contra um jornalista famoso da época, que resolveu responder ao audacioso jovem. Com essas respostas foi ele catapultado no mundo da comunicação. Tendo isso em conta, é preciso que alguns registros sejam feitos sobre o proclamado Primeiro Grupo Catarinense (PGC). O PGC seria uma facção criminosa que comandaria o crime dentro e fora do sistema prisional. Cartas teriam sido apreendidas e atos envolvendo a segurança pública teriam sido arquitetados.
Num primeiro momento, é importante que os setores da segurança pública atentem para elementos indicativos da facção e por meio de articulações dentro da legalidade forneçam às autoridades elementos que permitam agir e impedir o nascimento deste Estado paralelo. Por outro lado, mais certo ainda é lançar a atenção às verdadeiras causas do surgimento desses comandos. Comandos paralegais surgem na falta dos legais. No Estado de São Paulo, por exemplo, alguém preso por um crime qualquer não permanece no presídio da sua respectiva cidade. Ele é transferido para outro distante. E como sabemos que na esmagadora maioria quem vai preso é o mais humilde, afogado num abismo social, esta pessoa dentro do sistema passa a depender do Estado, integralmente. Mas o Estado não fornece o mínimo para este detento. É aí o comando organizado entra, por exemplo, no fornecimento de transporte de familiares para visita, medicamentos, materiais de higiene, alimentos, etc. O preso, então, sente-se seguro a partir do comando do crime e por isso lhe será grato. Quando solto, cumprirá ordens. O Estado, não entendendo essa dinâmica, acredita que poderá conter o crime organizado com o recrudescimento geral do sistema prisional, acabando com banho de sol e convívio, submetendo familiares à revista íntima, retirando o direito do detento ao trabalho, tratando-o como um pária. Isso alimenta o crime organizado, que fica mais forte na medida em que o Estado se retira dos seus deveres e se apresenta apenas para punir.
Quando a polícia receber investimentos de capacitação e valorização, quando o sistema penitenciário respeitar os valores humanos, quando o Estado assumir a responsabilidade pelos indivíduos presos, fornecendo-lhes o mínimo existencial e propiciando seu retorno à sociedade, de forma íntegra e reconhecida e finalmente perceber que não é pelo chicote que se educa, é óbvio que não se ouvirá mais falar em PGC e outras siglas. É uma questão lógica.
Fonte: Jornal A Notícia de 27/04/2011 (http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3288814.xml&template=4187.dwt&edition=16989§ion=892)
sexta-feira, 1 de abril de 2011
De direito sagrado a oportunismo
Ricardo Carvalho
Detido em flagrante por furto em Joinville, em 2009, A. L. deparou-se com um cenário digno de uma passagem de O Processo, de Franz Kafka, no dia de sua audiência. Estavam presentes o juiz e o promotor, mas não havia advogado. Sem recursos para custear os honorários, teve de aceitar um advogado particular conveniado com a Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina (OAB-SC), modelo conhecido como defensoria dativa. O profissional faltou à audiência e, por isso, o juiz João Marcos Buch determinou que o réu respondesse o processo em liberdade. A audiência foi remarcada.
“O réu estava preso há dois meses e tinha o direito de ser julgado naquele dia”, explica o juiz. Em Santa Catarina, o caso de A. L. não é exceção. “Além de serem comuns as ausências, já aconteceu de o advogado não arrolar testemunhas e apresentar uma defesa de caráter genérico, quando fica claro que ele nunca conversou com o réu antes. Eu preciso adiar a audiência, o processo se arrasta e o réu, preso, fica numa situação quase kafkiana.” De acordo com Buch, cerca de 30% dos processos sob sua apreciação que dependem do modelo dativo apresentam algum tipo de problema de ausência ou insuficiência da defesa.
Especialistas do direito alegam que a defensoria dativa não presta a garantia de ampla e integral assistência judiciária. Santa Catarina é o único estado que ainda não tomou providências para instalar uma Defensoria Pública Estadual, órgão previsto como obrigatório pela Consituição.
A principal resistência à Defensoria vem da OAB-SC. A ordem argumenta que a defesa dativa é pulverizada e garante assistência a todos os municípios, com cerca de 7 mil advogados particulares cadastrados no convênio. O presidente estadual da ordem, Paulo Borba, diz tratar-se do melhor modelo de defesa pública do País. “O atendimento é idêntico a ter um advogado privado.”
A diretora de pesquisa do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciárias, Maria Tereza Sadek, discorda. “A Defensoria é uma instituição e possui muitas singularidades que a OAB não pode suprir. Há uma forte ação extrajudicial, por exemplo. O convênio apenas designa um corpo de advogados.”
Segundo Maria Teresa, a resistência da OAB tem também um viés corporativo. “Com o número de bacharéis formados, a defensoria dativa constitui uma garantia, quase uma reserva de mercado.” O juiz Buch concorda. “Acontece muitas vezes de o defensor dativo recém-egresso da universidade comunicar, após dois ou três anos, que está se desligando do convênio. Sem generalizar, isso acaba deixando aos mais carentes, muitas vezes, um profissional inexperiente.”
A remuneração pelo convênio da OAB é feita com base em uma tabela de Unidade de Referência de Honorários (URH). Na maioria dos casos, os honorários variam de 10 (550 reais) a 20 URHs (1,1 mil reais) por processo. “O valor é muito inferior ao que o advogado ganha com clientes particulares. Insisto que não podemos generalizar, mas fica evidente que o advogado dativo, que também tem uma carteira de clientes, vai dar prioridade aos particulares”, explica o magistrado Buch.
Borba afirma que o estado repassa cerca de 1,2 milhão de reais por mês à ordem para o pagamento dos advogados. Do total, a OAB retém 10% a título de indenização por gastos administrativos. Atualmente deputado federal pelo PT, Pedro Uczai encaminhou um pedido de informação ao governo do estado em 2009, quando estava na Assembleia Legislativa. Perguntou qual é o valor repassado anualmente pelo estado à OAB-SC e a quem a ordem presta contas da quantia recebida, inclusive sobre os 10% retidos. “Não recebemos resposta. Nunca vi prestação de contas correta e aberta desse dinheiro público.” Atualmente, tramitam duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra a lei estadual que regulamentou a defensoria dativa.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/politica/de-direito-sagrado-a-oportunismoquinta-feira, 31 de março de 2011
O que é a Defensoria Pública?
EVENTO GRATUITO - NÃO É NECESSÁRIO FAZER INSCRIÇÃO -
DÚVIDAS: contato@caxif.ufsc.br
Datas: 13 a 15 de abril de 2011
Horário: 8h20min às 11h50 e das 18h30min às 22h00min
Local: Auditório do Centro Sócio Econômico - Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima
Trindade - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil
CEP: 88040-970
Confira aqui a programação
quinta-feira, 17 de março de 2011
Monitoramento eletrônico de detentos, por João Marcos Buch*
Em 2010, a Lei de Execução Penal foi acrescentada pela lei nº 12.258, passando a prever o uso de pulseiras ou tornozeleiras eletrônicas para condenados com direito de saída temporária ou prisão domiciliar. Sem adentrar na patente violação do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, num primeiro momento pode-se acreditar que houve avanço. O controle de detentos será mais efetivo, serão evitadas fugas e um maior número de saídas temporárias e prisões domiciliares poderão ser concedidas.
Há um engano neste pensamento. A saída temporária e a prisão domiciliar já eram bem regulamentadas pela Lei de Execução Penal. Desde muito, os requisitos para o juiz autorizar estes benefícios são o comportamento adequado, cumprimento de determinado período de pena e compatibilidade do benefício (saída temporária) e idade avançada, doença grave, filho menor ou deficiente e condenada gestante (prisão domiciliar). Ou seja, esses requisitos em última análise acentuam a intenção da lei de conferir tratamento condigno e eficiente ao reeducando, de forma a lhe permitir o gradual retorno ao convívio social livre ou a lhe amenizar situação particular de saúde.
Então, se os requisitos já existem, na análise para concessão dos benefícios devem ser criteriosamente verificados e o objetivo é a ressocialização ou a preservação da saúde, por que, então, incluir o monitoramento eletrônico no processo? Para impedir fugas e controlar seu itinerário? Ora, se o detento satisfaz os requisitos e o juiz concede o benefício é porque acredita que ele respeitará a decisão e sempre que chamado voltará. E se por acaso o material que se avaliou para a concessão do benefício não condiz com a realidade e o detento tem intenção de fugir, uma pulseira ou tornozeleira jamais impedirá que o faça.
Neste ponto aliás, o número de fugas no final de 2010 por ocasião das saídas temporárias de Natal e Ano-novo com uso de tornozeleiras, a partir de dados extraoficiais, não foi muito maior que a média dos anos anteriores, onde não se falava em monitoramento. O sistema prisional precisa ser continuamente pensado. Mas há que se convir que a lei do monitoramento eletrônico não é eficaz, tampouco efetiva, e o investimento na sua aplicação não será eficiente. Que se invista o equivalente na capacitação e valorização do servidor público do sistema penitenciário e em melhorias das prisões, há muito sucateadas. Por certo haverá então, sim, redução de fugas, ressocialização e principalmente respeito aos direitos humanos.
Fonte: Jornal A Notícia de 24/01/2011
terça-feira, 15 de março de 2011
Dia do Consumidor, por Iolmar Alves Baltazar*
O momento, contudo, exige um repensar, à medida que o consumismo, sobretudo de produtos supérfluos, diversificados e com obsolescência planejada, tem-se mostrado fonte de exclusão social, de violência urbana, de comportamentos individualistas, além de danos ambientais e sociais. Tal situação ameaça as futuras gerações. Somente a sustentabilidade, através de suas dimensões econômica, social e ambiental, poderá minimizar os impactos causados à ordem econômica, constitucionalmente fundada na justiça social e na proteção ao consumidor e ao meio ambiente.
Para Jan Pronk, o desenvolvimento é sustentável quando o crescimento econômico traz justiça e oportunidades para todos, a despeito da concentração das riquezas em mãos de poucos. O desenvolvimento socialmente includente, portanto, deve ser a tônica de uma exigência transformadora, rompendo-se com a agônica estratégia de mercado, segundo a qual basta que poucos tenham capacidade concentrada de renda para consumir muito. Disso resulta a importância de cada indivíduo, detentor do poder de compra e escolha de produtos e serviços que prezem pela responsabilidade social corporativa, fazendo-se do consumo um ato de cidadania.
O repúdio ao trabalho escravo, a preservação dos recursos naturais, a geração de empregos e a equidade social são alguns itens que, cada vez mais, têm seduzido consumidores em suas escolhas, preocupados com uma imensa massa da população que, paradoxalmente, também passou à condição de supérflua, excluída.
*Juiz de Direito, membro da Associação Juízes para a Democracia
Fonte: Jornal de Santa Catarina de 15/03/2011 e Diário Catarinense de 16/03/2011
quinta-feira, 10 de março de 2011
Defensoria pública, por Márcia Krischke Matzenbacher*
A defensoria pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado e deve prestar assistência jurídica integral aos necessitados. Em Santa Catarina, a assistência jurídica aos carentes é prestada pela defensoria dativa, através de convênio entre o Estado e a OAB. Diz-se que o sistema catarinense é conveniente porque mais barato do que a instalação da defensoria pública. Não é democrático o argumento de que aos pobres deva ser prestado serviço mais barato, principalmente quando se constata que sua manutenção vem acarretando reiteradas violações a direitos humanos, a exemplo da ausência de defensor que acompanhe a execução da pena.
O Brasil é uma federação e os estados estão sujeitos a seus fundamentos, dentre eles a dignidade da pessoa humana, princípio do estado democrático de direito. A sonegação de direitos humanos viola o princípio federativo e pode levar à intervenção federal em Santa Catarina, o que deve ser evitado.
Santa Catarina tem-se colocado acima da força normativa da Constituição, tornando-a mera folha de papel, situação que precisa findar, com a implantação da defensoria pública. Essa é a determinação constitucional, e o acesso do povo à Justiça não pode ser tratado como uma liquidação.
Fonte: Diário Catarinense de 07/03/2011