quinta-feira, 27 de março de 2014

Nota pública

O Núcleo Catarinense da Associação Juízes para a Democracia, entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem dentre suas finalidades o respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito e a promoção e a defesa dos princípios da democracia pluralista, bem como a difusão da cultura jurídica democrática, vem a público manifestar-se acerca da ação policial levada a cabo em 25/03/2014 no campus da UFSC.
Salta aos olhos a desproporção dos meios utilizados pela ação da Polícia Federal e da Polícia Militar para combater um crime que sequer é penalizado por nosso ordenamento jurídico. A ação se caracterizou pela intransigência e pela violência que, não raro, são a marca das forças policiais em nosso país, o que revela a necessidade urgente de discutir a remodelação dessas instituições, em particular a desmilitarização. Mais respeito à cidadania, menos repressão.
À Polícia Federal, como polícia judiciária, cabe a realização de serviços de inteligência, em vez de truculência direta e indistinta contra estudantes e professores. A presença ostensiva da Polícia Militar no campus abala o valor fundamental da autonomia universitária e das pesquisas científicas e acadêmicas.
Salientamos ainda que apontamentos mundiais sérios indicam que a forma de tratar a questão da droga refoge às políticas penais. A “guerra às drogas” já se mostrou ineficaz no combate ao tráfico e é utilizada como justificativa para a violência indiscriminada do Estado em face da população mais carente. O ambiente acadêmico é justamente o local mais adequado para se discutir esse fenômeno sem a criminalização.
A consolidação da democracia em nosso país somente será alcançada com o respeito ao Estado de Direito, no qual o exercício do poder é limitado pela observação das leis, de modo a impedir a sua utilização de forma arbitrária, em especial pelas forças da ordem.

Florianópolis, 27 de março de 2014.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Intolerância, por João Marcos Buch*

-Ele está rendido – eu repetia em voz alta. Era manhã de sábado, do carro tinha visto um rapaz entrando numa farmácia, anunciando assalto. Simulava estar armado (não estava). Imediatamente, liguei para a polícia. Enquanto aguardava, vi alguns homens adentrando no estabelecimento. Após alguns segundos, tiraram o rapaz, imobilizado. Embora a recomendação seja jamais tentar conter um assalto e esperar a polícia, o assaltante estava contido. Pensei, então, que tudo havia terminado bem. Estava errado. Um princípio de barbárie começou, com chutes no rapaz inconsciente, estendido na calçada. Avancei com o carro sobre a calçada, saí e lancei uma palavra de ordem.

– Ele está rendido. Todos se afastaram, alguns ao longe faziam sinal de aprovação, mas os demais estavam inconformados.

– Você não viu o que ele fez? – perguntavam.

– Vi, mas agora ele está rendido – repetia esta frase para chamar à razão aquelas pessoas. Finalmente, a polícia chegou. Relatei o ocorrido, da tentativa de assalto às agressões, e recomendei que levassem o assaltante ao pronto-socorro e, após, à delegacia para lavratura do auto de prisão em flagrante. Fui embora preocupado, não só com a situação das vítimas da farmácia, já amparadas, mas também com o que poderia ter acontecido com o rapaz.

A questão é: por que a barbárie? E por parte de pessoas que, em tese, são cumpridoras de suas obrigações e se importam com a paz. Talvez a resposta seja um conjunto de fatores. Todos nós, com alguma estabilidade, muitas vezes somos maniqueístas e não nos damos conta de que as oportunidades que temos para crescer pelo trabalho e estudo não existem para uma grande massa populacional. Por isso, não nos reconhecemos no outro.

Já a educação tem falhado em despertar no jovem a alteridade e a compreensão do contexto histórico em que se encontra. E as instituições públicas vêm se enfraquecendo, seja pela ausência de políticas de inclusão econômica e social, seja pela falta de gestão e capacidade administrativa. O resultado é um retrocesso à barbárie. A missão que temos é modificar isso. É fazer com que as pessoas tenham oportunidades para crescer, passem a acreditar em seus representantes públicos e busquem as instituições sempre que se vejam em situação precária. Ao Estado, resta comprometer-se efetivamente com as pessoas, num processo político ético. As vítimas da farmácia e a vítima da injustiça pelas próprias mãos agradeceriam.
*JUIZ DE DIREITO DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS E CORREGEDOR DO SISTEMA PRISIONAL DA COMARCA DE JOINVILLE E MEMBRO DA AJD

Fonte: Jornal A Notícia de 07/03/2014

Conversa com o lixeiro - Carlos Drummond de Andrade