quinta-feira, 19 de julho de 2012

Ainda a Defensoria Pública, por Alessandro da Silva*



Na terça-feira, dia 10 de julho, foi realizada na Assembleia Legislativa uma audiência pública para discutir o Projeto de Lei Complementar 16/2012, que cria a Defensoria Pública em Santa Catarina. A sociedade catarinense demonstrou de forma inequívoca e uníssona que o projeto enviado pelo Executivo não atende a mínimas expectativas.
Dentre os vários dispositivos passíveis de crítica, se destaca o parágrafo único do art. 3º ao prever que “No exercício de suas atividades institucionais, a Defensoria Pública não prejudicará o exercício da advocacia privada, limitando-se ao atendimento daqueles que estão absolutamente impossibilitados de contratar advogado”.
Ora, é evidente que a Defensoria Pública somente poderá atender aqueles cidadãos que não puderem pagar os serviços de um advogado, pois essa é sua missão institucional. O dispositivo citado, além de desnecessário, demonstra do forma clara que, como se dava no sistema de defensoria dativa, o interesse corporativo permeia o projeto e se sobrepõe ao interesse público.
Nessa mesma linha, foi mantida a possibilidade de serem firmados convênios órgãos e instituições, prioritariamente com a OAB, com vistas a implementar, de forma suplementar, suas funções institucionais. A manutenção do convênio com a OAB seria compreensível em um processo de transição da defensoria dativa para a Defensoria Pública. Ocorre que somente está prevista a criação de 60 cargos de Defensor Público, dos quais apenas 20 estariam disponível para provimento no primeiro concurso.
Nosso Estado conta atualmente com 199 comarcas, de modo que o número de cargos criados não atenderá minimante essas necessidades. Para termos um ideia, a lei que recentemente criou a Defensoria Pública no Paraná criou 333 cargos de Defensores.
A estrutura precária e insuficiente garantirá a manutenção do convênio com a OAB por prazo indefinido e, por consequência, do sistema de defensoria dativa já declarado inconstitucional pelo STF.
O Estado de Santa Catarina já foi considerado exemplo em matéria de desenvolvimento social, econômico e institucional. Nos últimos anos, contudo, temos experimentado retrocessos inaceitáveis, como no caso do tratamento dos menores infratores, em que de modelo passamos a figurar dentre os violadores contumazes dos direitos humanos.
A renitente resistência à criação de uma verdadeira Defensoria Pública, a ponto de sermos o único Estado que ainda não o fez, é mais um episódio nessa triste trajetória em que os interesse público sucumbe à apropriação privada do Estado.

* Juiz do Trabalho, membro da Associação Juízes para a Democracia

PS: uma versão reduzida desse artigo foi publicada no Diário Catarinense de 18/07/2012.